segunda-feira, 16 de maio de 2016

O maravilhoso disco preguiçoso dos Radiohead: “A Moon Shaped Pool”

Cinco anos depois de “King of Limbs”, os Radiohead continuam a ser os Radiohead: caprichosos, obcecados. E o mundo continua a ser o mundo: parou novamente por eles como parou outrora. É que mal o disco novo saiu, este mês, não se falava noutra coisa: uns protestavam (“porque é que isto não está no Spotify?” tornou-se trending no Twitter), outros usufruíam. “A Moon Shaped Pool” está aí e é um maravilhoso disco preguiçoso (sete das 11 canções já eram conhecidas, mas agora renascem com arranjos novos). E diz-se que isto é a despedida deles, que é o último disco dos Radiohead. Que acaba com uma das canções mais tristes de sempre.

Nenhum dos membros dos Radiohead se pronunciou até agora sobre o novo álbum da banda, revelado aos fãs por entre muitas pistas numa espécie de caça ao tesouro virtual. Quando as 11 faixas de “A Moon Shaped Pool” foram disponibilizadas online, exatamente às 19h deste domingo, os fãs já tinham sido provocados com folhetos que lhes chegaram às caixas de correio contendo alguns versos do primeiro single, “Burn the Witch”, e com alguns segundos do respectivo videoclip, que mostravam o boneco de um passarinho a chilrear.

Se é verdade que Thom Yorke e companhia ainda não disseram nada sobre o seu nono álbum, para compreender o primeiro vídeo - e encontrar respostas que nos expliquem as restantes canções - podemos prestar atenção às palavras de quem já falou: Virpi Kettu, responsável pela animação de “Burn the Witch”, diz que o vídeo foi feito à pressa, em duas semanas, com a intenção de mostrar uma energia mais feliz do que a que pauta o resto do álbum (e isto diz-nos tanto sobre ele).

Se ainda não viu o vídeo de “Burn the Witch”, que já conta com mais de dez milhões de visualizações no Youtube (nos comentários diz-se que as novas músicas dos Radiohead vieram para “redimir 2016”, o ano que levou Bowie), nós explicamos: o vídeo, feito com bonecos animados em “stop-motion”, mostra uma vila pacata que parece inspirada na popular série de desenhos animados britânica “Trumpton”, que chegou aos ecrãs na década de 1960. Nele, uma mulher atada a uma estaca parece ser ameaçada por homens de espada em riste, e no final um homem é queimado pelos habitantes enquanto toda a vila acena de forma algo tétrica.

Na letra da música, mais pistas que nos levam aos sentimentos que pautam “A Moon Shaped Pool”: “Isto é um ataque de pânico / Cantem a canção que diz para queimarem a bruxa, sei onde vivem / Cruzes vermelhas em portas de madeira/ Abandonem toda a razão, evitem o contacto visual, não reajam / Matem os mensageiros”. Partindo daqui, a “Pitchfork” já se aventurou por uma análise arriscada em que compara a vila de “Trumpton” à realidade de um país que pode vir a ser liderado por Donald Trump e considera a música uma crítica política áspera; Virpi Kettu fala no mesmo sentido, assegurando pensar que a canção se trata de uma crítica à forma como Estados Unidos e Europa lidam com a crise dos refugiados (“É a ideia de culpar pessoas diferentes... Culpar muçulmanos, ter sentimentos negativos sobre eles”, concretizou a animadora em entrevista à “Billboard”).

Esta “Burn the Witch” serve de ponto de partida muito literal para um álbum em que as canções foram ordenadas por ordem alfabética, numa mostra de perfeccionismo que atravessa todo o álbum, como garantem a NME e o “Telegraph” nas críticas que fazem a “Moon Shaped Pool”. Com a segunda faixa, “Daydreaming”, que também mereceu um videoclip igualmente lançado na semana passada - e que mostra um Thom Yorke perdido entre salas e divisões que parecem não levar a lugar nenhum -, entramos na atmosfera dominante do álbum, um ambiente quase etéreo, ali entre o sonho e o pesadelo.

Daydreaming ganha ainda uma aura mais forte quando se ouve a seguir a Burn the Witch, saindo daquela intensidade para entrar no sonho.

