Listas
de melhores músicas ou discos são sempre subjetivas. No posfácio do livro 101 canções que tocaram o Brasil (segundo
título da coleção Brasil 101, lançado neste mês de outubro pela editora
Sextante através do selo Estação Brasil), o autor Nelson Motta já ressalta tal subjetividade.
"Listas de músicas que marcam a vida de cada
um são como impressões digitais: não há duas iguais", compara o
jornalista e produtor musical, em analogia certeira. Mas é justamente por ser
subjetiva (mas criteriosa) que a lista das 101
canções de Motta toca o coração de quem se interessa pela música popular do
Brasil. Até porque, se há inevitável subjetividade na seleção, há também
objetividade jornalística na apresentação das 101 canções.
No
livro escrito por Motta com a colaboração do jornalista Antônio Carlos Miguel, blogueiro de música do G1, cada uma das 101 músicas é devidamente contextualizada
em textos sucintos e cheios de curiosidades. Apresentada no livro em ordem
cronológica, a seleção vai da marcha Ó
abre alas (1899), carro-chefe da obra pioneira da compositora, pianista e
maestrina carioca Chiquinha Gonzaga
(1847 – 1935), até À procura da batida
perfeita (Marcelo D2 e Davi Corcos), música-título de álbum solo do rapper
carioca Marcelo D2.
Entre
uma e outra composição, o livro acaba traçando painel evolutivo da música
brasileira à medida em que apresenta as 101 canções. A seleção inclui o
primeiro samba oficial (Pelo telefone,
amaxixado tema de Donga e Mauro Almeida registrado em 1916), sambas
urbanos de Noel Rosa (1910 – 1937),
sambas-exaltação de compositores como Ary
Barroso (1903 – 1964) e Assis
Valente (1911 – 1958) e o refinado samba-canção de Dorival Caymmi (1914 – 2008), somente para citar ícones e gêneros
marcantes do período pré-Bossa Nova.
Como
os autores ressaltam ao discorrer sobre o samba Chega de saudade (Antonio
Carlos Jobim e Vinicius de Moraes,
1958), a música brasileira se renovou com a bossa do violão e do canto de João Gilberto. Tudo mudou. E Jobim
inseriu definitivamente o Brasil no mapa-múndi musical. Tanto que, das 101
canções, nada menos do que seis são do soberano compositor. Poderiam até ser
50, pois Jobim vai dar o tom para os compositores da geração surgida na década
de 1960, projetada na era dos festivais e enquadrada no rótulo de MPB. É quanto
entram em cena Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Milton
Nascimento, todos devidamente representados com canções emblemáticas neste
livro mais indicado para ouvintes pouco informados do que para os admiradores da
música brasileira que já tenham noções básicas da história e do contexto das
canções.
Mas
listas são geralmente irresistíveis. E não é diferente com a deste livro que
avança e extrapola o universo da MPB, abrangendo a geração pop da década de
1980 – (bem) representada por músicas de Cazuza
(1958 – 1990), Herbert Vianna, Lobão, Marina Lima, Renato Russo
(1960 – 1996) e até Roger Moreira,
justificadamente lembrado com Inútil, música de 1983 que se tornou um dos hinos
extra-oficiais da campanha por eleições diretas que ganhou as ruas do Brasil em
1984 – e também o samba de Zeca
Pagodinho, projetado na mesma década de 1980 em que o mercado fonográfico
abriu as portas para o rock.
Além
dos textos, o livro apresenta bela seleção de fotos, revelando imagens pouco ou
nada batidas dos artistas enfocados, caso da foto de Rita Lee com Roberto de
Carvalho (de Antônio Carlos Miguel) que ilustra o tópico dedicado à canção Mania de você (1979), um dos maiores
sucessos do casal pop.
Enfim,
o livro da coleção Brasil 101 –
editada com curadoria de Eduardo Bueno
– tem encantos. Deve ser degustado sem radicalismos, com a consciência de que a
seleção das 101 canções que tocaram o
Brasil é assumidamente pessoal, ainda que muitas dessas 101 músicas (Águas de março, Aquarela do Brasil, Asa
branca, Carinhoso, Coração de estudante, Deixa a vida me levar, Detalhes, Emoções, Eu sei que vou te
amar, Garota de Ipanema, País tropical, Sampa e Trem das onze,
entre várias outras) estejam irrefutavelmente entronizadas na afetiva memória
musical nacional.