Jessiane Fernandes é formada em Pedagogia, com Especialização em
Psicopedagogia. Atualmente é professora e coordenadora pedagógica na cidade de
Caicó-RN. Já morou na Turquia, Natal,
Carnaúba dos Dantas. É mãe de Alec
um menino maravilhoso!
Ponto Zzero: O que te levou a escolher
essa profissão?
Fui ser pedagoga em busca apenas de um
diploma em nível superior, não queria ser professora, achava a profissão muito
árdua. Porém, no meio do curso uma professora chamada Olga na disciplina de
didática me fez mudar de opinião, quis ser professora para fazer a diferença,
pelo menos naqueles que eu conseguisse alcançar como alunos. Percebi que a
educação pode mudar o mundo, como diz nosso amado Paulo Freire, pois ela muda pessoas e as pessoas mudam o mundo. Assim como eu cresci dentro da minha
profissão, outras pessoas podem crescer, e esse crescimento aconteceu por meio
da educação.
Ponto Zzero: Como é sua relação com
seus alunos?
Amo meus alunos, me realizo na sala de
aula. Já fui vice-diretora e preferi voltar para sala de aula, aprendo muito
com eles, é uma troca, quem acha que professor só ensina está enganado. Porém,
existem alguns momentos difíceis, alunos que chegam ao 4º ano sem estar
alfabetizados, a indisciplina em alguns momentos é difícil de controlar. Mas,
tive a sorte de até o momento conseguir dar conta do que me propôs a fazer.
Ponto Zzero: Para você, qual é a
principal dificuldade que um docente enfrenta no dia a dia? E o que é mais
gratificante?
Hoje acredito que é a indisciplina e a
falta da presença familiar na escola. Somos uma parceria, uma via de mão dupla,
se apenas uma via funcionar as coisas podem até acontecer, mas de forma mais
difícil. A falta de interesse de uma parte significativa dos alunos também é
preocupante, essa falta de interesse não é só na escola, é na vida. Pessoas sem
sonhos, sem projetos, isso me deixa inquieta, pois, busco mostrar de onde vim,
o que consegui, pra tentar inspirar os alunos.
Ponto Zzero: O que te motiva a dar
aulas?
Além de gostar, eu aprendo muito, pois
a gente estuda muita coisa que a nossa memória até sabia, mas estava esquecida.
A troca com os alunos é fantástica, saber os conhecimentos prévios deles nos
faz olhar às vezes por ângulos que a gente não tinha pensando, em determinados
assuntos. A pureza da criança nos leva para um lugar onde os adultos já
passaram e esqueceram então estar com eles me faz voltar nesse lugar tão
especial de ver a vida com outros olhos.
Ponto Zzero: Na sua opinião, a figura
do professor é valorizada?
É, mas não da forma que deveria. Todos
quando crescem valoriza o professor que marcou, mas durante o processo, às
vezes não. Hoje percebo nessa sociedade que trabalha fora, que a
responsabilidade de educar os filhos está sendo transferida para escola, quando
na verdade a escola é para ensinar conteúdos, é claro que ela ajuda também na
educação, mas é como se os papeis estivessem todos com a escola. A questão
salarial também, os professores melhoraram um pouco o salário com o FUNDEB, mas este
foi um projeto de lei que acaba o próximo ano, já estamos apreensivos. As
licenciaturas de forma geral não são valorizadas, se você observar quando as
pessoas vão fazer o ENEM se querem alguma licenciatura dizem: você tem certeza?
Professor não ganha dinheiro, vá fazer algo melhor! No entanto, quando o
professor faz greve é taxado de vagabundo, que não quer trabalhar. Nós não
gostamos de fazer greve, é nosso último instrumento. Além do desgaste de uma
greve, nós perdemos nossos dias de férias depois, pois temos que pagar os dias
parados. Então, quando fazemos greves, nós trabalhamos duas vezes.
Ponto Zzero: Fale, inicialmente, sobre
sua formação profissional, as atribuições do seu cargo na cidade de Caicó-RN, e como chegou a se interessar
pelo trabalho de conscientização (seus projetos)?
Trabalho num bairro carente, que já
foi uma favela e na zona rural. Percebo muitas necessidades desde calçamento,
remédio em posto, praças, ruas com esgotos a céu aberto. Além da minha
consciência como cidadã, a gente cria uma laço afetivo com os alunos, a gente
quer que eles cresçam da melhor forma possível, indo pelo caminho do bem,
estudando sempre. Mas, é difícil não ter um espaço para brincar, alguns nem na
frente da sua casa pode brincar devido o esgoto. Essa solidariedade que surgiu
tentando melhorar a vida dos alunos num contexto social, me fez junto com a
minha amiga e professora do 5º ano da mesma escola, realizar um projeto
cidadania na escola, além de explicar para os alunos o que é cidadania, nós
estendemos até os pais com entrevistas, depois fizemos a tabulação dos dados
juntos e foi um projeto que deu muito certo. Eles perceberam quais os problemas
que existiam no bairro, o que precisava mudar, fizemos um ato público no bairro
para conscientizar a população, depois fomos convidados para um programa na Rádio
Rural e finalmente entregamos um relatório com as mudanças que queremos no
bairro na Câmara Municipal dos Vereadores. Não sabemos se seremos atendidos,
mas a nossa parte como cidadãos fizemos.
Ponto Zzero: Seu trabalho é marcado
por ousadia, na forma de trabalhar e principalmente pelo engajamento nas causas
sociais. Como se dá esse processo no seu município?