'Burn the Witch', no fim das contas, era alarme falso. É um álbum mais introspectivo, melancólico... 'Daydreaming' é a entrada.

A Moon Shaped Pool” não é um álbum recomendável para ouvir antes de dormir - é pesado, angustiante, inquieta-nos. As referências ao “pânico” e a um sentimento de paranoia que nunca se define exclusivamente em redor da vida pessoal do vocalista ou do estado geral da humanidade - a dúvida está sempre lá, as dimensões transpõem-se - não se ficam por “Burn the witch”. Em “Decks Dark”, Yorke canta de forma sombria: “Na tua vida há uma escuridão (...) e não tens onde te esconder / Agora estamos encurralados, somos como nuvens escuras / E não podemos resistir". Em “Ful Stop”, as coisas parecem ficar mais pessoais: “Estragaste tudo / Porque é que devo ser bom se tu não o és? / A verdade estraga tudo”, canta um Thom Yorke agitado.

Na internet, especula-se que as letras possam ter que ver com a separação de Thom Yorke da companheira de longa data, Rachel Owen, no verão passado, 23 anos e dois filhos depois. A teoria adensa-se com o final de “Daydreaming”: depois de versos como “os sonhadores nunca aprendem / é demasiado tarde, o estrago está feito”, Thom Yorke canta algo imperceptível. Os fãs mais dedicados rebobinaram a parte final e garantem que o vocalista diz as palavras “metade da minha vida”, o que seria uma referência aos anos passados com Rachel (Thom tem 47 anos).

A voz sempre meio profética, meio límpida de Thom Yorke surge por entre o som das guitarras - as acústicas e as elétricas marcam uma forte presença e, como afirma o “New York Times”, neste álbum que pode ser a “afirmação mais sombria” que a banda já fez revela-se “muita atividade humana” e uns Radiohead que perceberam que afinal “a tecnologia é só uma ferramenta e não o centro das atenções; é amoral, como um microfone ou um amplificador”. Nas letras há referências que podem ser políticas - “fomos feitos para servir” ou “é um sítio assustador, as suas caras são de cimento cinzento e o pânico chega com força / está tanto frio/ não há um grande emprego, não há nenhuma mensagem e somos tão pequenos” - e as preocupações ambientalistas de Yorke também estão presentes, em faixas como “The Numbers” (“Somos da Terra / A ela voltamos / O futuro está dentro de nós / As pessoas têm o poder / Os números não decidem / Este sistema é uma mentira / Vamos recuperar o que é nosso”).

A começar e a fechar o álbum (assim como um pouco por toda a parte) não estão novidades, estão obras revisitadas. Há muito poucas canções que sejam uma novidade absoluta - a intro de “Burn the witch” já vinha sendo tocada há muito ao vivo, “True Love Waits” já é um clássico que nunca tinha chegado ao alinhamento de um disco (excetuando uma versão ao vivo no EP “I Might Be Wrong”) mas muitas vezes às setlists dos concertos, “Desert Island Disk” tinha sido tocada ao vivo com “Silent Springs”, que no disco novo acabou por se rebatizar “The Numbers”, em dezembro de 2015. Dizia o produtor Nigel Godrich, em 2012, sobre “True Love Waits”, canção de fazer chorar que fecha o disco: “O Thom precisa de acreditar que uma música tem razão para ser gravada. Podíamos gravá-la e soar como o John Mayer, mas acho que ninguém quer isso”.

Os perfeccionistas Radiohead esperaram até terem o enquadramento perfeito para estas músicas, algumas delas muito acarinhadas pelos fãs, e entregaram uma versão bem resolvida neste “A Moon Shaped Pool”. O que é que isto quis dizer? Ninguém sabe bem: se calhar, propõe o “Guardian”, é uma maneira de pôr um ponto final na carreira da banda; ou talvez, adianta a NME, este não seja o “canto do cisne” e eles voltem em força daqui a outros cinco anos (ou menos), com um álbum que não tenha “nada que ver” com o duelo entre o sonho e o pesadelo de “A Moon Shaped Pool”. Com Radiohead nunca se sabe.