quinta-feira, 18 de agosto de 2016

‘Stranger Things’: Terror e mistério na fantástica nova série da Netflix

Nesta última semana, tive a oportunidade de conferir todos os oito episódios de Stranger Things, nova série de suspense, drama, ficção e terror, original da Netflix.

Descrita como uma carta de amor aos anos 1980, a série nos leva por uma viagem nostálgica, voltando no tempo para a década favorita dos trintões saudosistas – nem preciso dizer que me encaixo perfeitamente em tal definição. Embora o ano específico não seja mencionado, os nerds cinéfilos mais minuciosos podem arriscar que seja 1983, já que em determinado momento, o letreiro de um cinema exibe o título A Chance, filme de futebol americano estrelado por Tom Cruise e lançado na data citada nos EUA.
Em outro instante, uma mãe compra ingressos para uma exibição de Poltergeist – O Fenômeno, lançado em 1982, no entanto, a cena faz parte de um flashback e pode-se argumentar que tenha ocorrido no ano anterior. Fora isso, notamos cartazes de filmes recentes nas paredes dos quartos dos meninos, como O Enigma de Outro Mundo (1982) e Evil Dead – A Morte do Demônio (1982). Ou seja, referências à cultura pop do passado não faltam. De Atari ao vestuário, passando pelas músicas, está tudo lá.

Stranger Things é bem definida e exala homenagens, mas não depende apenas disso. Em sua trama central, cria por si só uma história eficiente, pra lá de assustadora e intrigante, ao mesmo tempo contendo muito coração. Satisfatoriamente, confecciona um roteiro que poderia muito bem ter sido filmado na década em que se passa. Se deixarmos a imaginação correr solta, podemos pensar que esta foi uma ideia engavetada por quase quarenta anos, saindo do papel agora.
Stranger Things muito bem poderia ser a versão seriada do filme Super 8 (2011), dirigido por J.J. Abrams, que funciona como homenagem a todas as coisas “Spielberguianas”. Tais elementos também são muito encontrados aqui, como crianças protagonistas, uma cidadezinha, pitadas de ficção científica e o suspense do que espreita na esquina.

A criação é dos ainda pouco conhecidos Matt e Ross Duffer, assinando como os irmãos Duffer. Com a série, os Duffer marcam seu território anunciando a chegada de mentes criativas. Ao lado dos irmãos, a surpreendente presença de Shawn Levy (da trilogia Uma Noite no Museu), assinando a direção de dois dos oito episódios, servindo como produtor do projeto e entregando seu melhor trabalho no terreno do audiovisual. Na frente das câmeras, alguns rostos reconhecíveis, saídos justamente da década em que a série se passa. Winona Ryder (Os Fantasmas se Divertem), que já foi considerada a melhor atriz de sua geração, protagoniza a série na pele da sofrida Joyce Byers; e Matthew Modine (Nascido para Matar) retorna aos holofotes na pele do suspeito Dr. Brenner.

Passada em Indiana (outra referência à década homenageada, alguém pescou?), Stranger Things começa com pura nostalgia nerd, quando na primeira cena quatro amigos, saindo da infância para a adolescência, jogam o RPG Dungeons and Dragons no porão da casa de um deles. O líder Mike (Finn Wolfhard), o banguela Dustin (Gaten Matarazzo), do destemido Lucas (Caleb McLaughlin) e o simpático Will (Noah Schnapp) são os novos Goonies e servirão como os olhos inocentes perante esta jornada. Depois de horas a fio adentrando o mundo de fantasia do jogo, o pequeno Will simplesmente desaparece ao voltar para casa em sua bicicleta numa noite. O mistério de seu sumiço é o que impulsiona a trama da série.

A cidadezinha, cujo maior problema até então havia sido o ataque de uma coruja, se mobiliza para encontrar a criança desaparecida. Sua mãe, papel de Ryder, imerge numa espiral de fé e loucura, quando afirma se comunicar com o menino através de luzes na casa. Ao mesmo tempo, estranhos acontecimentos começam a circundar o local, entre eles o aparecimento da garotinha de dons sobre-humanos conhecida somente como Eleven (onze), papel da carismática Millie Bobby Brown. Tudo pode estar conectado à base de pesquisa do governo e os experimentos por lá conduzidos – comandados pelo Dr. Brenner (Modine).

Além do tema central, ainda existem subtramas de personagens como a do duro xerife Hopper (David Harbour) e sua história de perda em família, e o triângulo amoroso adolescente (calma, não se assustem, aqui a coisa é feita de uma maneira dedicada) entre a jovem Nancy (Natalia Dyer) – irmã de Mike, o popular Steve Harrington (Joe Keery) e o esquisitão Jonathan (Charlie Heaton) – irmão do menino desaparecido. É interessante notar o esforço dos roteiristas ao subverterem o esperado destas subtramas e os arcos dramáticos das personalidades nelas incluídas.
Stranger Things é dinâmica e funciona organicamente em sua mescla de grande homenagem com uma trama nova, incluindo um digno mistério a ser desvendado. Estes dois elementos funcionam harmoniosamente, fazendo uma simbiose tão boa que fica difícil citar qual das partes é mais bem trabalhada. Poderia ser dito que a grande homenagem aos 80´s é a cereja no bolo, porém, é muito mais do que isso, sendo facilmente considerado o motor que puxa esta engrenagem. Para termos uma ideia, este é o mote no qual foi vendida a proposta para a série. Os irmãos Duffer montaram um trailer incluindo trechos de 25 filmes (entre eles E.T., A Hora do Pesadelo, Super 8 e Halloween) e o levaram para os produtores como alicerce do projeto. Como incentivadores criativos, os roteiristas assistiram (ou assistiram novamente) produções como Os Goonies, E.T., Conta Comigo, O Enigma de Outro Mundo e A Hora do Pesadelo; e podemos notar durante o programa tais influências narrativas e estéticas. Outra inspiração para os criadores são as obras do autor Stephen King.

A trilha sonora composta com sintetizadores, outro chamariz da produção, foi criada por Michael Stein e Kylo Dixon. Nos créditos iniciais, ao lado do som, o design da arte de abertura é diretamente ligada ao trabalho de Richard Greenberg, responsável pelos créditos em produções como Alien, Superman – O Filme, Os Goonies e Viagens Alucinantes.

Ao contrário de séries sigilosas como Lost e Wayward Pines, Stranger Things termina de uma forma resolvida, sem se apegar unicamente a uma vindoura temporada. Em sua maioria, as subtramas têm seus desfechos, terminando os arcos num 360 perfeito. Assim como na cena inicial, o momento final mostra os quatro amigos novamente desbravando uma campanha de 10 horas do jogo de tabuleiro, no qual suas mentes fazem a maior parte do trabalho. E assim, de forma calma e bem desenvolvida, a série coloca seu ponto final. Ao mesmo tempo, deixando a porta entreaberta para a possível e merecida segunda temporada.

Bem, agora é só aguardar as próximas cenas da fascinante Stranger Things. Esperamos que não demore muito.