Em
2018, o Jagged Little Pill,
emblemático álbum de estreia da cantora canadense Alanis Morissette, completa 23 anos. Mas o que fez com que o disco
se tornasse uma referência no mundo da música? E de que forma ele continua
relevante hoje? O Prosa Livre, representado aqui por um humilde colaborador
apaixonado pela cantora, sugere algumas pistas para responder a essas
perguntas.
Era
1994. Kurt Cobain acabava de morrer,
e o grunge, estilo que ele ajudou a disseminar, ia pelo mesmo caminho. O rock
estava duplamente órfão. Por outro lado, a MTV
abria as portas para a música alternativa como nunca antes – e como nunca
depois. Era cada vez mais comum artistas e bandas femininas se dissociarem do
universo masculino (seja na estética, no visual, nos temas das composições) e
ganharem seu espaço, assumindo uma postura própria na cena musical da época.
Foi no meio desse cenário que Alanis
Morissette chegava a Los Angeles, onde conheceu Glen Ballard, produtor do que seria seu primeiro álbum fora do
Canadá (a cantora tinha tido uma breve carreira na música pop na adolescência).
Os
dois trabalharam juntos na gravação do disco, compondo músicas em pouquíssimo
tempo, quase que em um fluxo de consciência. Quase tudo o que foi criado está
no disco, em versões que são praticamente as próprias demos gravadas naquele
ano. Alanis conta que muitas das canções foram escritas em menos de 20 minutos,
e que ela própria não se lembrava de ter escrito as músicas quando as ouvia no
dia seguinte. Essa espontaneidade impressa nas composições chamou a atenção da Maverick, gravadora fundada pela
cantora Madonna e que assinaria
contrato para o lançamento do disco. “Essa
garota pode ser o Bob Dylan da sua geração”, chegou a dizer um dos
empresários da gravadora.
Exagero
ou não, fato é que as letras confessionais e a musicalidade simples e direta,
somadas ao contexto da cena musical da época, ajudam a explicar um pouco o
sucesso do álbum, lançado em junho de 1995.
E
apesar da unidade do disco como um todo, os temas das canções são bastante
variados. Em You Oughta Know,
primeiro e maior hit do disco, Alanis fala sobre o doloroso fim de um relacionamento,
num misto de raiva e fragilidade: “Does
she know how you told me you’d hold me until you die? But you’re still alive
and I’m here” (“Ela sabe que você disse que estaria comigo até morrer? Mas você
continua vivo, e eu estou aqui”). Em You
Learn, é o autoconhecimento em diferentes níveis que está em pauta. Hand In My Pocket é sobre amadurecer. Perfect questiona o peso das
expectativas: “We’ll love you just the
way you are, if you’re perfect” (“Vamos
amar você do jeito que você é, se você for perfeito”). Forgiven é uma crítica sincera à criação religiosa da própria
Alanis: “I never forgot it, confusing as
it was: no fun with no guilt feelings” (“Eu nunca me esqueci, por mais confuso que fosse: sem diversão se não
houver sentimento de culpa”). Head Over
Feet, a mais romântica do álbum, também tem uma carga de honestidade bem
característica da cantora. E Ironic…
Bem, Ironic se explica com seus
últimos versos: “life has a funny way of
sneaking up on you, and life has a funny way of helping you out” (“a vida tem um jeito engraçado de aprontar
com você, e um jeito engraçado de te ajudar”).
De
modo geral, todas as letras expressavam questões pessoais da cantora, ao mesmo
tempo em que dialogavam diretamente com quem as ouvia. Está aí talvez o maior
mérito de Alanis Morissette nesse
disco, e em toda sua carreira: sua forma de tornar uma expressão íntima algo
universal, que qualquer um pode tomar para si.
Não
é à toa que, apesar da imagem de garota angustiada e rebelde, com os cabelos
longos e bagunçados, Alanis atingiu uma variedade imensa de público, que ia dos
ouvintes da música pop de rádio aos fãs de música alternativa. Não por acaso
também, o Jagged Little Pill se
tornou o disco de estreia mais vendido de todos os tempos por uma cantora, e
abriu caminho para outras que também queriam um lugar na música em que pudessem
expressar suas mágoas, sua raiva, suas inseguranças. Alanis havia inaugurado um
espaço e um estilo de composição para as mulheres no cenário musical, e muitas
cantoras depois dela tiveram essa influência direta ou indireta.
Mas,
afinal, o que o Jagged Little Pill
tem a nos dizer hoje, 23 anos depois do seu lançamento? Apesar de suas letras
atemporais continuarem dialogando com quem as ouve, é certo dizer que ele ainda
é uma influência para novos artistas e para o cenário musical atual?
Muita
coisa mudou, os tempos são outros, e por isso fica difícil afirmar. Apesar da
inegável influência do disco para alguns artistas e bandas que vieram depois
dele, não devemos esperar que outro Jagged
Little Pill apareça por ai. A própria cantora se recusou a responder à essa
expectativa com o lançamento de seu segundo disco (Supposed Former Infatuation Junkie, de 1998), bastante diferente do
Jagged Little Pill em muitos
aspectos, mas nem por isso menos relevante e até mesmo essencial.
É
muito provável que seja exatamente esse caráter único que tenha legitimado o
álbum e o feito figurar diversas listas e se tornar referência até hoje. Duas
décadas depois do lançamento, essa “pilulazinha
amarga”, resultado da expressão simples e direta dos sentimentos de uma
jovem artista de então 20 anos de idade, já pode ser considerado um clássico
indiscutível. Desses essenciais para qualquer um que goste de música.
Então,
aproveita a ocasião e corre lá pra ouvir!
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