No
texto que escreveu para a introdução do livro Discobiografia Legionária, a jornalista fluminense Chris Fuscaldo é honesta ao contar que,
ao ser convidada em 2008 pela gravadora EMI
Music para escrever textos sobre os discos da Legião Urbana – banda cuja obra fonográfica estava então em
processo de reedição que seria concretizado em 2010 – duvidou se teria algo de
relevante a acrescentar sobre as gravações de álbuns já detalhados em livros
sobre Renato Russo (1960 – 1996) e
em textos sobre a própria banda. Lançado nesta primeira quinzena de dezembro de
2016 pela editora LeYa, o livro Discobiografia
Legionária é a extensão daquele trabalho de 2008, cuja edição (mal feita)
pela EMI gerou erros e a insatisfação da autora.
Para
o livro, Fuscaldo desenvolveu os
textos de 2008, fazendo novas entrevistas e apurando mais informações sobre a
obra fonográfica da Legião Urbana. A
discobiografia aborda não somente os oito álbuns de estúdio da banda de
Brasília (DF), criada em 1982 no vácuo da dissolução do grupo punk Aborto Elétrico, mas também os póstumos
discos ao vivo do grupo e a obra solo de Renato
Russo.
De
fato, as informações e os acontecimentos essenciais dos bastidores da gravação
dos álbuns de estúdio da Legião Urbana
já foram revelados, assim como o contexto em que os discos foram gravados.
Contudo, Fuscaldo avança nos
detalhes técnicos dos registros ao esmiuçar a gestação e nascimento de cada
álbum nesta discobiografia autorizada tanto pelos dois legionários
remanescentes, o guitarrista Dado
Villa-Lobos e o baterista Marcelo
Bonfá, como pelo herdeiro e administrador da obra de Renato Russo, Giuliano
Manfredini. Como não há grandes revelações na narrativa, a novidade reside
nesses pormenores técnicos, sobretudo os revelados por Mayrton Bahia, produtor fundamental na história da banda, tendo
conduzido com paciência as gravações de álbuns como Dois (1986), Que país é
este? 1978 / 1987 (1987), As quatro estações (1989), V (1991) e O descobrimento do Brasil (1993), sendo que os dois últimos foram
feitos com Bahia já desligado da EMI,
a gravadora detentora de toda a obra fonográfica da Legião.
Entre
as curiosidades, Fuscaldo conta que Bahia convenceu Russo a deixar de lado
o teclado Roland Juno 106 na gravação de Metal
contra as nuvens (Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá e Renato Russo, 1991)
para explorar novas sonoridades e detalha o artesanal processo de corte que
diluiu as excessivas camadas de Pais e
filhos (Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá e Renato Russo, 1991) e que gerou
atrito entre o produtor e o vocalista letrista da Legião, a ponto de Bahia ter
dado um ultimato, ou melhor, um corte no próprio Renato, na fase de mixagem,
para poder concluir a formatação da música que se tornaria um dos vários
grandes hits do álbum As quatro estações.
A mesma técnica de colagem artesanal se fez necessária para concluir Índios (Renato Russo, 1986), a verborrágica
canção que encerra o álbum Dois.
Nessa
parte inicial da discobiografia, os depoimentos de Jorge Davison (diretor artístico que contratou a Legião para o
elenco da EMI e que intermediou as reivindicações da banda junto aos chefões da
gravadora) e de Amaro Moço (técnico
de estúdio que se revelou fundamental no processo de gravação dos primeiros
álbuns da banda) contribuem para contextualizar o clima do ambiente em que
foram feitos discos como Dois. Já a
abordagens de alguns álbuns ao vivo póstumos da Legião, casos de Como é que se diz eu te amo (2001) e As quatro estações ao vivo (2004), são
mais superficiais, mas a descrição dos bastidores da gravação do programa Acústico MTV da banda – viabilizado e
exibido em 1992, mas lançado em CD e DVD somente sete anos depois, em 1999,
quando Renato Russo já estava fora
de cena – merece menção honrosa.
O
livro recupera parte do fôlego quando descreve o processo de criação da obra
solo de Russo, sobretudo o do álbum italiano Equilíbrio distante (2005). Mesmo que o teor de novidade seja baixo
para quem já conhece mais profundamente a história fonográfica da Legião Urbana, a discobiografia agrega
valor à bibliografia da banda, inclusive pela narrativa ágil de Fuscaldo, dona de texto de tom
jornalístico, escrito com objetividade e sem firulas. Mais do que o estilo,
importa a informação apurada com rigor e perpetuada neste livro para futuros
fãs de banda que vai continuar ganhando sempre novos e apaixonados ouvintes
pela perenidade, e pela verdade, das músicas dos álbuns legionários.