Quando sentimos a injustiça na pele,
com atrasos em nosso pagamento, com escolas estruturalmente despreparadas, com
salas fechadas há anos e a gestão passando de uma para outra, a revolta se
torna em combustível para coragem, a luta é consequência. Quando se é um
cidadão esclarecido, e por isso a educação é tão importante, a gente enxerga
problemas que a maioria não enxerga e como educadora tenho o dever de externar
esses problemas, do contrário estaria sendo covarde.
Ponto Zzero: A violência sempre
existiu, de uma forma ou de outra, dentro e fora do ambiente escolar, nos
diferentes tempos históricos. Mas agora a coisa está cada vez mais e mais
intensa e assume formatos peculiares ao nosso contexto social. O que tem gerado
o aumento desse fenômeno na escola?
A ausência dos pais, no sentindo de
limites, de conhecer com quem seu filho caminha, é um dos motivos. As drogas
têm levado crianças e adolescente para um caminho difícil, a pobreza extrema de
não se ter o que comer, é por isso que a ajuda social é tão importante. Tenho
alunos que os pais não deixam faltar nas aulas por causa do Bolsa Família, se
não fosse isso eles estariam trabalhando ou pedindo nas ruas.
Ponto Zzero: Você acha que a
massificação do ensino, da educação, foi geradora de violência no ambiente
escolar, em decorrência da escola não estar preparada para lidar com esse
aumento quantitativo de alunos, por falta de incentivo do Governo, e até com a
diversidade de valores, de hábitos, de costumes, que esse novo público trouxe
para a escola?
A escola de hoje é muito diferente da
escola do passado, pois antes o acesso a ela era pouco e direcionado. Agora é
aberta a todos, e como é aberta a todos temos alunos com deficiências, alunos
com dificuldades de aprendizagem, alunos com o raciocínio lógico perfeito,
outros com a leitura e interpretação nas alturas, e isso é difícil de coordenar
numa sala de aula, você tem que preparar aula para atingir a todos e nem sempre
o professor consegue. Eu acho que essa
violência na escola vem da educação dos alunos, se ele tem uma boa educação em
casa não teria um comportamento difícil, é claro que isso não é regra. É por isso
que é tão importante a família em conjunto com a escola. A escola não está
preparada nos seguintes casos, quando o aluno é surdo, se o professor não
souber LIBRAS ou não tiver um interprete ficará difícil a participação do aluno
na aprendizagem, o governo peca no sentindo de fazer as leis que são
maravilhosas de inclusão, mas nas escolas muitas vezes não temos as condições
necessárias para atender essa demanda. É preciso melhorar essa questão, para
que TODOS tenham acesso ao conhecimento.
Ponto Zzero: Gostaríamos que você
falasse um pouco sobre o trabalho desenvolvido na rádio escola na Cidade de
Caicó-RN.
A rádio foi uma conquista de um
projeto PIP (Projeto de Inovação Pedagógica) do governo estadual junto ao Banco
Mundial, a escola elabora um projeto e após a autorização deste projeto podemos
comprar o material necessário. Na nossa escola além da rádio, fizemos uma horta
escola. Nossa rádio funciona a 1 ano e meio. Com temas que tenham haver com a
comunidade, que é zona rural. No início como os alunos estavam produzindo um
cordel, eles liam seus cordéis na rádio escola. Este ano eles produziram
relacionado aos projetos que ocorreram durante o ano na escola como a violência
contra mulher e a valorização da vida.
Ponto Zzero: É você que organiza...
No primeiro ano organizei o conteúdo
da rádio escola, pois sou coordenadora pedagógica, neste ano deixei com os
professores, pois como eles estão no dia a dia com os alunos de forma mais
presente, achei que a aprendizagem junto aos professores seria mais eficaz.
Próximo ano estou com um projeto que tem haver com cidadania e pretendo fazer
um programa toda quarta-feira com os alunos e expandir para a net, com lives.
Ponto Zzero: A partir da implantação
deste trabalho, você têm percebido melhoras na vida diária das escolas, no
cotidiano da cidade?
Pelo menos, as pessoas estão mais
atentas para os problemas, antes elas conviviam com eles, viam, mas não
enxergavam. Enxergar o problema já é um avanço, depois é partir para a solução
dele.
Ponto Zzero: Como enxerga a educação
no país hoje? O que poderia ser diferente?
O investimento em educação vem caindo
consideravelmente, é preciso melhorar os cursos de licenciatura na prática da
sala de aula, é necessário equipar as escolas para que o aluno tenha
conhecimento em diversas áreas, não há laboratórios de ciências, não há
bibliotecas, não há laboratórios de informática em muitas escolas. É a sala de
aula, um quadro e você. E o professor tem que ser muito criativo para segurar o
interesse do aluno durante os 200 dias letivos só com um um quadro e ele. As salas
de AEE já são uma realidade que antes não existia e ajuda bastante ao professor
com os alunos com necessidades educacionais especiais, pois atendem em turno
contrário ao da sala de aula.
Ponto Zzero: Qual conselho você daria
para quem planeja seguir essa carreira?
É uma carreira árdua, mas
gratificante, não me imagino sem ela hoje. Quem busca salários altos
dificilmente encontrará nessa profissão, é preciso estudar sempre, precisamos
entender das leis para cobrar nossos direitos. Os desafios são diferentes a
cada ano, com a mudança dos alunos. Você nunca sabe como será e isso é
maravilhoso. O meu maior presente é quando eu vejo o aluno que não sabia ler e
aprendeu. Quando o encontro depois de anos e ganho aquele abraço, dizendo
professora bem que você dizia, em diversos assuntos. Tem 7 anos que estou nessa
profissão, ainda não foi possível vê-los adultos, mas eu espero que sejam muito
felizes em suas vidas e que andem sempre pelo caminho do bem.
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