terça-feira, 28 de julho de 2015

20 anos depois, os adolescentes sem rumo de Kids não causam mais polêmica

Ninguém retratou melhor os adolescentes no cinema do que John Hughes. Desde que James Dean fez o moleque rebelde, angustiado e em busca de um rumo no clássico Juventude Transviada, em 1955, Hollywood passou a prestar mais atenção ao público que não era mais criança, mas estava longe de ser adulto.

Algumas décadas passaram até que, com A Garota de Rosa Shocking e O Clube dos Cinco, tudo ainda nos anos 80, Hughes colocou nas telas um grupo de jovens com voz própria. O que seguiu foi uma série de filmes, entre dramas e comédias, em que adolescentes davam o rumo, buscavam sua identidade e, com maior ou menos sucesso, deixavam as plateias em todo o mundo com um sorriso no rosto.

Larry Clark não queria nada disso.

Fotógrafo premiado, Clark foi influência no começo da carreira de Martin Scorsese (Taxi Driver), Francis Ford Coppola (O Selvagem da Motocicleta) e Gus Van Sant (Drugstore Cowboy) com seu livro Tulsa que, em 1971, mostrava jovens da cidade homônima, no estado americano de Oklahoma, usando drogas, fazendo sexo e brincando com armas. Basicamente o oposto do que era “vendido” como lema da cidade, que representava “amor jovem e valores familiares”, o que fora devidamente pulverizado com as fotos de Clark – não apenas como observador mas, nativo de Tulsa, como participante do ciclo auto destrutivo da juventude local. Anos passaram e Larry continuou focado no lado menos colorido dos jovens, com os anos paradoxalmente lhe aproximando daquele mundo.

O interesse em dirigir um longa veio quando Clark já tinha 50 anos, ao conduzir o vídeo de “Solitary Man”, de Chris Isaac. É claro que o tema seria a juventude, e é claro que não seria um mundo ensolarado como nos filmes de John Hughes, em que a angústia adolescente orbitava corações partidos e a distância do mundo adulto. O embrião do que seria Kids foi o roteiro de Harmony Korine, então com 19 anos, contratado pelo diretor para dar autenticidade ao mundo que ele tinha em mente. Aos poucos o elenco, basicamente estreantes, foi se formando, com Leo Fitzpatrick e Justin Pierce como os jovens que, em pleno verão nova-iorquino, tem como única preocupação andar de skate, fumar maconha e fazer sexo com virgens. Duas amigas – interpretadas por Rosario Dawson e Chloe Sevigny, ambas em seus primeiros papéis – buscam a dupla, já que uma delas testou positiva para HIV e quer impedir que o moleque, até então seu único parceiro sexual, mantenha relações com outras garotas.

Clark rodou Kids usando um estilo documental, mesmo seguindo quase à risca o texto de Korine. Seu objetivo era destruir a imagem de esperança que adolescentes geralmente tinham no cinema. Conseguiu: niilista, o filme oferece uma visão opaca da sociedade e do modo como os jovens são deixados à sua própria sorte ante um mundo que oferece pouco além de diversões baratas, aditivas e perigosas. A reação em todo o mundo foi imediata. Nos Estados Unidos o filme não escapou da censura NC-17, que manteve fora dos cinemas justamente o público retratado em cena; na Inglaterra, seu lançamento causou protestos de organizações conservadoras. A dobradinha sexo/drogas, em especial ao chegar no cinemas no auge do pânico causado pela AIDS nos anos 90, foi poderosa para manter o filme sob os holofotes. Comédias adolescentes lançadas em seu rastro pareciam retratar a vida em Marte, e não jovens de verdade. Parte da crítica enxergou em Kids um “alerta para o mundo moderno”, como colocou o New York Times, chamando atenção para os jovens que seguiam um estilo de vida similar em grandes centros urbanos. Outros viram o longa como pura e simples exploração fetichista, com uma noção conservadora de seus temas embalada num pacote ousado e pós moderno.

Duas décadas depois, essa “ousadia” ressurge quase cômica. O avanço da internet e das redes sociais varreu o impacto de Kids, posicionando uma visão mais precisa da pluralidade que é a vida de um adolescente no mundo moderno. Visto longe de todo o barulho da época, o filme se mostra uma bobagem narrativa que traz tanto os fetiches quanto as limitações de Larry Clark como realizador. Seus filmes posteriores, como Kids e os Profissionais (título picareta para Another Day in Paradise), Bully e Ken Park, não fugiram do mesmo tema de “adolescentes auto destrutivos”, mostrando um “realismo” tão estereotipado e falso como o dos filmes de John Hughes. Quem se beneficiou de fato com o filme foram Rosario Dawson (descoberta pelo diretor sentada na escada do prédio onde morava em Nova York) e Chloe Sevingy, então namorada do roteirista Harmony Korine, que conseguiram ultrapassar a polêmica para construir carreiras sólidas. Korine, por sua vez, também passou para trás das câmeras. Embora tenha uma carreira irregular, ao contrário de seu mentor ele demonstra uma visão clara de seu cinema, conseguindo firmar sua marca em filmes como Gummo, Trash Humpers e o recente Spring Breakers.

Larry Clark, por sua vez, arrasta sua carreira aos 72 anos batendo na mesma tecla. Seu filme mais recente, O Cheiro da Gente, de 2014, retrata um grupo de skateboarders auto destrutivos em Paris. A diferença é que agora as redes sociais entram na mistura e o filme surja como um “alerta” para a banalização da prostituição, da cultura das drogas e da vida nas ruas. Ninguém prestou atenção. O mundo, vinte anos depois de Kids, está amortecido e preguiçoso. Mas não há mais polêmica ou ousadia. Não há mais risco. Nem para Larry Clark, que comemorou as duas décadas de sua estreia com o lançamento de uma coleção de skates e roupas da marca descolada Supreme, que veste celebridades da hora como Kanye West, P. Diddy e Chris Brown.