A
história das origens da Madonna como
artista é tão importante quanto a música em si para a compreensão do impacto
que ela teve no sentido de levar o underground para o mainstream. Um grande
capítulo, que conto agora, aconteceu na lendária casa noturna de Nova York, a
Danceteria.
Ao
contrário de muitas estrelinhas pop de hoje, Madonna não nasceu em uma sala de reuniões. Ela não é uma fórmula
baseada em grupos, paradas da Billboard,
enquetes e avaliações da Nielsen.
Ela não é fruto da imaginação de algum executivo se masturbando atrás de uma
mesa. Enquanto sua carreira e imagem não podem ser calculadas e trabalhadas
como as performances de artistas como Britney
Spears e Lady Gaga, a rainha das primeiras influências do pop era muito mais
crua.
Madonna é um membro de um grupo formidável de artistas que
impactou o mundo com uma variedade de formas significativas (e divertidas). E
todos esses artistas levaram suas raízes para um momento espetacular no tempo:
a Danceteria. Um clube de dança veterano em Nova York que Steve Lewis descreve como “... um
caldeirão criativo, como um cometa brilhante que voou no céu e cortou todas as
outras merdas.”
Lewis,
que se autoproclamou como um “perpétuo da
noite” na indústria da vida noturna é uma lenda, tendo trabalhado com
sucesso em praticamente todos os aspectos de casas noturnas: de designer de
interiores de alguns dos lugares mais famosos de Nova York a organizador de
eventos, promoter, DJ ocasional, historiador e filantropo. Em 2008, ele
escreveu Good Night Sr. Lewis, uma
coluna da vida noturna para o Blackbook. Primeiro show de Lewis nos clubes foi
na Danceteria, produzindo uma série de desfiles de moda épicos que introduziram
no fashion world designers desconhecidos de todo o mundo - como Isabel Toledo, por exemplo. Mais tarde,
Lewis passou a produzir o primeiro desfile de moda dos Estados Unidos, o
Moschino.
De
volta à Danceteria, a casa abriu acidentalmente suas portas em 1979, assim como
o Studio 54, mas Lewis diz que
comparar os dois é não contar a história por completo. “É injusto compará-lo com outros clubes”, opina. “O Studio 54 foi o Michael Jordan das casas
noturnas. Eram 2000 rapazes com suas camisas desabotoadas até o pau perguntando
qual é o seu signo, e as cem pessoas mais incríveis do mundo frequentavam o
lugar, como Andy Warhol e Mick Jagger.”
“Danceteria era uma coisa bonita, com brilho
próprio”, explica Lewis. “Foi tão
abrangente de ideias e pessoas, uma incrível explosão de criatividade. Os VIPs
não eram pessoas bem sucedidas ou famosos, eram as pessoas que estavam prestes
a fazer algo.”
Junto
com o lendário Studio 54 conhecido
por sua exclusividade reluzente, a Danceteria ajudou a inaugurar um novo tipo
de clube, casando gente de todo o tipo, com uma lista de bandas e artistas de
vários gêneros, DJs, instalações de vídeos e eventos. Artistas como The Smiths, Devo, Grace Jones, New Order, Run DMC, Whodini e
inúmeros outros fizeram shows enquanto Jean-Michel
Basquiat, Vivienne Westwood, Cyndi Lauper e RuPaul apareciam por lá regularmente. A festa durava a noite toda,
por isso a Danceteria tinha aquela coisa do CBGB, uma mistura de discoteca,
clube gay e tudo mais, criando um caldeirão de pessoas, ao contrário do que
muitas pessoas já tinham vivenciado.
“Foi um elo de eras”, Lewis explica, “Danceteria não foi um único clube ou o
melhor, ele só passou a garimpar o ouro em um tempo e lugar muito especial”. Ao longo de sua existência, Danceteria
habitou três locais diferentes em NYC e mais um espaço nos Hamptons. O clube
teve três pisos distintos: o Level 1 era a pista de dança, com DJs mandando
sets de 12 horas, misturando new wave, punk, pop, disco, música cubana, soul,
rock, e, basicamente, qualquer outra coisa que mantivesse as pessoas em movimento.
