É
exagero romântico afirmar – como tem sido dito em depoimentos para reportagens
sobre os 20 anos de morte de Renato
Russo (1960 – 1996) – que a biografia da fictícia The 42nd St. Band serviu de base e guia para a carreira do cantor e
compositor carioca à frente da banda Legião
Urbana. Escrita entre 1975 e 1976, quando Russo tinha somente 15 e 16 anos,
a fragmentada biografia da banda inglesa mostra – isso, sim – como o futuro
ídolo pop já conhecia muito bem as engrenagens que movimentam a indústria da
música. O que certamente o ajudou a conduzir os rumos da Legião, mas não a
ponto de reproduzir a saga da 42nd St.
Band no mundo real.
Ao
historiar a trajetória da banda imaginária, formada em 1974 a partir da reunião
de músicos reais (como o guitarrista Mick
Taylor, então recém-saído do grupo inglês The Rolling Stones) com músicos criados pela mente inventiva de
Russo (como o baixista Eric Russell,
espécie de alter-ego do autor nessa fase adolescente), o artista revela vasto e
precoce conhecimento das relações de poder travadas entre bandas, gravadoras e
jornalistas.
Traduzido
dos originais em inglês, dispersos em folhas soltas, o livro inédito ora
lançado pela editora Companhia das
Letras impressiona sobretudo quando Russo inventa longas entrevistas da
banda – ou de um dos integrantes da 42nd
St. Band – com veículos como a revista Rolling
Stone. A riqueza de detalhes expostos por Russo nas imaginadas entrevistas
é tanta que elas parecem reais.
A
própria exposição da trajetória do grupo até 1988 é tão minuciosa que o romance
da banda imaginária, como o livro é caracterizado na capa, jamais deixa dúvidas
sobre o caráter prodigioso da mente de Russo. Na biografia, o autor lista
álbuns (inclusive os abortados no meio do processo de gravação), músicas,
turnês e as diversas formações da banda entre episódios como a morte
folhetinesca do tecladista Allan Reeves
(na página 144, um mórbido Russo ainda imagina o fim de seis músicos da banda,
informando a idade e a causa da morte de cada um).
Por
conta desse caráter meticuloso, o livro corre o risco de soar chato para quem
tem pouco interesse pelos bastidores da indústria pop, movida a egos (os dos
músicos, dos jornalistas, dos empresários e dos executivos do mercado
fonográfico). Em contrapartida, quem gosta do assunto pode até enxergar na
biografia da 42nd St. Band um manual
de sobrevivência na selva do universo pop.
São
tantas particularidades que, mesmo fragmentada e eventualmente até
contraditória, a narrativa reitera o brilho da mente de escritor detalhista,
povoada com lembranças do passado, presente e futuro da banda fictícia
biografada no livro e com intuições do futuro que ele iria vivenciar de forma
real já a partir de 1978 com a criação do grupo punk Aborto Elétrico, embora seja bobagem tentar correlacionar a
história da 42nd St, Band com a do Aborto Elétrico e, sobretudo, com a da
banda Legião Urbana.