quinta-feira, 10 de outubro de 2013

“Ok Computer”, um disco fundamental do Radiohead


Direto ao ponto: “Ok Computer” é o disco fundamental na trajetória e discografia do Radiohead. É o rito de passagem de uma banda de relativo sucesso e boas composições para a banda mais influente e importante do mundo desde então. É o disco que inicia o culto ao quinteto e dá uma imensa carta branca nas mãos de Thom Yorke e seus companheiros para fazer o que bem entenderem com a indústria. Porque, por mais que “Pablo Honey” tivesse uma grande música ”Creep” e “The Bends” fosse um apanhado de lindas canções dolorosamente melódicas, a banda até então não tinha ousado e colocado uma assinatura própria em seu som. E, óbvio, foi a evolução de “Ok Computer” que conquistou a devoção de milhões de fãs e alçou a banda ao posto de salvação do rock, transformando Yorke (a contra-gosto) em líder e porta-voz de uma geração.

Sonoramente o disco faz uma releitura tanto do psicodelismo quanto do progressivo, limando os excessos de cada gênero e acrescentando as doses de melancolia tão presentes nos discos anteriores da banda. Mas, ao contrário dos antecessores, mais calcados na harmonia das músicas como um todo, “Ok Computer” apresenta uma preocupação imensa com os detalhes, com os timbres, com as texturas, com os pequenos riffs e solos que pontuam cada verso e estrofe. Suas músicas são mais do que apenas uma base melódica. Elas são como peças de um quebra-cabeça sonoro cuidadosamente estruturado. Seja nos momentos mais densos, como “Exit Music (For A Film)”, “Lucky” e “Climbing Up The Walls”, nos momentos mais vibrantes de “Airbag” e “Paranoid Android”, no britpop de “Electioneering”,  ou no lirismo de “Let Down” e “No Surprises”, a banda vai acrescentando um a um os acordes, as notas, as mudanças, os climas, sem se preocupar com as fórmulas básicas da música pop. Basta dizer que é um disco quase sem refrões.


Olhado com a distância do tempo, “Ok Computer” se apresenta como o retrato de toda uma geração. É como uma ópera-rock que versa sobre a vida moderna, uma crônica em preto e branco do século 21 e principalmente do pós-11 de setembro (não à toa, Thom Yorke sempre foi tratado como visionário). Traz no amargor e na voz sofrida do vocalista a carga de uma era em que as pessoas cada vez mais se isolam de tudo e criam barreiras ao seu redor. É uma época em que a convivência fica cada vez mais distante e impessoal. O egoísmo e a solidão estão presentes o tempo inteiro nos versos cínicos do cantor. Se “The Bends” era um disco basicamente sobre as relações humanas (majoritariamente românticas), “Ok Computer” é um disco sobre o conflito do homem consigo mesmo, um auto-retrato da angústia tão característica do vocalista – e que o assolaria como nunca após o sucesso estrondoso do álbum.

Como retrato de nossa era, “Ok Computer” diagnostica e radiografa perfeitamente os tempos do “politicamente correto”. Primeiro em “Karma Police” e sua ameaça constante de que “isso é o que você leva, quando mexe conosco”. Mas nada como “Fitter, Happier” para explicar a monotonia e mesmice em que tantas pessoas tentam transformar o seu, o meu, o nosso mundo. Esteja em forma, trabalhe bastante, não beba em excesso, coma de forma correta, conviva melhor com as pessoas. Parece o discurso da abertura de “Trainspotting”, um manual de regras simples para a felicidade. De nada adianta, porém, pois esse alívio momentâneo é destruído com força pelo pessimismo assolador de “No Surprises”, um dos melhores retratos do que uma vida com regras pré-estabelecidas pode causar, e que foi traduzido de forma exuberante em seu clipe, em que o vocalista é “afogado” em um aquário enquanto canta: “No alarms, no surprises”. É assim que vale a pena viver, sem ter nenhum tipo de novidade?

No entanto, sem dúvida alguma, a música que melhor expressa o disco como uma unidade é “Paranoid Android” – não por acaso a melhor música da banda. Começa com Yorke tentando espantar seus fantasmas internos enquanto os riffs de guitarra entrelaçados e a linha de baixo circular hipnotizam. O vocalista vai destilando sua ironia e expurgando seus demônios enquanto a canção cresce, até explodir no solo nervoso, rápido, urgente de Jonny Greenwood. De repente tudo acalma e um coro angelical começa a clamar pela chuva, uma pretensa redenção, que chega aos poucos, mas muito mais delicada do que em “Magnólia”. Para terminar a possível lavagem da alma, nada melhor do que uma lógica religiosa máxima transbordando cinismo. “Deus ama seus filhos, Deus ama seus filhos”. É necessário repetir muito para acreditar e não ficar louco neste mundo. “Ok Computer” é, enfim, desde seu título, uma rendição aos tempos modernos. Não há como escapar do que se tornou a nossa época.

Alçada ao posto de melhor banda do mundo, o Radiohead teve que lidar com uma fama que nunca almejou. Para isso, o grupo criou uma base sólida em si mesmo e resolveu traçar seu próprio caminho, com cada passo milimetricamente calculado. O que aconteceu depois disso é história, que culmina com o lançamento de “In Rainbows” em 2007, o álbum que colocou abaixo todo o modelo de indústria musical como a conhecíamos. Mas nada disso seria possível se, 10 anos antes, a banda não tivesse arrebatado uma multidão de fãs com “Ok Computer”. Um disco sublime do primeiro ao último acorde, uma verdadeira obra de arte atemporal capaz de ser reanalisada e redescoberta por novos ângulos com o passar dos anos. O mundo mudou nesse tempo, e só o Radiohead parece ter percebido isso… dez anos atrás.