Cinco
anos depois de “King of Limbs”, os Radiohead continuam a ser os Radiohead: caprichosos, obcecados. E o
mundo continua a ser o mundo: parou novamente por eles como parou outrora. É
que mal o disco novo saiu, este mês, não se falava noutra coisa: uns
protestavam (“porque é que isto não está
no Spotify?” tornou-se trending no Twitter), outros usufruíam. “A Moon Shaped Pool” está aí e é um
maravilhoso disco preguiçoso (sete das 11 canções já eram conhecidas, mas agora
renascem com arranjos novos). E diz-se que isto é a despedida deles, que é o
último disco dos Radiohead. Que
acaba com uma das canções mais tristes de sempre.
Nenhum
dos membros dos Radiohead se
pronunciou até agora sobre o novo álbum da banda, revelado aos fãs por entre
muitas pistas numa espécie de caça ao tesouro virtual. Quando as 11 faixas de “A Moon Shaped Pool” foram
disponibilizadas online, exatamente às 19h deste domingo, os fãs já tinham sido
provocados com folhetos que lhes chegaram às caixas de correio contendo alguns
versos do primeiro single, “Burn the
Witch”, e com alguns segundos do respectivo videoclip, que mostravam o
boneco de um passarinho a chilrear.
Se
é verdade que Thom Yorke e companhia
ainda não disseram nada sobre o seu nono álbum, para compreender o primeiro
vídeo - e encontrar respostas que nos expliquem as restantes canções - podemos
prestar atenção às palavras de quem já falou: Virpi Kettu, responsável pela animação de “Burn the Witch”, diz que o vídeo foi feito à pressa, em duas
semanas, com a intenção de mostrar uma energia mais feliz do que a que pauta o
resto do álbum (e isto diz-nos tanto sobre ele).
Se
ainda não viu o vídeo de “Burn the Witch”,
que já conta com mais de dez milhões de visualizações no Youtube (nos
comentários diz-se que as novas músicas dos Radiohead vieram para “redimir
2016”, o ano que levou Bowie), nós explicamos: o vídeo, feito com bonecos
animados em “stop-motion”, mostra uma
vila pacata que parece inspirada na popular série de desenhos animados
britânica “Trumpton”, que chegou aos
ecrãs na década de 1960. Nele, uma mulher atada a uma estaca parece ser
ameaçada por homens de espada em riste, e no final um homem é queimado pelos
habitantes enquanto toda a vila acena de forma algo tétrica.
Na
letra da música, mais pistas que nos levam aos sentimentos que pautam “A Moon Shaped Pool”: “Isto é um ataque de pânico / Cantem a canção
que diz para queimarem a bruxa, sei onde vivem / Cruzes vermelhas em portas de
madeira/ Abandonem toda a razão, evitem o contacto visual, não reajam / Matem
os mensageiros”. Partindo daqui, a “Pitchfork”
já se aventurou por uma análise arriscada em que compara a vila de “Trumpton” à realidade de um país que
pode vir a ser liderado por Donald Trump
e considera a música uma crítica política áspera; Virpi Kettu fala no mesmo sentido, assegurando pensar que a canção
se trata de uma crítica à forma como Estados Unidos e Europa lidam com a crise
dos refugiados (“É a ideia de culpar
pessoas diferentes... Culpar muçulmanos, ter sentimentos negativos sobre eles”,
concretizou a animadora em entrevista à “Billboard”).
Esta
“Burn the Witch” serve de ponto de
partida muito literal para um álbum em que as canções foram ordenadas por ordem
alfabética, numa mostra de perfeccionismo que atravessa todo o álbum, como
garantem a NME e o “Telegraph” nas críticas que fazem a “Moon Shaped Pool”. Com a segunda faixa,
“Daydreaming”, que também mereceu um
videoclip igualmente lançado na semana passada - e que mostra um Thom Yorke perdido entre salas e
divisões que parecem não levar a lugar nenhum -, entramos na atmosfera
dominante do álbum, um ambiente quase etéreo, ali entre o sonho e o pesadelo.
Daydreaming ganha ainda uma aura mais forte quando se ouve a
seguir a Burn the Witch, saindo
daquela intensidade para entrar no sonho.
