terça-feira, 15 de novembro de 2016

The Dressmaker – A Vingança Está na Moda

Estilo é o que não falta para este The Dressmaker. Antes mesmo do primeiro traje vestido por Kate Winslet aparecer em cena – e são muitos figurinos em jogo aqui -, a trilha sonora, a direção de fotografia e as escolhas da diretora Jocelyn Moorhouse já mostram que este filme tem um DNA importante. Do início ao fim Moorhouse faz boas e planejadas escolhas. Todo elemento e palavra tem uma finalidade. Nada é jogado ao vento. Um filme bem diferente sobre a busca da verdade e por vingança. Divertido, apesar de que, claro, ele não chega a reinventar nenhum gênero.

A HISTÓRIA: Trilha sonora ao estilo western. Um ônibus cruza uma estrada rodeada de campos. Uma menina brinca. Uma mulher olha séria para trás. Um menino está caído no chão com sangue na testa. A mesma menina de antes grita em um carro. Várias cenas antigas se repetem mostrando aquelas crianças, mas sem uma sequência bem definida. O ônibus chega à noite em uma pequena cidade e desce dele uma mulher muito bem vestida. Ela deixa uma máquina Singer no chão, pega um cigarro, olha ao redor e fala: “Voltei, desgraçados”. Esta é a história de redescoberta de Myrtle Dunnage, ou apenas Tilly (Kate Winslet), como ela gosta de ser chamada.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a The Dressmaker): Tenho um fraco por filmes que tem um estilo bem definido. Acho que isso faz falta no cinema. Aprecio, pois, quando a identidade de uma produção é clara, tem um propósito e um estilo artístico que diferencia ela de todas as demais. E isso é algo muito evidente em The Dressmaker.

Claro que apenas o estilo artístico e a identidade planejada pelo realizador(a) não basta. O roteiro tem que ser competente, assim como o trabalho dos atores tem que convencer. Pois bem, acho que tudo isso está presente em The Dressmaker. Depois vamos falar sobre a mensagem e a essência da história, mas antes vou falar sobre o que me impressionou mais nesta produção.

A sequência inicial deste filme é mais do que um belo cartão de visitas. Ela revela muito do estilo da diretora Jocelyn Moorhouse e do tipo de produção que teremos pela frente. Trilha sonora marcante, direção de fotografia perfeita e uma edição ágil e bem precisa. Cada ângulo da sequência inicial, cada cena apresentada, tem um propósito. Não há sobras na narrativa, seja no que vemos ou no que ouvimos. Isso é algo raro no cinema comercial atualmente, tão cheio, muitas vezes, de efeitos especiais e de pouca valorização do conjunto de qualidades que faz o cinema ser a Sétima Arte.

Achei, pois, a sequência inicial de The Dressmaker perfeita. Em pouco tempo vamos descobrir que esta produção com roteiro de Moorhouse e P.J. Hogan, baseada no livro de Rosalie Ham, é uma espécie de “comédia de costumes”, ou seja, uma leitura ácida e um tanto irônica/macabra de uma comunidade do interior da Austrália – mas que, certamente, poderia ser ambientada no interior de diversos países. Sendo assim, não teremos um ritmo frenético, muita ação ou suspense. Claro que há ação e um toque de suspense, mas estes não são os elementos principais da trama.


O que mais interessa em The Dressmaker é o raio-x daquela comunidade de Dungatar no início dos anos 1950 – o filme se passa na pequena cidade australiana em 1951. Neste filme, a exemplo de outros que se debruçam no estilo de vida de um pequeno grupo social, o que importa são as relações humanas e o perfil dos personagens. Neste sentido, o roteiro de Moorhouse e Hogan gasta o tempo exato para aproximar-se de cada personagem – especialmente do núcleo central da trama.

É fundamental para a trama e para o envolvimento do espectador com a protagonista conhecer pouco a pouco as suas motivações, dúvidas e sentimentos. O roteiro acerta ao ir desbravando o mistério do “crime” que teria sido praticado por Tilly pouco a pouco. Afinal, o suspense sempre ajuda a manter a atenção na trama e na história que está sendo contada. Enquanto acompanhamos a protagonista em sua “busca pela verdade” – algo que, naturalmente, sempre vai ter potência no cinema -, também conhecemos melhor aquela pequena comunidade australiana, seus costumes e valores (ou a falta deles).

Além da trilha sonora, da direção da fotografia, do roteiro e do trabalho competente dos atores, outro elemento tem um papel-chave nesta produção: os figurinos. Nem teria como ser diferente já que a protagonista ganha a vida como estilista. As roupas que Tilly produz mudam a rotina da comunidade e, com isso, ela consegue avançar em seu propósito de dar uma qualidade de vida melhor para a mãe, Molly (a ótima Judy Davis), e descobrir o que realmente aconteceu em seu próprio passado.

