sábado, 5 de novembro de 2016

“Era uma Coisa Linda”: o Clube Danceteria e o Nascimento da Madonna

A história das origens da Madonna como artista é tão importante quanto a música em si para a compreensão do impacto que ela teve no sentido de levar o underground para o mainstream. Um grande capítulo, que conto agora, aconteceu na lendária casa noturna de Nova York, a Danceteria.

Ao contrário de muitas estrelinhas pop de hoje, Madonna não nasceu em uma sala de reuniões. Ela não é uma fórmula baseada em grupos, paradas da Billboard, enquetes e avaliações da Nielsen. Ela não é fruto da imaginação de algum executivo se masturbando atrás de uma mesa. Enquanto sua carreira e imagem não podem ser calculadas e trabalhadas como as performances de artistas como Britney Spears e Lady Gaga, a rainha das primeiras influências do pop era muito mais crua.

Madonna é um membro de um grupo formidável de artistas que impactou o mundo com uma variedade de formas significativas (e divertidas). E todos esses artistas levaram suas raízes para um momento espetacular no tempo: a Danceteria. Um clube de dança veterano em Nova York que Steve Lewis descreve como “... um caldeirão criativo, como um cometa brilhante que voou no céu e cortou todas as outras merdas.”

Lewis, que se autoproclamou como um “perpétuo da noite” na indústria da vida noturna é uma lenda, tendo trabalhado com sucesso em praticamente todos os aspectos de casas noturnas: de designer de interiores de alguns dos lugares mais famosos de Nova York a organizador de eventos, promoter, DJ ocasional, historiador e filantropo. Em 2008, ele escreveu Good Night Sr. Lewis, uma coluna da vida noturna para o Blackbook. Primeiro show de Lewis nos clubes foi na Danceteria, produzindo uma série de desfiles de moda épicos que introduziram no fashion world designers desconhecidos de todo o mundo - como Isabel Toledo, por exemplo. Mais tarde, Lewis passou a produzir o primeiro desfile de moda dos Estados Unidos, o Moschino.

De volta à Danceteria, a casa abriu acidentalmente suas portas em 1979, assim como o Studio 54, mas Lewis diz que comparar os dois é não contar a história por completo. “É injusto compará-lo com outros clubes”, opina. “O Studio 54 foi o Michael Jordan das casas noturnas. Eram 2000 rapazes com suas camisas desabotoadas até o pau perguntando qual é o seu signo, e as cem pessoas mais incríveis do mundo frequentavam o lugar, como Andy Warhol e Mick Jagger.”

Danceteria era uma coisa bonita, com brilho próprio”, explica Lewis. “Foi tão abrangente de ideias e pessoas, uma incrível explosão de criatividade. Os VIPs não eram pessoas bem sucedidas ou famosos, eram as pessoas que estavam prestes a fazer algo.”

Junto com o lendário Studio 54 conhecido por sua exclusividade reluzente, a Danceteria ajudou a inaugurar um novo tipo de clube, casando gente de todo o tipo, com uma lista de bandas e artistas de vários gêneros, DJs, instalações de vídeos e eventos. Artistas como The Smiths, Devo, Grace Jones, New Order, Run DMC, Whodini e inúmeros outros fizeram shows enquanto Jean-Michel Basquiat, Vivienne Westwood, Cyndi Lauper e RuPaul apareciam por lá regularmente. A festa durava a noite toda, por isso a Danceteria tinha aquela coisa do CBGB, uma mistura de discoteca, clube gay e tudo mais, criando um caldeirão de pessoas, ao contrário do que muitas pessoas já tinham vivenciado.

