"Se vira". Essa foi ordem que o
produtor musical Guto Graça Mello
recebeu do presidente da gravadora Som
Livre, João Araújo, quando
disse: "Xuxa não é cantora e não
sabe cantar".
"Ela era artista da TV Manchete e já havia
lançado um disco lá. Quando ela foi contratada pela Globo, consequentemente,
foi feito um acordo também com a Som Livre. O João Araújo me chamou e disse:
'Nós contratamos a Xuxa e você tem que fazer um disco do programa dela. Fui
apresentado a ela e pedi para cantar. Percebi que, naquela ocasião, ela não
conseguia dar uma única nota. Contei para o João, e ele: 'Se vira. Inventa um
disco para fazer com ela'", recorda Guto, que produziu o primeiro
álbum do "Xou da Xuxa",
lançado em 30 de junho de 1986 e que vendeu mais de 2,6 milhões de cópias.
As
dificuldades de Guto não pararam por aí: nenhum compositor queria dar música
para Xuxa - bem diferente do que
aconteceu no segundo disco dela, quando tinha fila na porta. "Eu queria colocar compositores que não eram
exatamente infantis. Saí, feito um maluco, catando música que dessem para ela.
A música que até hoje toca, 'Quem Qué Pão', era da Aretuza [que assina como
Tuza, junto com J. Corrêa], nossa assessora de imprensa, que a tinha criado
como brincadeira para os filhos comerem", revela.
Outras
músicas que tocaram bastante desse disco foram o tema de abertura do programa,
"Doce Mel (Bom Estar com Você)",
de Claudio Rabello e Renato Corrêa; e "She-Ra", de Joe e Tavinho Paes.
A
proposta, totalmente desacreditada por parte da Som Livre em termos de venda, era unir letras para crianças com a
parte instrumental e de arranjos feitos por músicos do rock nacional. Não é de
se estranhar a presença de "Peter
Pan", de Rita Lee e Roberto de Carvalho; e "Garoto Problema", de Frejat e Guto Goffi, com a participação de Evandro Mesquita. A cantora Patrícia
Marx, na época do Trem da Alegria,
também canta uma faixa, "Miragem",
versão de Ronaldo Bastos para "Black Orchid", de Steve Wonder. O resultado alcançado foi
beneficiado pelo plano econômico Cruzado, que gerou uma onda de consumismo e a
criação do disco de diamante.
"Em uma semana, foram cem mil discos
vendidos. Tiveram que fazer um disco de ouro e entregar para a Xuxa. Uma semana
depois, 250 mil, e foi em progressão geométrica. Quando chegou em 2,5 milhões,
o João já estava de saco cheio, porque tinha que parar a fábrica, e falou: 'Ou
a gente faz disco para vender --e não parava de vender-- ou disco-prêmio'. Daí
eu disse: 'Inventa um disco de diamante. Faça um disco como se fosse de
platina, bota um diamantezinho e dá para sua artista'. O João botou um plástico
bem vagabundo e foi a primeira vez que teve esse negócio de disco de diamante",
assegura Guto.
Para
Guto, a vendagem do disco, que se tornou um recorde para a época, superando RPM, fenômeno da música pop, e Roberto Carlos, é resultado da empatia
da Xuxa com o público infantil e um
vazio que havia em um segmento que consome com uma voracidade impressionante
até hoje.
Em
1995, "Xou da Xuxa" foi
reeditado com duas faixas bônus que estavam presentes originalmente em "Karaokê da Xuxa", de 1987: "Papai Noel dos Baixinhos" e "Parabéns da Xuxa", sucesso da dupla
Michael Sullivan e Paulo Massadas, que rendeu elogios de Erasmo Carlos. "Um dia Erasmo
chegou junto da gente e disse que nós queimamos a língua dele, porque numa
entrevista havia dito que se fosse fácil fazer sucesso comercial, todo mundo
faria um novo 'Parabéns para Você' e nós fizemos", comemora Sullivan.
"Xou
da Xuxa 3" entrou para o Guiness como o disco infantil mais vendido
Xuxa
já lançou 28 álbuns de estúdio, 13 compilações e oito álbuns em espanhol. Boa
parte deles foi realizada com o produtor, cantor e compositor Michael Sullivan, que trabalhou com ela
desde o primeiro disco, "Clube da
Criança", de 1984, e que contou com a participação de Pelé e do palhaço Carequinha, até 2000. Juntos, eles venderam mais de 40 milhões de
cópias.
