terça-feira, 13 de setembro de 2016

Emanuelle 'sobe escada' em CD solo que cai no samba e no suingue pop

Com a edição do primeiro álbum solo, O problema é a velocidade, Emanuelle Araújo sobe escada e galga outro patamar no mercado fonográfico, aos 40 anos. Subir escadas e patamar são termos usados pelo compositor carioca Gabriel Muzak em versos de Uma mulher, samba lançado pelo autor no CD Quero ver dançar agora (2013) e ora regravado pela cantora baiana. Uma mulher foi o samba que anunciou oficialmente, em julho, a chegada do disco produzido por Kassin e lançado pela gravadora Deck neste mês de setembro. Como vocalista da Banda Eva e do trio Moinho, Emanuelle nunca sobressaiu tanto como neste apaixonado álbum solo em que cai com elegância no samba e no suingue pop latino.

A origem geográfica da artista está sinalizada na sonoridade e no balanço do disco gravado com músicos como Pedro Sá (violão e guitarra), Stephane San Juan (percussão), Danilo Andrade (no elétrico piano wurlitzer) e o próprio Kassin (no baixo e na guitarra). No fecho do álbum, no toque etéreo das guitarras de Pedro Sá e de Kassin, Emanuele até declara amor ao cosmos baiano em Céu azul, canção de Márcio Mello lançada simultaneamente em disco neste ano por ela e pelo autor. Cantor e compositor baiano, Mello assina também Louco de saudade (2003), música lançada há 13 anos pelo autor e revivida pela cantora com arranjo que reergue a ponte que liga a Bahia à África e a Cuba.

Embora esteja banhado pela baianidade pop, evidenciada também na lúdica Pra pescar meu coração (Uma palavra), parceria dos compositores soteropolitanos Gerônimo e Paquito, O problema é a velocidadetambém embute tons cariocas nos arranjos cheios de suingue latino e na própria sonoridade contemporânea arquitetada por Kassin com a turma de músicos que habitualmente trabalha com o produtor carioca. Mistura natural na vida de uma cantora e atriz baiana que se radicou na cidade do Rio de Janeiro (RJ) já há 13 anos.

O mix de influências beneficia repertório que combina músicas realmente inéditas – caso da apaixonada e sacolejante Baby love, tema que aponta Zeca Veloso (filho de Caetano) como promissor compositor – com abordagens de músicas lançadas nestes anos 2010 em discos independentes de visibilidade restrita a nichos. Para ouvintes que desconhecem a gravação lançada em 2015 no álbum da banda carioca Folks, Para o grande amor, música do compositor e guitarrista baiano Peu de Souza (1977 - 2013), vai soar como novidade, por exemplo.

No álbum solo de Emanuele, a azeitada mistura de Rio e Bahia tem o tempero da latinidade que banha a música das Américas do Sul e Central. Delícia pop romântica do carioca Celso Fonseca, o neobolero Lua cheia de janeiro ilumina latinidade que remete a João Donato. A música-título O problema é a velocidade – mais um acerto da parceria de Domenico Lancellotti com Alberto Continentino – também cai no suingue no toque dos metais orquestrados por Felipe Pinaud.

Já o carioca Paulinho Moska emula com inspiração o estilo do xará e conterrâneo Paulinho da Viola no samba O amor está ao meu lado. E por falar em samba, Se for pra mentir – parceria do baiano Cezar Mendes com o paulistano Arnaldo Antunes – ganha a melhor gravação, com arranjo e interpretação que supera o registro original feito por Luciana Mello em 2011 e a abordagem de Roberta Sá em 2015. Outra música do baiano Cezar Mendes, esta letrada pelo conterrâneo José Carlos Capinam, Flor de laranjeira planta lirismo no mesmo clima suave que pauta Na imensidão, sambossa do mesmo Gabriel Muzak que assina Uma mulher na abertura do disco.

Sem bateria e sem programações eletrônicas, o álbum O problema é a velocidade valoriza o leve registro vocal adotado no CD por uma cantora que nunca foi grande, mas que seduz neste primeiro disco solo justamente porque parece ter encontrado a turma certa para voar sem os irregulares ventos do Moinho e sem a eletricidade artificial e padronizada da Banda Eva. No próprio tempo, Emanuelle Araújo sobe (vários) degraus na velocidade certa.