“Tá difícil, mas vou aguentar”. A
mensagem piscou para a produtora. Ela pegou o telefone rezando. Há quatro horas
escrevera para Reynaldo Gianecchini,
perguntando se estava tudo bem. E o tempo passou, sem resposta, com o desespero
e o assédio da imprensa aumentando. Os jornalistas queriam saber se era verdade
que o ator havia morrido após o transplante de medula, para tratar um câncer.
O
artista havia sobrevivido para continuar a carreira e contar sua saga a Guilherme Fiuza, autor de Giane - Vida, Arte e Luta. Do livro
emergem amores, percalços e glórias, como abrir mão da bem-sucedida carreira de
modelo em Paris para virar ator brindado por azedas críticas e, depois,
premiado.
Cinematográfico
Ser
tema de uma biografia quando se tem 40 anos parece algo precoce, mas após a
cura da doença em público, além de voltar ao batente, vivendo o Nando da novela
Guerra dos Sexos (Globo/TV Bahia), o
artista passou a ser sondado por editoras, até decidir.
“O motivo foi o escritor, Guilherme Fiuza.
Sou muito fã dele, como jornalista. Tinha certeza de que ele ia fazer um
trabalho magnífico. Fiquei curioso para saber como ele iria contar minha
história e não me decepcionei”, explica Gianecchini, salientando que o
escritor fez da sua história uma narrativa dramática, “como um filme”.
A
narrativa de Fiuza rende realmente esta impressão, com trechos fragmentados e
apresentados de forma não linear, desde a abertura, em pleno hospital, onde o
intérprete que estreou na televisão como o Edu, de Laços de Família (2000), fazia os primeiros exames, sem prever sua
saga.
Fiuza
assumiu a missão de escrever o livro vindo de outros dois projetos no gênero
biografia: Meu Nome Não É Johnny
(que inspirou o filme) e Bussunda - A
Vida do Casseta. Ele teve apenas quatro meses para tocar a obra, pego de surpresa
pela proposta do editor Hélio Sussekind.
Encantamento
“Para escrever com a velocidade necessária,
tinha que ter encantamento, tinha que ter paixão”, explica o autor, que
correu a entrevistar 30 pessoas, além de se debruçar sobre documentos como jornais,
revistas e audiovisuais.
Fiuza
se impressionou com o vigor daquele homem que, aos 39 anos, havia passado por
uma verdadeira montanha russa, diante do diagnóstico devastador do linfoma de
células T Não-Hodgkin. E da perda do pai, para o câncer. “Eu nunca tinha visto, em 25 anos de carreira, alguém capaz de dar
entrevista por sete horas sem parar”, observa.
Foram
quase 50 horas de conversa com o artista e com atores, autores, diretores,
médicos, parentes, amigos. No livro, fatos jornalísticos são mesclados com
acontecimentos romanceados, tudo temperado com informações - de bastidores da
TV a corredores de hospital - ditas por gente como as atrizes Cláudia Raia e Carolina Dieckmann e o dramaturgo Silvio de Abreu.
Escorpião resistente
A
biografia trata do nascimento de Giane em Birigui (SP) e da festa, o mês
passado, dos seus 40 anos, com direito a convite mostrando o aniversariante
como um garoto sereno, segurando balões de soprar.
A
data de chegada ao mundo é levada bem a sério por Gianecchini. O único filho
homem dos professores Heloísa e Reynaldo nasceu em 12 de novembro de 1972.
Portanto, é escorpiano. Esta informação aparece uma boa meia dúzia de vezes no
livro. “Para ele isso é importante, essa
história do escorpião, que resiste às dificuldades. Eu sou o narrador, que
retrata - com meu estilo - a história real que contam”, explica Fiuza.
O
narrador reforça que não é condescendente com o personagem. Se em alguns
momentos ele parece projetar a simpatia pelo biografado, em outros revela uma faceta
menos afável do ator, como, por exemplo, quando, ao ser cercado por fãs em um
supermercado, na época em que acompanhava o pai doente, ele foi ríspido com uma
fã afoita.
Noutra
feita, gravando como o maquiavélico Fred na novela Passione, deu um piti no estúdio, como nunca alguém o vira dar, em
uma década na Rede Globo. Era um sinal de que aquele ser humano não se prestava
a rótulos, como destaca Fiuza: “Giane é
um cara muito mais profundo, mais interessante, complexo e louco do que imaginava”.
O
fato é que a doença, acompanhada pelos doutores Yana Novis e Vanderson Rocha,
foi um divisor de águas para Gianecchini. Ele passou a ser um exemplo de fé e
coragem, agregou credibilidade por sua postura e hoje é um ator
ultrarequisitado para publicidade.
Antes
da via-crúcis, quem consultasse a internet se deparava com informações
profissionais sobre Gianecchini e um enxame de fofocas ou fatos mal explicados.
Um exemplo era o conflito com o ex-empresário, de quem ele tentava resgatar um
imóvel, após fechadas as contas dos negócios e da relação.
A
boataria sobre a homossexualidade do artista ganha abordagem direta e objetiva
no livro, que ainda inclui o caso rocambolesco que o ator teria com o filho de Marília Gabriela - justo a mulher que
foi o grande amor da vida dele. O homoerotismo teria surgido depois que uma
amante do ator, casada, inventou a versão para tapear o marido. Justificativas
à parte, um bom leitor enxergará os fatos a partir da sutileza com que Fiuza
descreve a fase assexuada e a fase liberal do ator.
Um
capítulo especial é dedicado à Bahia. De passagem por Salvador, para um
trabalho no Festival de Verão, Giane
encontrou Preta Gil, que ficou de
lhe apresentar ao Carnaval. “A Bahia,
vamos combinar, é a revelação libertadora de Giane, pois ele foi sempre um
soldado, com disciplina férrea, e não viveu a juventude”, diz Fiuza. “Na Bahia, ele desbundou”. A boa terra é
mais - passou a ser o local das férias do ator com a família.