O Level 2 abrigou o palco ao vivo, onde as bandas iriam tocar e onde os
desfiles de moda de Lewis eram realizados, enquanto o Level 3 tinha um
restaurante e o Danceteria Vídeo Lounge. Primeiro espaço do gênero, o salão de
vídeo teve VJ’s mandando mixagens ao vivo de vídeo-arte, foundfootage, clipes
(pré-MTV) e apresentações musicais. Com tudo isso acontecendo simultaneamente
em todas as noites, ele foi um dos primeiros locais que forneceu uma
experiência multi-level. “Você não ia pra
ver um DJ ou uma noite específica; você ia pelo próprio clube”, diz Lewis.
Embora
só agora o clube seja mais associado a Madonna,
Danceteria serviu de trampolim para um conjunto incrivelmente diversificado de
artistas e ícones culturais. Sade
foi bartender e também teve sua primeira performance ao vivo no clube em 1982, Keith Haring, The Beastie Boys e Party
Monster Michael Alig eram ajudantes lá enquanto Debi Mazar e LL Cool J
trabalharam como atendentes de elevador.
Primeira apresentação ao vivo de
Madonna, na Danceteria em 16 dezembro de 1982
Madonna, foi uma garçonete meio-período, mas full time na
pista de dança. A aspirante a estrela pop tinha muita ambição e carisma, e
encontrou na casa a junção perfeita de arte, música e moda na cidade de Nova
Iorque. Enquanto a natureza altamente competitiva a impedia de ser totalmente
aceita na cena, com toda a sua energia fazia amizades com as pessoas certas.
Uma
dessas pessoas era o DJ Mark Kamins,
que tocava eventualmente na Danceteria. Depois de gravar seu primeiro single, “Everybody”, em 1982, ela o convenceu a
tocá-lo durante um de seus sets, marcando sua entrada oficial como membro da
comunidade artística. Pouco tempo depois, ela fez sua primeira apresentação ao
vivo no Level 2 da Danceteria para uma multidão
extremamente receptiva. Kamins, que se tornou namorado de Madonna, apresentou-a a um produtor da Sire records com quem firmou seu primeiro contrato de gravação. Madonna, a cantora pop nasceu com a Danceteria na paisagem
descontroladamente criativa que ajudou moldá-la.
Após
a terceira localização da Danceteria em Midtown e a posterior reencarnação nos
Hamptons, o clube desapareceu na infâmia, como a maioria dos clubes de Nova
York. Hoje, quem quer experimentar uma polinização cruzada da mesma forma
requintada de culturas e gêneros está basicamente fodido.
“Não há hoje nenhum grande clube em Nova
York. Você tem grandes noites, mas não há nenhum clube com a diversidade que a
Danceteria teve”, explica Lewis. “Depois
que o World Trade Center caiu, as pessoas pararam de se misturar socialmente e
vida noturna foi segregada desde então. A galera do hip-hop vai a clubes de
hip-hop, o povo do EDM vai para os clubes de EDM.”
A
economia também desempenhou um papel importante no desmoronamento de cenas
noturnas. “Outro subproduto do 11/9 são
as taxas altíssimas de seguro. O aluguel em Manhattan é uma loucura para um
lugar com a metragem quadrada que tinha a Danceteria. Agora, os clubes VIP são
dos grandes jogadores. O cara com um Black Card, serviço de garrafa e tudo para
fazer dinheiro suficiente para fazer lucro. Hoje, a Danceteria não
sobreviveria. O mundo mudou.”
Claro,
a Madonna mudou com isso também,
metamorfoseando-se em encarnações aparentemente intermináveis da cantora, dançarina, atriz e artista performática. Desde prostituta do centrão à ícone absoluto. Por mais que seus dias na Danceteria
sejam passado remoto, a exposição precoce da colisão acidental de cultura, arte e música, sem dúvida,
aperfeiçoaram sua capacidade de evoluir constantemente, entre uma infinidade de
gêneros, sem medo de incorporar elementos do underground em sua música e
imagem.