"Nós estávamos bolando um grupo no qual
pensávamos botar o nome de Trem da Alegria. As músicas seriam cantadas por
Luciano e Patrícia, e pensamos na Xuxa, que tinha o 'Clube da Criança' na
Manchete. Eu e Miguel Plopschi fomos até à televisão para mostrar duas músicas
para ela, que disse que não queria cantar, ficou chateada e quase expulsou a
gente de lá. Uma semana depois, ela disse que a mãe, Dona Alda, havia a
incentivado. Tiramos o tom, fizemos o arranjo e ela cantou com muito
sacrifício, porque não queria ir ao estúdio. Mas ficou direitinho e ela então
nos convidou para fazer com o programa dela", conta Sullivan. A
apresentadora ainda lançou "Xuxa e
Seus Amigos", em 1985, com a participação de Caetano Veloso, Chico
Buarque, Zizi Possi, Nara Leão e Erasmo Carlos, entre outros.
Sullivan
voltou a trabalhar com ela em "Xegundo
Xou da Xuxa", lançado em 1987, e que vendeu mais de 2,7 milhões de
cópias, com sucessos como "Festa do
Estica e Puxa", de Bell Marques
e Wadinho Marques (ambos na época do
Chiclete com Banana); "Rambo", de Michael Sullivan e Paulo
Massadas; e "Dodói Neném",
de Fred Góes e Guilherme Maia.
Mas
o grande campeão de vendagens é mesmo "Xou da Xuxa 3", também produzido por Sullivan, que superou a
marca dos 3 milhões de cópias, muito em função de "Ilariê", de Cid
Guerreiro, Dito e Ceinha, que virou uma verdadeira mania
entre os brasileiros e, depois, também em sua versão em espanhol. Até hoje, ele
só foi superado por "Músicas para
Louvar o Senhor" (1998), do Padre
Marcelo Rossi, que chegou a 3,2 milhões. "É o maior ícone da carreira
dela. São clássicos. Todas as músicas estouraram e foi a partir daí que nós
fizemos o disco dela internacional", garante Sullivan.
Outro
sucesso do disco foi o "Abecedário
da Xuxa", composto por Souza
e Cesar Costa Filho. "A música foi feita a pedido do Paulo
Massadas, que morava no mesmo condomínio que eu", conta Cesar.
"A repercussão foi imediata junto ao público.
As escolas passaram a utilizá-la para facilitar na alfabetização das crianças
em todo o Brasil. A partir daí, outras músicas infantis foram feitas e gravadas
por Angélica, Trem da Alegria, Eliane,
Mara Maravilha. Foi uma experiência
nesse segmento que deu certo e a letra tem um cunho social que poucas pessoas
perceberam. Até hoje é considerada uma das músicas mais marcantes da trajetória
da Xuxa".
Mesma
repercussão teve "Brincar de Índio",
composição de Sullivan e Massadas a pedido da própria Xuxa. "Ela pediu uma
música em homenagem aos índios, porque gostava deles e queria que falássemos de
uma maneira séria a favor deles. Fizemos e foi muito elogiado por toda a
crítica. Quando ela chegou no estúdio com as Paquitas e ouviu a música, já foi
pulando e fazendo a dança. Quem pensa que a Xuxa não dava opinião, está
enganado. Ela dava opinião em tudo, 70% do que ela gravava era o que pensava e
dava ideia. Ela passava o briefing", garante Sullivan.
Ele
também assegura que o diferencial dos discos da apresentadora era ter letras
para crianças, mas com uma qualidade musical digna do que havia de mais moderno
para os adultos e adolescentes no mundo. "A Xuxa não cantava muito bem, mas o que fazia era muito verdadeiro e o
que prevalece é a verdade. Nesse sentido, ela era a maior intérprete",
finaliza.
Guto Graça Mello garante que não. "A Xuxa cantou com muita dificuldade. Ela não conseguia cantar. Eu
peguei uma cantora que fazia backing vocal para mim, chamada Nina, e a produzi
como se fosse a personagem Xuxa, com os trejeitos que eu gostaria que ela
fizesse. Gravei com essa menina, a Xuxa foi para o estúdio e passou dias e dias
ouvindo no fone a voz dela e imitando-a. Naquela época não tinham esses
programas de afinar a voz. Então ela cantava em vários canais e eu reduzia para
um com os melhores momentos. Então, para cada música, ela gravou centenas de
vezes até chegarmos à voz ideal. A Xuxa nunca teve a pretensão de ser cantora.
Mas foi uma guerreira".
Quando
se ouvia a música "Meu Cãozinho Xuxo",
de Rogério Enoé Messias Correa, ao
contrário, era possível escutar a mensagem: "meu anjo é o diabo e o mundo tem que ter esse seu amor que recebo"?
"Isso é viagem", diz Guto. "Fui eu que gravei essa música. Não tem nada
disso. Algum maluco deve ter tocado a faixa ao contrário e ouviu algum som
estranho. É normal provocar isso. Mas nada a ver [risos]".