Até
1997, a imagem que Madonna tinha
perante a maior parte da mídia e do público era a prostituta sem pudor, devido
ao controverso e icônico álbum 'Erotica'
(1992). Nem mesmo seu trabalho no álbum 'Bedtime
Stories' (1994) e na trilha sonora de 'Evita'
(1996) conseguiu fazer com que outras facetas da cantora se sobrepusessem
àquela estabelecida em por 'Erotica'.
Mas
no dia 22 de fevereiro de 1998, uma nova era e uma nova imagem de Madonna viriam para mudar para sempre a
história da música pop, pois álbum 'Ray
of Light' trouxe uma infinidade de novidades. Primeiramente, a cantora se
mostrou mais amadurecida e espiritualizada, por conta do nascimento de sua
primeira filha Lourdes Maria e pelo
contato com a Cabala e filosofias orientais. A própria voz de Madonna foi reinventada: o treinamento
vocal durante a era 'Evita' elevou
as cordas vocais da cantora a um patamar superior. Também é importante lembrar
que a cantora co-compôs e co-produziu todas as faixas deste trabalho.
No
entanto, o que tornou 'Ray of Light'
tão icônico foi sua musicalidade, com suas letras mais refinadas e pelo fato de
ser um dos primeiros álbuns a trazer a música eletrônica e techno para o
mainstream americano, por causa do contato com DJs e produtores da Europa, onde
essa modalidade musical fervilhava. Obviamente, já havia música desse tipo
sendo feita nos Estados Unidos, mas reduzida a nichos e sem alcance a nível
global que este álbum proporcionou.
Essa
nova persona foi uma verdadeira força da natureza, arrebatando público e
crítica. Não bastando ter ganhado quatro Grammy Awards, incluindo o de melhor
álbum vocal pop, 'Ray of Light'
ainda consta na consagradíssima lista dos 500 melhores álbuns de todos os
tempos da revista Rolling Stones e
recebeu elogios por ter a coragem ostentar um pop maduro e de certa forma
avant-garde em um período onde as rádios eram dominadas pelo teen pop dos
primeiros trabalhos de Britney Spears
e Christina Aguilera e
girlbands/boybands como Spice Girls
e Backstreet Boys. Elogios também
foram dados pelo público na forma de vendas: 'Ray of Light' já conta com mais de 20 milhões de cópias
comercializadas mundialmente.
Veja
nossa análise faixa a faixa
1. Drowned World/Substitute for Love
O
terceiro single e primeira faixa do álbum tem a missão de apresentar a nova
sonoridade para o ouvinte. Para isso, Madonna
utiliza a voz com uma suavidade inédita até então e uma melodia igualmente
tranquila, que tende ao soft rock e trip hop, aliando sintetizadores etéreos e
guitarras. A faixa fala sobre a fama, que traz vários benefícios, mas dificulta
as relações interpessoais pelo medo de se estar atraindo aproveitadores. Isso é
mostrado no clipe, onde muitas pessoas de rostos distorcidos tentam se
aproveitar da fama de Madonna, que
encontra amor de verdade apenas na sua filha.
Esta
faixa tem samples de 'Why I Follow The
Tigers', de San Sebastian Strings.
2. Swim
Mantendo
a suavidade, essa faixa ganha barulho de água e acordes de guitarra e bateria,
elevando as influências do soft rock. Sua letra fala sobre as coisas negativas
do mundo (como atentados, estupros, etc.) e a forma com que Madonna consegue não se deixar abalar
por isso, fazendo referências aos poderes purificadores e calmantes da água.
3. Ray of Light
Uma
das canções mais famosas da carreira de Madonna
(e segundo single do álbum) nada mais é do que um cover. Super incrementado e
modificado, mas ainda um cover da faixa 'Sepheryn',
de Curtiss Maldoon. É a faixa mais
dinâmica e dançante do álbum, com uma rica instrumentação que começa com riffs
de guitarra, mas logo explode em um êxtase de sintetizadores, teclado e bipes
que tendem ao trance, ao eurodisco e ao dance. Sua letra basicamente fala sobre
como somos pequenos diante do universo, mensagem que é passada no clipe com a
aceleração de cenas cotidianas, automáticas e de certa forma vazias, em
contraste com a nova visão espiritualizada de Madonna.
4. Candy Perfume Girl
Depois
de três faixas com sonoridade eletrônica e temas profundos, essa faixa parece
ser o estranho no ninho. 'Candy Perfume
Girl' tem uma sonoridade quase totalmente soft rock e é uma mera canção de
amor, apesar de não podermos desconsiderar a construção refinada e rebuscada da
letra.
5. Skin
Voltando
ao esplendor eletrônico, 'Skin' é a
faixa mais longa do álbum, que contrasta uma voz delicada e macia com
distorções eventuais e uma batida de sintetizadores que esperaríamos encontrar
em uma rave dos anos noventa, com alguns elementos do Oriente Médio. Sua letra
fala sobre a importância do físico em um relacionamento e o desejo de não
repetir erros cometidos no passado, o que em um contexto geral pode parecer uma
referência à era 'Erotica'.
