terça-feira, 18 de outubro de 2016

Gosta de Madonna ou Beatles? Agradeça a aleatoriedade

O próximo disco da Lady Gaga será um estrondoso sucesso como nunca visto antes. Vai ser impossível que o Maroon 5 consiga chegar ao topo da Billboard nos próximos cinco anos. A música do Major Lazer com o Caetano Veloso ficará em primeiro lugar em todas as regiões do Velho Continente e, por incrível que pareça, nas Ilhas Cayman também. Estes foram apenas chutes e devaneios sobre alguns lançamentos que podem ser impactantes, porém, imagine se pudéssemos dar chutes certeiros desta maneira? Em qualquer série de eventos aleatórios (como os exemplos que eu dei), há uma possibilidade de que um acontecimento dê certo.

A inspiração para este texto deu-se em favor a um livro chamado ‘O Andar do Bêbado’, que eu comecei a ler há alguns dias e estou amando. Quando peguei o título em mãos, eu achei que fosse algo relacionado a cultura boêmia, mas eu errei feio. Este nome vem de uma analogia que descreve o movimento aleatório, como os trajetos seguidos por moléculas ao flutuarem pelo espaço, chocando-se incessantemente com as suas moléculas irmãs. Traduzindo e trazendo um pouco para a nossa realidade: O autor do livro, Leonard Mlodinow, busca ilustrar o papel do acaso no mundo que nos cerca e mostrar de que modo podemos reconhecer sua atuação. Ou seja, mostrar a aleatoridade de um ângulo diferente e o impacto que ela tem em nossas vidas.

Um paralelo que ele traça para defender a sua tese é a vida de Hollywood. Os investimentos para um longa-metragem são altíssimos, na casa de milhões. Quando eles fecham um contrato e começam a rodar, existem diversos fatores que possam colocar o filme em evidência. Ele vai ter uma boa distribuição? Qual é o casting? Em qual época do ano que ele será lançado? E por aí, vai… Mesmo que você tenha preenchido todos estes requisitos, não é garantia que o filme seja um sucesso.

Um bom exemplo é um filme de terror caseiro que foi uma das maiores bilheterias do cinema dos anos 90. O investimento em “Bruxa de Blair” foi de ‘míseros’ 60 mil dólares, uma quantia que não existe no mundo do cinema. O retorno que eles tiveram foi de mais 140 milhões de Obamas. Isso quer dizer que qualquer produção tosca de terror vai alcançar uma quantia como essas? Se eles tivessem feito um filme mais arrumadinho não iriam ter recebido tanta grana? Um antigo executivo de estúdios chamado David Picker disse uma vez: “Se eu tivesse dito sim a todos os projetos que recusei, e não a todos os que aceitei, a coisa teria funcionado mais ou menos da mesma maneira”.

Tudo o que o seu artista fez, a Madonna fez antes. Ela é a história do pop em carne e osso, mas nem sempre foi assim. No comecinho dos anos 80, a cantora estava batalhando para gravar o seu primeiro disco e mandou a sua demo para diversas gravadoras. Uma delas foi a Millenium Records, onde recebeu uma resposta do presidente da empresa dizendo que ela era boa, mas ainda não estava pronta para lançar um trabalho cheio. Se ele tivesse ouvido melhor, levado o som dela para mais pessoas ou pedido uma nova demo, a história da Millenium seria bem diferente. No mesmo ano, a cantora fechou um contrato com a Sire Records e começou a decolar com singles como ‘Everybody’, ‘Burning Up’. O maior artista que a Millenium Records fez foi o irmão do John Travolta… Sim, eu também fiz a mesma pergunta: Quem sabia que o irmão do John Travolta era cantor?

Estive pensando em algum exemplo da música brasileira que possa cair neste poço da aleatoriedade. Logo eu pensei em alguns hits e o funk me acertou em cheio. O Dennis DJ é um prolífico produtor carioca que sempre está lançando algo. Seja música própria, remix ou parceria com algum cantor(a). Quando ele lançou ‘Malandramente’ foi a mesma receita das outras composições que ele soltou, mas uma série de fatores contribuíram para a música viralizar.

Antes de ganhar clipe e coreografia, a comunidade gamer já tinha uma porrada de memes que envolviam a música. Essa foi uma divulgação maciça e orgânica. A piada com a letra e paródias em vídeo estavam a todo vapor. Para termos um pouco da dimensão que Malandramente tomou: ele conseguiu bater Drake, Justin Bieber, Rihanna e Fifth Harmony em território brasileiro no Spotify por algumas semanas. A música ‘Malandramente’ ganhou versão em forró, axé, rock, brega e foi interpretada por Ivete Sangalo e Wesley Safadão em alguns shows.

De certa forma, portanto, a aleatoriedade — ou melhor, a sensação de aleatoriedade — é conseqüência direta da nossa capacidade de compreender — e portanto, poder adivinhar futuro. Isso é algo muito difícil de afirmar, mas, vamos lá. Se podemos prever o futuro com a compreensão de fatos e aplicar em nossa realidade, como explicar ‘flops’ que acontecem todas as semanas nos charts. Como explicar bandas ganharem dimensão mundial da noite para o dia? Por mais que consigamos prever alguns resultados muito por conta de acúmulo de informações (big data), ter uma fórmula exata sobre o que vai dar certo ou errado é algo que valha uma boa fortuna.

O mercado da música vai remando conforme a maré. Quando estoura uma cantora meio jazz, outras gravadoras vão tentar emplacar uma cantora de jazz. Se um cantor de sertanejo bombado e com sorriso de comercial de pasta de dente surgir e causar algum burburinho, você vai encontrar mais uma dúzia no mesmo formato. É muito difícil que uma gravadora ou selo vá contra o que está acontecendo e abrace a aleatoriedade em seu processo de seleção de novos talentos. Como a pessoa vai defender a contratação de uma artista de folk sendo que todo o mercado está contratando sambistas? Nadar contra a corrente da intuição é uma tarefa árdua, mas a história demonstra que chutes podem dar certo. Ainda bem que tivemos pessoas que quebraram a maré e tivemos lançamentos de Madonna, Amy Winehouse, Beatles, U2 e muitos outros.

Todos esses eram patinhos feios, tiveram contratos rejeitados e um início de carreira meio conturbado. Agradecemos ao acaso e a aleatoriedade.