'Burn the Witch', no fim das contas, era alarme falso. É um álbum mais
introspectivo, melancólico... 'Daydreaming'
é a entrada.
“A Moon Shaped Pool” não é um álbum
recomendável para ouvir antes de dormir - é pesado, angustiante, inquieta-nos.
As referências ao “pânico” e a um sentimento de paranoia que nunca se define
exclusivamente em redor da vida pessoal do vocalista ou do estado geral da
humanidade - a dúvida está sempre lá, as dimensões transpõem-se - não se ficam
por “Burn the witch”. Em “Decks Dark”, Yorke canta de forma
sombria: “Na tua vida há uma escuridão
(...) e não tens onde te esconder / Agora estamos encurralados, somos como
nuvens escuras / E não podemos resistir". Em “Ful Stop”, as coisas parecem
ficar mais pessoais: “Estragaste tudo / Porque é que devo ser bom se tu não o
és? / A verdade estraga tudo”, canta um Thom Yorke agitado.
Na
internet, especula-se que as letras possam ter que ver com a separação de Thom Yorke da companheira de longa data,
Rachel Owen, no verão passado, 23
anos e dois filhos depois. A teoria adensa-se com o final de “Daydreaming”: depois de versos como “os sonhadores nunca aprendem / é demasiado
tarde, o estrago está feito”, Thom
Yorke canta algo imperceptível. Os fãs mais dedicados rebobinaram a parte
final e garantem que o vocalista diz as palavras “metade da minha vida”, o que seria uma referência aos anos passados
com Rachel (Thom tem 47 anos).
A
voz sempre meio profética, meio límpida de Thom
Yorke surge por entre o som das guitarras - as acústicas e as elétricas
marcam uma forte presença e, como afirma o “New York Times”, neste álbum que pode ser a “afirmação mais sombria” que a banda já fez revela-se “muita atividade humana” e uns Radiohead que perceberam que afinal “a tecnologia é só uma ferramenta e não o
centro das atenções; é amoral, como um microfone ou um amplificador”. Nas
letras há referências que podem ser políticas - “fomos feitos para servir” ou “é
um sítio assustador, as suas caras são de cimento cinzento e o pânico chega com
força / está tanto frio/ não há um grande emprego, não há nenhuma mensagem e
somos tão pequenos” - e as preocupações ambientalistas de Yorke também
estão presentes, em faixas como “The
Numbers” (“Somos da Terra / A ela
voltamos / O futuro está dentro de nós / As pessoas têm o poder / Os números
não decidem / Este sistema é uma mentira / Vamos recuperar o que é nosso”).
A
começar e a fechar o álbum (assim como um pouco por toda a parte) não estão
novidades, estão obras revisitadas. Há muito poucas canções que sejam uma
novidade absoluta - a intro de “Burn the
witch” já vinha sendo tocada há muito ao vivo, “True Love Waits” já é um clássico que nunca tinha chegado ao
alinhamento de um disco (excetuando uma versão ao vivo no EP “I Might Be Wrong”) mas muitas vezes às
setlists dos concertos, “Desert Island
Disk” tinha sido tocada ao vivo com “Silent
Springs”, que no disco novo acabou por se rebatizar “The Numbers”, em dezembro
de 2015. Dizia o produtor Nigel Godrich,
em 2012, sobre “True Love Waits”,
canção de fazer chorar que fecha o disco: “O
Thom precisa de acreditar que uma música tem razão para ser gravada. Podíamos
gravá-la e soar como o John Mayer, mas acho que ninguém quer isso”.
Os
perfeccionistas Radiohead esperaram
até terem o enquadramento perfeito para estas músicas, algumas delas muito
acarinhadas pelos fãs, e entregaram uma versão bem resolvida neste “A Moon Shaped Pool”. O que é que isto
quis dizer? Ninguém sabe bem: se calhar, propõe o “Guardian”, é uma maneira de pôr um ponto final na carreira da
banda; ou talvez, adianta a NME,
este não seja o “canto do cisne” e eles voltem em força daqui a
outros cinco anos (ou menos), com um álbum que não tenha “nada que ver” com o duelo entre o sonho e o pesadelo de “A Moon Shaped Pool”. Com Radiohead nunca se sabe.