Comentado os pontos de destaque do filme e o que mais me chamou a atenção nele, falemos sobre a essência da história e o que ela nos diz. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme ainda). Para começar, aparentemente, a protagonista tem três motivações centrais: conhecer a verdade sobre o próprio passado, reencontrar e resgatar os laços com a mãe e, se ela tiver confirmada a teoria de que foi injustiçada por aquela comunidade, vingar-se deles. Mas, como na vida real, nem sempre as intenções iniciais são plasmadas. A razão principal para isso é que a vida é dinâmica e sempre acontecem surpresas além dos nossos planos iniciais – por isso muitos planos são vãos.

No caso de Tilly, não apenas ela demora bastante tempo para roçar a verdade sobre o que aconteceu com ela quando era criança, como ela descobre que tem um pai bem diferente do que imaginava, perde alguém fundamental e é surpreendida pelas investidas de Teddy McSwiney (Liam Hemsworth). Isso não a impede de realizar o que tinha planejado desde o princípio, mas sem dúvida alguma restringe as suas escolhas e possibilidades.

Alguns podem não gostar, exatamente, da parte final do filme. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Mas The Dressmaker não se preocupa com finais felizes. Quem assiste Game of Thrones ou The Walking Dead sabe que está na moda histórias um bocado realistas e com mortes importantes – inclusive de personagens centrais. Isso acontece com The Dressmaker. Tilly acredita que é amaldiçoada – uma bobagem, evidentemente. Mas, de fato ela não tem muita sorte nesta produção. Bem, esta é uma forma de encarar o que acontece com ela. Eu já vejo de outra forma.

Quando retorna para Dungatar 25 anos depois da morte de Stewart Pettyman (Rory Potter), Tilly tem a sorte de resgatar a dignidade da própria mãe, uma mulher abandonada e que provavelmente só não tinha morrido devido à ajuda de um pequeno grupo de pessoas. Sozinha em uma casa cheia de lixo e de dejetos, Molly volta a ter uma casa decente e, pouco a pouco, a conviver em sociedade, não apenas lembrando de fatos esquecidos, mas ajudando a filha a entender a própria história. Apenas por fazer isso Tilly já deveria se sentir muito feliz e honrada. No fim das contas ela conseguiu fazer isso pela mãe dela e ainda conviver com Molly por algum tempo.

Além disso, ao voltar para aquela pequena cidade que a expulsou quando ainda era criança, Tilly retorna o contato com Teddy, um partido incrível que, inacreditavelmente, seguia solteiro.😉 Mesmo que ele não tem um final feliz, Tilly consegue fazê-lo feliz por um pouco de tempo – e ela também sente o gostinho bom do amor. Como diria o mestre Vinicius de Moraes em seu Soneto de Fidelidade, “eu possa me dizer do amor (que tive):/ que não seja imortal, posto que é chama/ mas que seja infinito enquanto dure”.

Agora, se Tilly fez diferença na vida daquelas duas pessoas positivamente, ela também infligiu naquela pequena comunidade de invejosos, caluniosos, mesquinhos, hipócritas e traidores uma vingança dura. Desta forma ela foi a algoz de pessoas boas e ruins – talvez uma “moral da história” seja que planos de vingança tem este efeito devastador, atingindo quem “merece” e quem é inocente.

Afinal, se Gertrude “Trudy” Pratt (Sarah Snook), Elsbeth (Caroline Goodall, que interpreta a mãe de William), Beulah Harridiene (Kerry Fox, professora de Tilly quando ela era criança), Muriel Pratt (Rebecca Gibney), Percival Almanac (Barry Otto), Evan Pettyman (Shane Bourne) e outros da comunidade até mereciam sofrer um pouco na pele pelos seus próprios pecados, o mesmo dificilmente podemos dizer dos personagens de Marigold Pettyman (Alison Whyte), Irma Almanac (Julia Blake, aparentemente a única amiga de Molly na cidade) ou do sargento Farrat (Hugo Weaving). Dois deles sofrem finais que não são bacanas antes do “grand finale”. Mas é assim que as coisas são, nem sempre os bons tem o final que eles merecem.

Enfim, acho que este filme tem muito mais acertos do que erros. A crônica de uma comunidade corrompida acho que pode fazer as pessoas refletirem, além da diversão propriamente dita que um filme com estilo proporciona. Mas para não dizer que tudo são flores, acho que o roteiro exagerou a tinta em alguns personagens, tornando eles um pouco caricatos demais – o maior exemplo, para mim, é do sargento Farrat. Dá para entender a escolha, já que personagens caricatos são mais fáceis de fazer rir. Mas acho que o filme poderia ser ainda melhor se tivesse personagens que fugissem deste caminho e que fossem um pouco mais “complexos”. Ainda assim, nada que desmereça o conjunto da obra de The Dressmaker.


NOTA: 9.