Nesta
última semana, tive a oportunidade de conferir todos os oito episódios de Stranger Things, nova série de
suspense, drama, ficção e terror, original da Netflix.
Descrita
como uma carta de amor aos anos 1980, a série nos leva por uma viagem
nostálgica, voltando no tempo para a década favorita dos trintões saudosistas –
nem preciso dizer que me encaixo perfeitamente em tal definição. Embora o ano
específico não seja mencionado, os nerds cinéfilos mais minuciosos podem
arriscar que seja 1983, já que em determinado momento, o letreiro de um cinema
exibe o título A Chance, filme de
futebol americano estrelado por Tom
Cruise e lançado na data citada nos EUA.
Em
outro instante, uma mãe compra ingressos para uma exibição de Poltergeist – O Fenômeno, lançado em
1982, no entanto, a cena faz parte de um flashback e pode-se argumentar que
tenha ocorrido no ano anterior. Fora isso, notamos cartazes de filmes recentes
nas paredes dos quartos dos meninos, como O
Enigma de Outro Mundo (1982) e Evil
Dead – A Morte do Demônio (1982). Ou seja, referências à cultura pop do
passado não faltam. De Atari ao
vestuário, passando pelas músicas, está tudo lá.
Stranger Things é bem definida e exala homenagens, mas não depende
apenas disso. Em sua trama central, cria por si só uma história eficiente, pra
lá de assustadora e intrigante, ao mesmo tempo contendo muito coração.
Satisfatoriamente, confecciona um roteiro que poderia muito bem ter sido
filmado na década em que se passa. Se deixarmos a imaginação correr solta,
podemos pensar que esta foi uma ideia engavetada por quase quarenta anos,
saindo do papel agora.
Stranger Things muito bem poderia ser a versão seriada do filme Super 8 (2011), dirigido por J.J. Abrams, que funciona como
homenagem a todas as coisas “Spielberguianas”.
Tais elementos também são muito encontrados aqui, como crianças protagonistas,
uma cidadezinha, pitadas de ficção científica e o suspense do que espreita na
esquina.
A
criação é dos ainda pouco conhecidos Matt
e Ross Duffer, assinando como os
irmãos Duffer. Com a série, os Duffer marcam seu território anunciando a
chegada de mentes criativas. Ao lado dos irmãos, a surpreendente presença de Shawn Levy (da trilogia Uma Noite no Museu), assinando a
direção de dois dos oito episódios, servindo como produtor do projeto e
entregando seu melhor trabalho no terreno do audiovisual. Na frente das
câmeras, alguns rostos reconhecíveis, saídos justamente da década em que a
série se passa. Winona Ryder (Os Fantasmas se Divertem), que já foi
considerada a melhor atriz de sua geração, protagoniza a série na pele da
sofrida Joyce Byers; e Matthew Modine
(Nascido para Matar) retorna aos
holofotes na pele do suspeito Dr. Brenner.
Passada
em Indiana (outra referência à década homenageada, alguém pescou?), Stranger Things começa com pura
nostalgia nerd, quando na primeira cena quatro amigos, saindo da infância para
a adolescência, jogam o RPG Dungeons and
Dragons no porão da casa de um deles. O líder Mike (Finn Wolfhard), o banguela Dustin (Gaten Matarazzo), do destemido Lucas (Caleb McLaughlin) e o simpático Will (Noah Schnapp) são os novos Goonies
e servirão como os olhos inocentes perante esta jornada. Depois de horas a fio
adentrando o mundo de fantasia do jogo, o pequeno Will simplesmente desaparece
ao voltar para casa em sua bicicleta numa noite. O mistério de seu sumiço é o
que impulsiona a trama da série.
A
cidadezinha, cujo maior problema até então havia sido o ataque de uma coruja,
se mobiliza para encontrar a criança desaparecida. Sua mãe, papel de Ryder,
imerge numa espiral de fé e loucura, quando afirma se comunicar com o menino
através de luzes na casa. Ao mesmo tempo, estranhos acontecimentos começam a
circundar o local, entre eles o aparecimento da garotinha de dons sobre-humanos
conhecida somente como Eleven (onze), papel da carismática Millie Bobby Brown. Tudo pode estar conectado à base de pesquisa do
governo e os experimentos por lá conduzidos – comandados pelo Dr. Brenner
(Modine).
Além
do tema central, ainda existem subtramas de personagens como a do duro xerife
Hopper (David Harbour) e sua
história de perda em família, e o triângulo amoroso adolescente (calma, não se
assustem, aqui a coisa é feita de uma maneira dedicada) entre a jovem Nancy (Natalia Dyer) – irmã de Mike, o popular
Steve Harrington (Joe Keery) e o
esquisitão Jonathan (Charlie Heaton)
– irmão do menino desaparecido. É interessante notar o esforço dos roteiristas
ao subverterem o esperado destas subtramas e os arcos dramáticos das
personalidades nelas incluídas.
Stranger Things é dinâmica e funciona organicamente em sua mescla de
grande homenagem com uma trama nova, incluindo um digno mistério a ser
desvendado. Estes dois elementos funcionam harmoniosamente, fazendo uma
simbiose tão boa que fica difícil citar qual das partes é mais bem trabalhada.
Poderia ser dito que a grande homenagem aos 80´s é a cereja no bolo, porém, é
muito mais do que isso, sendo facilmente considerado o motor que puxa esta
engrenagem. Para termos uma ideia, este é o mote no qual foi vendida a proposta
para a série. Os irmãos Duffer montaram um trailer incluindo trechos de 25
filmes (entre eles E.T., A Hora do Pesadelo, Super 8 e Halloween) e o levaram para os produtores como alicerce do projeto.
Como incentivadores criativos, os roteiristas assistiram (ou assistiram
novamente) produções como Os Goonies,
E.T., Conta Comigo, O Enigma de
Outro Mundo e A Hora do Pesadelo;
e podemos notar durante o programa tais influências narrativas e estéticas.
Outra inspiração para os criadores são as obras do autor Stephen King.
A
trilha sonora composta com sintetizadores, outro chamariz da produção, foi
criada por Michael Stein e Kylo Dixon. Nos créditos iniciais, ao
lado do som, o design da arte de abertura é diretamente ligada ao trabalho de Richard Greenberg, responsável pelos
créditos em produções como Alien, Superman – O Filme, Os Goonies e Viagens Alucinantes.
Ao
contrário de séries sigilosas como Lost e
Wayward Pines, Stranger Things termina de uma forma resolvida, sem se apegar
unicamente a uma vindoura temporada. Em sua maioria, as subtramas têm seus
desfechos, terminando os arcos num 360 perfeito. Assim como na cena inicial, o
momento final mostra os quatro amigos novamente desbravando uma campanha de 10
horas do jogo de tabuleiro, no qual suas mentes fazem a maior parte do
trabalho. E assim, de forma calma e bem desenvolvida, a série coloca seu ponto
final. Ao mesmo tempo, deixando a porta entreaberta para a possível e merecida
segunda temporada.
Bem,
agora é só aguardar as próximas cenas da fascinante Stranger Things. Esperamos que não demore muito.