Foi um elo de eras”, Lewis explica, “Danceteria não foi um único clube ou o melhor, ele só passou a garimpar o ouro em um tempo e lugar muito especial”.  Ao longo de sua existência, Danceteria habitou três locais diferentes em NYC e mais um espaço nos Hamptons. O clube teve três pisos distintos: o Level 1 era a pista de dança, com DJs mandando sets de 12 horas, misturando new wave, punk, pop, disco, música cubana, soul, rock, e, basicamente, qualquer outra coisa que mantivesse as pessoas em movimento. O Level 2 abrigou o palco ao vivo, onde as bandas iriam tocar e onde os desfiles de moda de Lewis eram realizados, enquanto o Level 3 tinha um restaurante e o Danceteria Vídeo Lounge. Primeiro espaço do gênero, o salão de vídeo teve VJ’s mandando mixagens ao vivo de vídeo-arte, foundfootage, clipes (pré-MTV) e apresentações musicais. Com tudo isso acontecendo simultaneamente em todas as noites, ele foi um dos primeiros locais que forneceu uma experiência multi-level. “Você não ia pra ver um DJ ou uma noite específica; você ia pelo próprio clube”, diz Lewis.

Embora só agora o clube seja mais associado a Madonna, Danceteria serviu de trampolim para um conjunto incrivelmente diversificado de artistas e ícones culturais. Sade foi bartender e também teve sua primeira performance ao vivo no clube em 1982, Keith Haring, The Beastie Boys e Party Monster Michael Alig eram ajudantes lá enquanto Debi Mazar e LL Cool J trabalharam como atendentes de elevador.

Primeira apresentação ao vivo de Madonna, na Danceteria em 16 dezembro de 1982

Madonna, foi uma garçonete meio-período, mas full time na pista de dança. A aspirante a estrela pop tinha muita ambição e carisma, e encontrou na casa a junção perfeita de arte, música e moda na cidade de Nova Iorque. Enquanto a natureza altamente competitiva a impedia de ser totalmente aceita na cena, com toda a sua energia fazia amizades com as pessoas certas.

Uma dessas pessoas era o DJ Mark Kamins, que tocava eventualmente na Danceteria. Depois de gravar seu primeiro single, “Everybody”, em 1982, ela o convenceu a tocá-lo durante um de seus sets, marcando sua entrada oficial como membro da comunidade artística. Pouco tempo depois, ela fez sua primeira apresentação ao vivo no Level 2 da Danceteria para uma multidão extremamente receptiva. Kamins, que se tornou namorado de Madonna, apresentou-a a um produtor da Sire records com quem firmou seu primeiro contrato de gravação. Madonna, a cantora pop nasceu com a Danceteria na paisagem descontroladamente criativa que ajudou moldá-la.

Após a terceira localização da Danceteria em Midtown e a posterior reencarnação nos Hamptons, o clube desapareceu na infâmia, como a maioria dos clubes de Nova York. Hoje, quem quer experimentar uma polinização cruzada da mesma forma requintada de culturas e gêneros está basicamente fodido.

Não há hoje nenhum grande clube em Nova York. Você tem grandes noites, mas não há nenhum clube com a diversidade que a Danceteria teve”, explica Lewis. “Depois que o World Trade Center caiu, as pessoas pararam de se misturar socialmente e vida noturna foi segregada desde então. A galera do hip-hop vai a clubes de hip-hop, o povo do EDM vai para os clubes de EDM.”
A economia também desempenhou um papel importante no desmoronamento de cenas noturnas. “Outro subproduto do 11/9 são as taxas altíssimas de seguro. O aluguel em Manhattan é uma loucura para um lugar com a metragem quadrada que tinha a Danceteria. Agora, os clubes VIP são dos grandes jogadores. O cara com um Black Card, serviço de garrafa e tudo para fazer dinheiro suficiente para fazer lucro. Hoje, a Danceteria não sobreviveria. O mundo mudou.”

Claro, a Madonna mudou com isso também, metamorfoseando-se em encarnações aparentemente intermináveis ​​da cantora, dançarina, atriz e artista performática. Desde prostituta do centrão à ícone absoluto. Por mais que seus dias na Danceteria sejam passado remoto, a exposição precoce da colisão acidental de cultura, arte e música, sem dúvida, aperfeiçoaram sua capacidade de evoluir constantemente, entre uma infinidade de gêneros, sem medo de incorporar elementos do underground em sua música e imagem.