Desde
o lançamento de Homem de Ferro em
2008, a Marvel Studios vem
aperfeiçoando a sua fórmula e se permitindo testar não apenas novos
personagens, mas novas experiências cinematográficas. E é exatamente essa a
sensação trazida por Doutor Estranho,
filme do diretor Scott Derrickson,
que traz o astro em ascensão Benedic
Cumberbatch na pele de Stephen
Strange, um renomado cirurgião que após sofrer um grave acidente
automobilístico, se vê incapaz de usar suas mãos como outrora. Aliás, é interessante perceber que exatamente
8 anos depois, Doutor Estranho é o
filme que mais se assemelha a Homem de
Ferro, ainda que consiga também ser o que mais difere de tudo que a Marvel
vem fazendo até então.
Criado
em 1963 por Stan Lee e Steve Ditko, já naquela época o
personagem era diferente de tudo que vinha sendo publicado no ramo dos
quadrinhos de super-heróis. As histórias de Strange mesclavam um pouco do
super-herói moderno (da época), com uma pitada de quadrinhos clássicos de
horror, misturados em um tom psicodélico e surreal trazido por Ditko em seus
desenhos, sempre representando os mundos, universos e dimensões visitados pelo
herói da forma mais bizarramente criativa e colorida possível. O personagem
esteve sempre acima do heroísmo, e seus roteiros fugiam do comum, brincando com
as possibilidades e tornando-se assim um verdadeiro exercício de imaginação.
Por
estar em uma mídia que exige uma maior simplicidade, o filme obviamente não
retrata toda a complexidade das melhores histórias do Doutor Estranho nos quadrinhos, mas o respeita, o honra, e traz um
visual absurdamente fiel à imaginativa arte de Steve Ditko. E talvez seja por isso que, mesmo sendo tão diferente
de tudo que a Marvel Studios já
apresentou no cinema, o filme ainda assim é mais parecido com Homem de Ferro do que outros do
estúdio. Desde a construção da narrativa, passando pela história de origem,
vemos em duas horas uma jornada que começa com um homem se considerando acima
de todos, de repente se vê quebrado, e
então ressurge de seu experimento traumático para se tornar algo que ele
jamais imaginou se tornar.
Mas
as semelhanças param por aí. Se até então a magia veio sendo tratada com
bastante cuidado dentro do Universo Cinematográfico Marvel para não causar uma
estranheza no espectador, agora o estúdio se sentiu confortável para trazê-la à
tona em todo seu esplendor. A magia que vemos em Doutor Estranho não tem explicações tecnológicas de outra dimensão
como em Thor, tratando-se finalmente
sem pudor algum de pura e simples… mágica. Se existia alguma barreira de
realismo que a Marvel ainda se segurava para quebrar, ela foi rompida de vez. A
magia que vemos no filme é ancestral, poderosa, ilimitada e cheia de possibilidades.
E é interessante imaginar o peso que tal acréscimo trará nesse universo,
principalmente com Vingadores: Guerra
Infinita chegando – filme que precisará lidar bastante com tais temas.
A
trama é simples, trazendo aquilo que os trailers já apresentavam, e que os fãs
do personagem já conhecem: sua história de origem. Então vemos Strange indo
buscar a cura para suas mãos (após a medicina falhar em todas as suas
tentativas) no Nepal, onde – literalmente – um novo mundo se abre diante de
seus olhos, e onde conta com a ajuda da Anciã (Tilda Swinton) e de Mordo (Chiwetel
Ejiofor) para aprender o que tudo aquilo significa. Enquanto conclui seu
treinamento, Strange acaba aprendendo sobre como a magia é utilizada para
proteger o planeta Terra, bem como a existência de Kaecilius (Mads Mikkelsen) um ex-aluno da Anciã
que debandou do Templo, com o objetivo de trazer a dimensão negra de Dormammu
para consumir a nossa.
Aqui
é necessário um parágrafo em especial, pois é conhecida a velha reclamação dos
espectadores, de que à exceção de Loki, todos os vilões da Marvel no cinema são
subdesenvolvidos e mal utilizados. Não concordo com esse pensamento, acredito
que cada vilão sempre cumpre o seu papel para aquele filme em questão, mas isso
não vem ao caso agora. O fato é que Kaecilius – para o bem ou para o mal – cai
na mesma fórmula. Para mim, o que mais incomoda aqui não é se o vilão é mal
utilizado, genérico ou esquecível, mas sim o ator que o interpreta. Mads Mikkelsen – outro ator em ascensão
em Hollywood – é um ator brilhante, que entrega uma ótima atuação, como já era
de esperar. Então diria que o grande problema não é o vilão mal utilizado. E
sim um ator mal utilizado. Mikkelsen merecia mais.
E
por falar em fórmula… não, não vá esperando que esse filme seja o mais ousado,
o mais diferente, ou ainda que tenha um tom completamente diferente de tudo que
a Marvel Studios vem apresentando – como alguns chegaram a pensar ou clamar por
aí. Como já disse acima, ele é diferente sim, ele entra em terrenos novos e
desconhecidos para o Universo Cinematográfico Marvel sim, mas a sua ousadia
fica por aí. A Marvel utiliza sua mesma fórmula de sempre, o que na minha
opinião é algo positivo. É o mesmo formato de filme bem construído, edição
coesa e roteiro simples e bem amarrado com a qual o estúdio conquistou o
público em 2008, fazendo com que o seu logo no início dos filmes tenha se
tornando sinônimo de qualidade e satisfação garantida (ainda que em maior ou
menor escala). Eles entendem isso, e eles não vão sair disso.
De
uma forma geral, diria que Doutor Estranho está longe de ser o melhor filme de
super-heróis da Marvel, mas é claramente um filme extremamente bem realizado e
que possui um coração. Ele traz a certeza – não que fosse algo necessário – de
que hoje a Marvel tem poder para colocar no cinema qualquer um de seus
personagens menos conhecidos, e torná-lo um sucesso comercial.
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