Às
vezes é difícil para a ficção contar uma história real, ainda mais uma que
pareça tão direta e simples. É um cenário onde facilmente o contador de
histórias pode cair na velha armadilha da enrolação, de inventar elementos
demais para preencher as lacunas e esticar a trama além do necessário, já que
há também um serviço com a veracidade dos eventos. Com Sully: O Herói do Rio Hudson, o cineasta Clint Eastwood claramente tem problemas para manter o feito heroico
do protagonista envolvente por seu curto tempo de duração, mas o resultado
acaba pendendo mais para o positivo.
A
trama dramatiza os eventos de Janeiro de 2009, quando o piloto Chesley ‘Sully’ Sullenberger (Tom Hanks) foi forçado a realizar um
pouso de emergência no rio Hudson, logo após algumas aves danificarem as
turbinas de seu avião. Carregando mais de 150 passageiros, o ato de Sully
conseguiu deixar todos saírem com vida, em algo sem precedentes na história da
aviação americana. Porém, a vida de Sully vira um tumulto com a pressão da
mídia e da seguradora da companhia aérea, que acredita que o capitão poderia
ter retornado ao aeroporto sem ter destruído a aeronave.
Eu
sei o que você está pensando. Piloto de avião que faz uma manobra arriscada e
sortuda para salvar um grupo de passageiros e depois ter sua atitude heroica
questionada pela mídia e grandes corporações? Exato, é a mesmíssima premissa de
O Voo, filme de Robert Zemeckis com Denzel
Washington que foi claramente inspirado nos eventos do Milagre no Hudson. E
ainda que tivesse seus problemas, o filme de 2013 é consideravelmente mais
interessante do que Sully, já que ao menos beneficiava-se de um protagonista
nada confiável e que no fundo sabíamos ser um canalha, enquanto Sully é
inegavelmente uma boa pessoa, e vê-lo atravessar essa dor de cabeça de
audiências e questionamentos da imprensa é um exercício de paciência, já que
temos plena consciência de que todos ao redor estão errado.
É
aí que o roteiro de Todd Komarnicki
deixa a desejar, já que parece direto demais e sem muita criatividade na forma
de elaborar a situação. Não temos muito diálogos memoráveis ou grandes insights
sobre os personagens, ainda que o discurso final de Sully durante sua audiência
com a empresa aérea seja de fato inspirada (assim como a bem-vinda piadinha do
personagem de Aaron Eckhart). Porém,
o fato de termos cenas de Sully aprendendo a voar quando criança, pousando um
caça pela primeira vez ou todo o drama que o personagem passa pelo telefone com
sua mulher – sem falar nas filhas que nunca vemos em cena – acrescentam em
muito pouco.
O
que torna a experiência interessante é o talento de Clint Eastwood, que mantém um bom controle da narrativa durante boa
parte de sua duração de 90 minutos. O diretor acerta ao manter Sully isolado
durante os momentos intimistas, apostando em planos abertos que diminuem o
personagem em relação ao mundo, ou closes que tentam fazer o espectador
literalmente entrar na cabeça do piloto. Porém, é mesmo a tal cena da queda do
avião que deve interessar à maioria, e Eastwood faz um trabalho excelente ao
manter a tensão e o perigo em uma escala crescente, algo que deve-se muito ao
ótimo trabalho de mixagem de som do filme, cujos efeitos sonoros antecipam a
queda da aeronave com realismo e imersão. Créditos também para o fato de que
vemos essa sequência da queda durante três momentos diferentes, e Eastwood as
dirige como se fossem diferentes, graças à troca de pontos de vista (em uma
vemos os passageiros, na outra nunca deixamos a cabine do piloto, na terceira
vemos a Marinha) e sua ótima condução.
O
outro grande responsável por nos manter entretidos é o grande Tom Hanks. Com um visual marcante que
inclui um bigode branco classudo, Hanks é eficiente ao trazer a calma e
sabedoria de Sully até mesmo durante seus momentos mais tensos, jamais levando
sua performance para algo grandiloquente ou dramático demais. Mesmo sofrendo
tanta pressão e ciente de sua razão, Hanks mantém o nível de voz baixo quando a
maioria das pessoas já estaria explodindo e quebrando paredes, rendendo esta
que é uma de suas atuações mais sutis. Vale apontar também as ótimas cenas em
que Hanks contracena com o subestimado Aaron
Eckhart, onde podemos ver ali uma relação de camaradagem forte e divertida.
Prejudicado
pela simplicidade da história e a dificuldade em torná-la atraente em níveis
temáticos, Sully: O Herói do Rio Hudson
torna-se competente graças ao ótimo trabalho em conjunto da performance de Tom Hanks e da direção de Clint Eastwood. Uma boa homenagem ao
feito histórico do Capitão Sully,
mas confesso que uma carreira de cocaína com Denzel Washington deixou a história bem mais interessante…
Sully: O Herói do Rio Hudson (Sully) – EUA, 2016
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Todd Komarnicki
Elenco: Tom Hanks, Aaron
Eckhart, Laura Linney, Anna Gunn, Mike O’Malley
Duração: 96 min