Ninguém
retratou melhor os adolescentes no cinema do que John Hughes. Desde que James
Dean fez o moleque rebelde, angustiado e em busca de um rumo no clássico Juventude Transviada, em 1955,
Hollywood passou a prestar mais atenção ao público que não era mais criança,
mas estava longe de ser adulto.
Algumas
décadas passaram até que, com A Garota
de Rosa Shocking e O Clube dos Cinco,
tudo ainda nos anos 80, Hughes colocou nas telas um grupo de jovens com voz
própria. O que seguiu foi uma série de filmes, entre dramas e comédias, em que
adolescentes davam o rumo, buscavam sua identidade e, com maior ou menos
sucesso, deixavam as plateias em todo o mundo com um sorriso no rosto.
Larry Clark não queria nada disso.
Fotógrafo
premiado, Clark foi influência no começo da carreira de Martin Scorsese (Taxi Driver),
Francis Ford Coppola (O Selvagem da Motocicleta) e Gus Van Sant (Drugstore Cowboy) com seu livro Tulsa que, em 1971, mostrava jovens da cidade homônima, no estado
americano de Oklahoma, usando drogas, fazendo sexo e brincando com armas.
Basicamente o oposto do que era “vendido” como lema da cidade, que representava
“amor jovem e valores familiares”, o que fora devidamente pulverizado com as
fotos de Clark – não apenas como observador mas, nativo de Tulsa, como
participante do ciclo auto destrutivo da juventude local. Anos passaram e Larry
continuou focado no lado menos colorido dos jovens, com os anos paradoxalmente
lhe aproximando daquele mundo.
O
interesse em dirigir um longa veio quando Clark já tinha 50 anos, ao conduzir o
vídeo de “Solitary Man”, de Chris Isaac. É claro que o tema seria a
juventude, e é claro que não seria um mundo ensolarado como nos filmes de John Hughes, em que a angústia
adolescente orbitava corações partidos e a distância do mundo adulto. O embrião
do que seria Kids foi o roteiro de Harmony Korine, então com 19 anos,
contratado pelo diretor para dar autenticidade ao mundo que ele tinha em mente.
Aos poucos o elenco, basicamente estreantes, foi se formando, com Leo Fitzpatrick e Justin Pierce como os jovens que, em pleno verão nova-iorquino, tem
como única preocupação andar de skate, fumar maconha e fazer sexo com virgens.
Duas amigas – interpretadas por Rosario
Dawson e Chloe Sevigny, ambas em
seus primeiros papéis – buscam a dupla, já que uma delas testou positiva para
HIV e quer impedir que o moleque, até então seu único parceiro sexual, mantenha
relações com outras garotas.
Clark
rodou Kids usando um estilo
documental, mesmo seguindo quase à risca o texto de Korine. Seu objetivo era
destruir a imagem de esperança que adolescentes geralmente tinham no cinema.
Conseguiu: niilista, o filme oferece uma visão opaca da sociedade e do modo
como os jovens são deixados à sua própria sorte ante um mundo que oferece pouco
além de diversões baratas, aditivas e perigosas. A reação em todo o mundo foi
imediata. Nos Estados Unidos o filme não escapou da censura NC-17, que manteve
fora dos cinemas justamente o público retratado em cena; na Inglaterra, seu
lançamento causou protestos de organizações conservadoras. A dobradinha
sexo/drogas, em especial ao chegar no cinemas no auge do pânico causado pela
AIDS nos anos 90, foi poderosa para manter o filme sob os holofotes. Comédias
adolescentes lançadas em seu rastro pareciam retratar a vida em Marte, e não
jovens de verdade. Parte da crítica enxergou em Kids um “alerta para o mundo moderno”, como colocou o New York Times, chamando atenção para os
jovens que seguiam um estilo de vida similar em grandes centros urbanos. Outros
viram o longa como pura e simples exploração fetichista, com uma noção conservadora
de seus temas embalada num pacote ousado e pós moderno.
Duas
décadas depois, essa “ousadia” ressurge quase cômica. O avanço da internet e
das redes sociais varreu o impacto de Kids,
posicionando uma visão mais precisa da pluralidade que é a vida de um
adolescente no mundo moderno. Visto longe de todo o barulho da época, o filme
se mostra uma bobagem narrativa que traz tanto os fetiches quanto as limitações
de Larry Clark como realizador. Seus
filmes posteriores, como Kids e os Profissionais (título picareta para Another Day in Paradise), Bully e Ken Park, não fugiram do mesmo tema de “adolescentes auto
destrutivos”, mostrando um “realismo” tão estereotipado e falso como o dos
filmes de John Hughes. Quem se
beneficiou de fato com o filme foram Rosario
Dawson (descoberta pelo diretor sentada na escada do prédio onde morava em
Nova York) e Chloe Sevingy, então
namorada do roteirista Harmony Korine,
que conseguiram ultrapassar a polêmica para construir carreiras sólidas.
Korine, por sua vez, também passou para trás das câmeras. Embora tenha uma
carreira irregular, ao contrário de seu mentor ele demonstra uma visão clara de
seu cinema, conseguindo firmar sua marca em filmes como Gummo, Trash Humpers e o
recente Spring Breakers.
Larry Clark, por sua vez, arrasta sua carreira aos 72 anos batendo
na mesma tecla. Seu filme mais recente, O
Cheiro da Gente, de 2014, retrata um grupo de skateboarders auto
destrutivos em Paris. A diferença é que agora as redes sociais entram na
mistura e o filme surja como um “alerta” para a banalização da prostituição, da
cultura das drogas e da vida nas ruas. Ninguém prestou atenção. O mundo, vinte
anos depois de Kids, está amortecido
e preguiçoso. Mas não há mais polêmica ou ousadia. Não há mais risco. Nem para Larry Clark, que comemorou as duas
décadas de sua estreia com o lançamento de uma coleção de skates e roupas da
marca descolada Supreme, que veste celebridades da hora como Kanye West, P. Diddy e Chris Brown.