sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Blood Orange questiona barreiras em disco que vai além do r&b

Músico que passou pelo punk (com a banda Test Icicles) e pelo folk-pop (sob a persona Lightspeed Champion), o inglês Dev Hynes, de 30 anos, nunca se conformou com as caixinhas aos quais era confinado. Menos ainda agora, com “Freetown sound”, seu terceiro álbum na encarnação r&b, Blood Orange. Nele, Hynes combina a herança evidente de Prince (de usar, ambiciosamente, as diversas cores da paleta musical do seu tempo) com uma mensagem de inconformismo em relação aos diversos e perenes cerceamentos (raciais, sociais, sexuais). Um impulso comum a ótimos discos recentes, de “Black messiah” (D’Angelo) e “To pimp a butterfly” (Kendrick Lamar) ao “Lemonade” de Beyoncé (como nada é por acaso, o inglês andou colaborando com Solange Knowles, irmã da diva).

As canções não são exatamente o foco de “Freetown sound”. Não há um candidato cristalino a hit, como era “You’re not good enough” no álbum anterior, “Cupid deluxe”. O que está em questão aqui é o clima geral do álbum, uma espécie de desfile de fantasmas do pop negro dos anos 1980, com interpolações jazzísticas, belezas esparsas (como a multiplicação de vozes gospel da faixa de abertura, “By ourselves”) e intervenções de textos falados (seja de “Paris is burning”, documentário sobre a cena drag de Nova York, ou um poema sobre a importância da rapper Missy Elliot para a imagem da mulher negra americana).

De qualquer forma, há canções boas de sobra nesse disco. Por sua sensível tapeçaria sonora e cuidado com os vocais, “Augustine” pode entrar para a lista de grandes faixas do r&b dos anos 2010, ao lado de Miguel e Janelle Monáe. “E.V.P.” recicla Prince com distanciamento e personalidade. “Hands up” estabelece um clima luxuriante para lá de George Michael. E “I know” é pop barroco que poucos conseguem fazer. É isso: com “Freetown sound”, Dev Hynes entra para o jogo dos grandes.

Cotação: Ótimo.