quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Carol

Excelentes atuações de Cate Blanchett e Rooney Mara, como duas mulheres apaixonadas lutando contra uma sociedade extremamente fechada, em 1952, faz de Carol, adaptação de Todd Haynes do romance "O Preço do Sal", de Patricia Highsmith, algo muito especial. Além de uma delicada história de amor, o longa traz discussões que ainda são contemporâneas sobre a liberdade da mulher e direitos dos homossexuais, questões que ainda precisam ser muito analisadas e discutidas por nossa atrasada sociedade.

Haynes parece ter sido escolhido a dedo para a direção, afinal, Carol completa a obra do diretor sobre pessoas que ultrapassam as limitações impostas pela sociedade em busca daquilo que as completa. Na trama ambientada em Nova York, no início da década de 1950, Therese Belivet (Rooney Mara) trabalha em uma loja de departamentos de Manhattan quando conhece Carol Aird (Cate Blanchett), mulher além de seu tempo, presa em um casamento fracassado. Já no primeiro encontro, ambas sentem uma atração imediata e começam um jogo de sedução.

Uma das realizações mais notáveis do filme é que, apesar das diferenças óbvias de classe social e de background, Therese e Carol se conectam instantaneamente. Uma faz bem a outra e o vínculo que dividem é tão profundo que nem precisa ser discutido - escolha que funciona não apenas para uma época em que seu amor enfrentaria barreiras ainda maiores do que atualmente, mas também pela forma como Haynes trabalha a imagem de forma a não precisar de palavras. A cena do restaurante, logo no começo da amizade, é o principal momento em que a conversa das duas nada diz, enquanto olhares e linguagem corporal revelam tudo.

Segundo romance de Highsmith, publicado sob o pseudônimo de Claire Morgan para evitar ser condenada por lidar com a homossexualidade, era uma espécie de sensação nos círculos literários LGBT por ser muito mais positivo do que romances semelhantes da época. O inteligente roteiro de Phyllis Nagy mantém a dinâmica essencial para o romance aflorar de forma credível, enquanto muda detalhes importantes como o interesse profissional de Therese por fotografia e ao encurtar a viagem pelo país que ocupa grande parte da segunda metade do livro. O mais importante é que a narrativa sempre mantém o foco na relação das duas e nas dificuldades que enfrentam, mesmo quando o suspense toma conta do terceiro ato.

Blanchett impressiona como uma mulher brilhante, capaz de levar sua vida de forma independente enfrentando as adversidades de frente, mas ainda com força o suficiente para mudar quando sente que é preciso. Já Therese é a personagem em desenvolvimento, reativa, que procura seu caminho ao longo do filme, mas é capaz de perceber o que quer e criar sua própria história. Graças em grande parte à forma como Mara conduz sua personagem, a cena final, sem diálogo algum, é algo de imenso impacto.
Haynes, ao lado do diretor de fotografia Ed Lachman, que inteligentemente roda o filme em 16 mm, mantém o estilo empregado na minissérie Mildrid Place ao favorecer closes dos protagonistas em momentos dramáticos e imagens distantes ou com personagens atrás de portas semiabertas e outros elementos de cenários para criar distanciamento inicial ou, ainda, mantendo as personagens nos cantos do quadro, como se isoladas uma da outra devido à situação. Diferente de Longe Do Paraíso, Carol possui uma textura realista e se distancia da fotografia brilhante do longa de 2002. Além disso, a direção de arte recria de forma soberba a Nova York dos anos 50 e é possível sentir a todo momento o peso dá época na história do casal.

Carol é um tapa na cara de quem ainda vê algo imoral na relação entre duas pessoas que se amam, não importa sexo, origem, etnia, etc. Forte candidato ao Oscar 2016, o filme é composto de nuances e os detalhes são muito importantes, por isso são tratados com cuidado por Haynes e todo o elenco. Inteligentemente adaptado e com grandes atuações, esse é um grande filme, que não só conta uma bela história de forma incrível, mas também levanta questões sociais cada vez mais relevantes num mundo que, na superfície, parece mais tolerante do que o de 60 anos atrás, mas na verdade está cada vez mais tomado pelo ódio e intolerância.