segunda-feira, 17 de abril de 2017

CRÍTICA | Doutor Estranho

Desde o lançamento de Homem de Ferro em 2008, a Marvel Studios vem aperfeiçoando a sua fórmula e se permitindo testar não apenas novos personagens, mas novas experiências cinematográficas. E é exatamente essa a sensação trazida por Doutor Estranho, filme do diretor Scott Derrickson, que traz o astro em ascensão Benedic Cumberbatch na pele de Stephen Strange, um renomado cirurgião que após sofrer um grave acidente automobilístico, se vê incapaz de usar suas mãos como outrora.  Aliás, é interessante perceber que exatamente 8 anos depois, Doutor Estranho é o filme que mais se assemelha a Homem de Ferro, ainda que consiga também ser o que mais difere de tudo que a Marvel vem fazendo até então.

Criado em 1963 por Stan Lee e Steve Ditko, já naquela época o personagem era diferente de tudo que vinha sendo publicado no ramo dos quadrinhos de super-heróis. As histórias de Strange mesclavam um pouco do super-herói moderno (da época), com uma pitada de quadrinhos clássicos de horror, misturados em um tom psicodélico e surreal trazido por Ditko em seus desenhos, sempre representando os mundos, universos e dimensões visitados pelo herói da forma mais bizarramente criativa e colorida possível. O personagem esteve sempre acima do heroísmo, e seus roteiros fugiam do comum, brincando com as possibilidades e tornando-se assim um verdadeiro exercício de imaginação.

Por estar em uma mídia que exige uma maior simplicidade, o filme obviamente não retrata toda a complexidade das melhores histórias do Doutor Estranho nos quadrinhos, mas o respeita, o honra, e traz um visual absurdamente fiel à imaginativa arte de Steve Ditko. E talvez seja por isso que, mesmo sendo tão diferente de tudo que a Marvel Studios já apresentou no cinema, o filme ainda assim é mais parecido com Homem de Ferro do que outros do estúdio. Desde a construção da narrativa, passando pela história de origem, vemos em duas horas uma jornada que começa com um homem se considerando acima de todos, de repente se vê quebrado, e  então ressurge de seu experimento traumático para se tornar algo que ele jamais imaginou se tornar.
Mas as semelhanças param por aí. Se até então a magia veio sendo tratada com bastante cuidado dentro do Universo Cinematográfico Marvel para não causar uma estranheza no espectador, agora o estúdio se sentiu confortável para trazê-la à tona em todo seu esplendor. A magia que vemos em Doutor Estranho não tem explicações tecnológicas de outra dimensão como em Thor, tratando-se finalmente sem pudor algum de pura e simples… mágica. Se existia alguma barreira de realismo que a Marvel ainda se segurava para quebrar, ela foi rompida de vez. A magia que vemos no filme é ancestral, poderosa, ilimitada e cheia de possibilidades. E é interessante imaginar o peso que tal acréscimo trará nesse universo, principalmente com Vingadores: Guerra Infinita chegando – filme que precisará lidar bastante com tais temas.

A trama é simples, trazendo aquilo que os trailers já apresentavam, e que os fãs do personagem já conhecem: sua história de origem. Então vemos Strange indo buscar a cura para suas mãos (após a medicina falhar em todas as suas tentativas) no Nepal, onde – literalmente – um novo mundo se abre diante de seus olhos, e onde conta com a ajuda da Anciã (Tilda Swinton) e de Mordo (Chiwetel Ejiofor) para aprender o que tudo aquilo significa. Enquanto conclui seu treinamento, Strange acaba aprendendo sobre como a magia é utilizada para proteger o planeta Terra, bem como a existência de Kaecilius (Mads Mikkelsen) um ex-aluno da Anciã que debandou do Templo, com o objetivo de trazer a dimensão negra de Dormammu para consumir a nossa.

Aqui é necessário um parágrafo em especial, pois é conhecida a velha reclamação dos espectadores, de que à exceção de Loki, todos os vilões da Marvel no cinema são subdesenvolvidos e mal utilizados. Não concordo com esse pensamento, acredito que cada vilão sempre cumpre o seu papel para aquele filme em questão, mas isso não vem ao caso agora. O fato é que Kaecilius – para o bem ou para o mal – cai na mesma fórmula. Para mim, o que mais incomoda aqui não é se o vilão é mal utilizado, genérico ou esquecível, mas sim o ator que o interpreta. Mads Mikkelsen – outro ator em ascensão em Hollywood – é um ator brilhante, que entrega uma ótima atuação, como já era de esperar. Então diria que o grande problema não é o vilão mal utilizado. E sim um ator mal utilizado. Mikkelsen merecia mais.

E por falar em fórmula… não, não vá esperando que esse filme seja o mais ousado, o mais diferente, ou ainda que tenha um tom completamente diferente de tudo que a Marvel Studios vem apresentando – como alguns chegaram a pensar ou clamar por aí. Como já disse acima, ele é diferente sim, ele entra em terrenos novos e desconhecidos para o Universo Cinematográfico Marvel sim, mas a sua ousadia fica por aí. A Marvel utiliza sua mesma fórmula de sempre, o que na minha opinião é algo positivo. É o mesmo formato de filme bem construído, edição coesa e roteiro simples e bem amarrado com a qual o estúdio conquistou o público em 2008, fazendo com que o seu logo no início dos filmes tenha se tornando sinônimo de qualidade e satisfação garantida (ainda que em maior ou menor escala). Eles entendem isso, e eles não vão sair disso.

De uma forma geral, diria que Doutor Estranho está longe de ser o melhor filme de super-heróis da Marvel, mas é claramente um filme extremamente bem realizado e que possui um coração. Ele traz a certeza – não que fosse algo necessário – de que hoje a Marvel tem poder para colocar no cinema qualquer um de seus personagens menos conhecidos, e torná-lo um sucesso comercial.

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