terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Crítica | “Erotica”

Madonna é uma artista revolucionária. Não é a melhor cantora do mundo, tampouco tentou ser, mas tornou-se inesquecível pelas contribuições no bojo da cultura pop, bem como a longevidade de sua carreira, algo surpreendente dentro numa manifestação cultural conhecida por seus produtos efêmeros, prosaicos e banais. Em 1992, após mudar o conceito de espetáculo com a Blond Ambition e causar furor com o documentário Na Cama com Madonna, a artista investiu em um novo trabalho que tinha a sexualidade como ponto de partida para discussões sobre outros temas caros para a sociedade nos primeiros anos da década de 1990.

Quinto álbum de estúdio, Erotica tratou de quebra de tabus, entre eles, a reflexão sobre desejos sexuais femininos, as “nossas fantasias eróticas de cada dia” e a necessidade de se expressar, temática abordada com êxito em Express Yourself. “Minha vagina é um templo de aprendizado”. Foi nessa linha que Madonna chocou o mundo ao tratar de temas tão polêmicos numa sociedade que lidava com as celeumas dos impactos da AIDS na década anterior, a homossexualidade regrada aos guetos e o conservadorismo e seus discursos de ódio.
Após quase três décadas, o álbum continua bastante relevante, principalmente se pensarmos as discussões sobre sexualidade e comportamento na atualidade. Com sonoridade crua, microfones pouco sofisticados para estabelecimento da atmosfera desejada e som “sujo”, Madonna sussurra, geme, canta e encanta com as faixas que compõe uma de suas obras mais controversas. Apesar de ser vendido e discutido como uma realização sobre sexualidade, Erotica discute temas como aceitação, homofobia, amor e racismo.

Em seus 75 minutos e 24 segundos, o álbum produzido por Madonna, em parceria com André Betts e Shep Pettiboni, trata dos temas apontados através da sonoridade hip hop, da dance music, do estilo house, com acréscimo de elementos do jazz, blues e presença de saxofones e pianos para a lapidação que resultou no material para o lançamento da astuta turnê The Girlie Show, a primeira de Madonna no Brasil, em 1993.
Erotica foi o primeiro single do álbum. Com sobreposição de camadas sonoras e influências do dance-pop e do trip-hop, a canção em vocal spoken-word também trouxe elementos do new jack swing, estilo musical híbrido da mescla entre hip hop e do som urban contemporany. Repleta de batidas de rua e solos harmoniosos, a faixa traz em seu “tom” as técnicas do sample. No famoso e polêmico videoclipe dirigido por Fabien Baron, Madonna desempenha o papel do alter-ego Dita Parlo, tendo como companhia Naomi Campbell, Isabela Rosselini e o rapper Vanilla Ice.

Com sonoridade que nos remete aos anos 1970, Madonna cita Vogue em Deeper and Deeper, faixa interpretada como o desvendar da homossexualidade de um rapaz jovem. Segundo single do álbum, a canção tem traços do dance-pop e da deep house, isto é, estilo musical originado nos anos 1980, conhecido por fundir soul music, jazz e funk. Complementada com uso de guitarras flamencas, a faixa ganhou videoclipe dirigido por Bobby Woods.
Bad Girl, terceiro single do álbum, é uma canção sobre a solidão e a confusão de sentimentos. A artista assina a composição melancólica, juntamente com Shep Pettiboni e Anthony Shimkin, faixa que segue o apelo controverso de Madonna na época: escândalos envolvendo as suas incursões sexuais na mídia, marcando também um ponto de virada na carreira da musa pop, haja vista que foi um dos seus fracassos comerciais, mesmo com o lançamento do videoclipe cheio de estilo, dirigido por David Fincher. Bad Girl é uma canção “suja”, que fala sobre fumar cigarros demais e consolar-se com amantes pelos quais não se nutre nenhum sentimento. A letra trata de uma mulher que está diante de um estilo de vida perigoso, após uma decepção amorosa. Bad Girl deixa claro que, após o final de um relacionamento, a pessoa sente-se vazia e cheia de dúvidas diante do mundo opaco que se configura quando alguém precisa deixar uma pessoa que ama.

Fever, composição de John Davenport e Eddie Cooley, foi o quarto single do álbum, com videoclipe multicolorido dirigido por Stephane Sednoour. Através de elementos dance-pop e house, a faixa investe na melodia e traz uma interpretação nova para uma canção já interpretada por diversos artistas anteriormente. Em Rain, balada pop composta por Madonna e Shep Pettiboni, momento calmo e límpido do álbum, temos a artista traçando uma comparação entre o efeito da chuva e o amor, dando ênfase para a simbologia da água na purificação de “sujeiras” de nosso cotidiano. Com elementos do adult contemporany e do trip hop, a faixa deu origem ao videoclipe dirigido por Mark Romanek, produção que também fez sucesso, com cenas de uma versão contemplativa da cantora, numa prova de que o álbum foi muito além das reflexões sobre desejos sexuais e transgressões.

Controverso, o álbum sofreu consequências comerciais por conta de alguns elementos limitadores, tais como faixa etária para acesso ao material e a onda conservadora que reforçou o trabalho como algo “sujo”, “vulgar” e “impróprio”. Lançado na esteira de Corpo em Evidência e do livro Sex, Erotica alcançou o devido reconhecimento crítico com o tempo. Madonna, por sua vez, não deixou de continuar com trabalhos polêmicos e desafiadores. Não é a toa que ostenta, ainda nos dias atuais, o justo título de Rainha do Pop.

Aumenta: Deeper and Deeper
Diminui: Waiting

Erotica
Artista: Madonna
País: Estados Unidos
Lançamento: 12 de outubro de 1992
Gravadora: Warner
Estilo: Dance-Pop, R&B, Trip Hop, Hip Hop, New Jack Swing

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