quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Lulu Santos, Anitta e a “fase anal” da música popular brasileira

Cornetar é um termo muito utilizado no futebol, quando torcedores encontram algum motivo, mesmo que pífio, para criticar algum jogador, treinador ou algum membro da comissão técnica. Este é um verbo que pode ser muito bem aplicado no mundo da música, afinal, toda semana temos algum lançamento de grande porte para fãs e haters demonstrarem opinião pela internet.
Alguns artistas preferem colocar lenha na fogueira em coletivas, em algum verso escondido em alguma composição ou em suas redes sociais. Um jogador ou um artista tem um poder imenso ao cornetar. Isso vira pauta, instiga a opinião dos fãs e abre espaço para opiniões esdrúxulas – que você ouve em algum churrasco de sua família por algum familiar bêbado.

A última cornetada que vimos foi com o lançamento de ‘Vai Malandra’, novo hit de Anitta. Para alguns, o vídeo é uma obra de empoderamento para mulheres: celulite, diversos tipos de beleza expostos, enaltecimento da mulher periférica. Para outros, é uma obra para problematizar: 1) o clipe foi gravado por Terry Richardson, fotógrafo com histórico pesado de assédios durante a sua carreira; e 2) a insistência de transformar qualquer som de Anitta para produto de exportação – neste caso foi a inserção de Maejor na faixa cantando em inglês. Dava para ter bancado o som ‘apenas’ com Tropkillaz, DJ Yuri e Zaac, né? Inclusive fizeram uma “versão” sem Maejor.

A maior cornetada que presenciamos foi de um cantor que tem muita importância na música brasileira: Lulu Santos. Quando eu vi o nome do músico dentre os assuntos mais comentados no Twitter, achei que fosse algo relacionado ao programa que ele participa, o The Voice. Antes fosse. Fui direcionado para um tweet com os seguintes dizeres: “Caramba! É tanta bunda, polpa, bum bum granada e tabaca q a impressão q dá é q a MPB regrediu pra fase anal. Eu, hein?”.

Bem, se é a instituição Lulu Santos dizendo uma coisa dessas, abre precedente para muita coisa. No grupo de WhatsApp da minha família não é um espaço que falamos muito sobre música. Na verdade é aquele ritmo de qualquer grupo de família por lá. Bom dia, boa tarde e boa noite de alguns membros e fotos com alguma montagem tosca.

Ontem eu recebi uma montagem com a bunda d’Anitta com a frase do Lulu Santos de um tio que eu nunca conversei sobre música. É um cara que nem ouve nada, mas está antenado nos grupos reaças espalhados por aí. Se você acompanhar a thread de comentários deste tweet, ler a nota em algum portal popular ou mesmo no YouTube, verá que o comentário isolado de Lulu teve um grande impacto e tirou da toca pessoas que tem uma visão parecida com o cantor de ‘Tempos Modernos’.


Por mais que Lulu Santos bata no peito em sua conta em dizer que promove a música de morro por toda a sua carreira, dizer uma frase desta é um pouco contraditório, não? “Levei o Mr Catra pro RIR, toquei 3 anos com SanyPitbull, gravei Marcinho e com Buchecha (q alias RT este post). Agora senta”, postou o músico. Bem, se ele gravou com funkeiros dá direito de cornetar uma artista que nem a Anitta? Não.

Hoje, ela é a maior artista do Brasil e isso deve doer para alguns. O som praticado por Anitta tem um pé na periferia, mas atinge a todas classes. Lulu Santos disse que foi um comentário isolado e não tinha como intenção bater de frente, e sim, pelo o que vem praticado pela Música Popular Brasileira.

Se vc vê odio numa opinião vc está paranoico. Ñ me refiro exclusivamente ao funk muito menos a Anitta, q admiro. Tb ñ falo da dança mas das letras sexistas, derrogatória e babonas”, respondeu para alguma pessoa em sua conta. O grande problema é que não é uma opinião paranóica. Qualquer artista com um pingo de consciência sabe o poder de suas palavras. Se um fã segue o que você canta, por que ele não vai reproduzir algum pensamento para o seu grupo ou fazer alguma montagem para espalhar por aí?

Q fique bastante claro q minha opinião sobre as letras escatológicas, pessoal, intransferível e soberana, nada tem a ver com @anitta d quem gosto e a quem respeito, muito menos com as periferias onde se continua fazendo excelente arte e vida. Respeito! Grato.

O Lulu Santos diz que promoveu o funk levando nomes lendários para Rock in Rio ou dividir o palco com ele. Sendo assim, por que não dividir a sua experiência com a nova safra? Afinal, ele é um baita cantor, compositor e músico. Talvez com a sua contribuição a música popular saia mais rápido da “fase anal”.

Eu comecei o texto falando sobre futebol e gostaria de terminar com isso também. Tem uma frase famosa de Romário sobre um dos maiores jogadores da história e que poderia ser aplicada também para o Lulu Santos: O Pelé calado é um poeta.

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