6. Nothing Really Matters
O
quinto e último single do álbum é uma faixa synthpop que começa de forma lenta,
mas logo explode em sintetizadores e bateria, com tendências ao house. Sua
letra fala sobre o amor, mas de uma forma mais geral, tocando em sua
importância. As influências japonesas da melodia são refletidas no clipe, que
foi influenciado pelo livro 'Memórias de
uma Gueixa', de Arthur Golden,
fazendo várias referências aos quatro elementos (ar, água, fogo e terra) e
contrapondo uma Madonna chorosa de
quimono preto e outra divertida de vermelho. O que as diferencia basicamente é
o conhecimento do amor (não necessariamente romântico).
7. Sky Fits Heaven
Um
grande single em potencial, essa faixa cita os estudos espirituais de Madonna, falando sobre ouvir o coração
e cultivar o lado espiritual, com influência dos versos do poema 'What Fits?', de Max Blagg. Sua melodia é maravilhosa, mantendo a aura altamente
eletrônica e repleta de sintetizadores etéreos e batidas de teclado eletrônico,
mas acrescentando elementos pesados da música japonesa, o que foi explorado na
turnê 'Drowned World Tour', que
começou em 2001.
8. Shanti/Ashtangi
Esta
faixa nada mais é do que uma oração em sânscrito que ganhou uma roupagem
eletrônica uptempo. É uma canção totalmente incomum, mas é uma peça importante
para compor o ambiente espiritual que vem sido construído desde o começo do
álbum.
9. Frozen
Sendo
o primeiro single do álbum, 'Frozen'
teve a responsabilidade de mostrar para o mundo a nova cara de Madonna. E a escolha não podia ser mais
acertada. Apesar de ser uma balada, esta faixa tem um ritmo levemente dançante
por causa da aliança entre a percussão oriental que fisga o ouvinte desde o
começo, sintetizadores delicados e violino que aparece em certos trechos. Tudo
isso acompanha a voz delicada e os murmúrios de Madonna, acompanhando uma letra que fala sobre a frieza emocional
de um homem, mas que pode ser extrapolada para outros tipos de relacionamento.
Seu
clipe, escuro, místico e até mesmo um pouco assustador traz a frieza evocada
pela letra. Madonna é um tipo de
bruxa do deserto que se transforma em um bando de corvos e em um cão em dado
momento. Por ser repleto de símbolos, merece um texto dedicado a analisá-lo.
Em
2005 Salvatore Acquaviva, cantor
belga, acusou a cantora de plagiar sua música 'Ma Vie Fout L'Camp', impedindo a comercialização da música na
Bélgica. Após recorrer, Madonna
venceu o processo em 2014.
10. The Power of Good-Bye
O
quarto single de 'Ray of Light' é uma
das baladas mais aclamadas de Madonna.
Com instrumental pop dominado por sintetizadores com uma grande influência do
trip hop e da música ambiente, 'The Power
of Good-Bye' fala sobre desapego, tocando no quão libertador pode ser se
libertar de um relacionamento.
Seu
clipe, com uma forte paleta puxada para azul e verde mostra uma briga de casal
seguida de uma caminhada na praia, não ficando óbvio se Madonna se matou se
atirando ao mar ou não. Pelo contexto do álbum, que exalta o poder purificador
da água, provavelmente a resposta é não, e a Madonna sentada na colina não é um espírito, mas apenas seu
personagem mais calmo e pensativo.
11. To Have and Not To Hold
Esta
faixa parece dar seguimento a 'The Power
of Good-Bye', tanto a respeito da letra quanto da instrumentação. Os
sintetizadores trip hop dessa balada se mantém, mas podemos perceber também
influência da bossa nova. Já a letra se mantém no campo do desapego, evocando o
quão prejudicial pode ser manter ao lado alguém nocivo.
12. Little Star
A
maternidade costuma ser um evento que muda a vida de uma pessoa. E com Madonna
não foi diferente: usando uma profusão de sintetizadores suaves (que podem
parecer bagunçados em alguns trechos) e percussões discretas, ela canta seu
amor por sua primeira filha, Lourdes Maria.
13. Mer Girl
Assim
com 'Little Star', a última faixa de 'Ray of Light' explora a relação mãe e
filha, mas dessa vez com Madonna na
posição de filha. A mãe da cantora, que morreu quando ela tinha apenas cinco
anos, sempre foi uma fonte farta de inspiração, o que é visível em músicas como
'Promise to Try' e 'Mother and Father'. Aqui, a cantora faz
uma verdadeira meditação sobre um sonho que teve com sua mãe, de uma forma
praticamente recitada e contando apenas com um leve sintetizador como
instrumentação. É a faixa menos comercial e mais difícil de digerir do álbum,
mas tem uma beleza e uma delicadeza difíceis de encontrar no mainstream.
Nenhum comentário:
Postar um comentário