segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O QUE ACHAMOS DE: ‘Amante a Domicílio’


Todo serviço parte de uma demanda. Logo, mesmo que a prostituição não seja a profissão mais antiga do mundo, especula-se que coletores de alimentos, caçadores e guerreiros tenham vindo antes, sempre existiram certas necessidades físicas e emocionais. Ao descobrir que podia trocar comida ou abrigo por “amor”, ao invés de forçar alguém a atender suas carências, a humanidade deu importantes passos em direção à civilização.
A profissionalização do sexo, porém, não costuma ser retratada com tanto otimismo. O cinema, por exemplo, tende a mostrar o lado negro do ofício, quando alguém é forçado (pela vida ou por outros) a vender a si mesmo, ao invés de fazê-lo por vontade própria. Em seu quinto filme como diretor, John Turturro decidiu seguir o caminho menos trilhado, mostrando as vantagens terapêuticas da prostituição.

Em Amante a Domicílio, Fioravante, o personagem do diretor/roteirista/protagonista, é um florista talentoso e solitário que aceita se tornar um “Don Juan profissional” para ajudar seu amigo Murray (Woody Allen), em sua plena forma como ator. O mote é introduzido sem floreios. Passados alguns segundos da cena de abertura, o aspirante a cafetão faz sua proposta e Fioravante ensaia rejeitá-la. Algumas curtas cenas depois, a trama se define e ele segue para encontrar a primeira cliente, uma rica médica interpretada por Sharon Stone.


É tudo tão franco e rápido que o potencial do filme se perde. Falta esmero na construção dos personagens. Não conhecemos Fioravante para nos importarmos com sua história. O que o torna um bom amante aos olhos de Murray? Ele não é bonito. Não há menção aos seus dotes físicos. Turturro esboça alguns traços interessantes do seu protagonista, como na cena em que ele cuidadosamente monta um arranjo de flores ou nos livros que compõem a sua estante, mas para aí. Durante o filme, o ator/roteirista/diretor parece perdido, como se não compreendesse o papel que ele mesmo concebeu.

Murray é outro desperdício. Allen, que raramente trabalha para outros diretores, rouba a cena muitas vezes, mas falta sustância ao seu personagem. Torturro apresenta um judeu, dono de uma livraria falida de livros raros, inserido na cultura negra nova-iorquina, que decide prostituir seu velho amigo. Um personagem interessante no papel, mas que não vai além dessa descrição. Como agravante, a presença física de Allen leva à expectativa por um filme de Woody Allen. Turturro tenta, emulando abertamente o estilo do cineasta, da trilha de jazz da abertura, passando pelos cenários de Nova York, citações de literatura e a presença da cultura judaica na trama. Allen, porém, não parecia disposto a ensinar o amigo a como ser Woody Allen.
A clientela do Don Juan, formada apenas por mulheres, chega a tornar questionáveis as intenções artísticas do diretor. Afinal, ele se escalou para encarar, ao mesmo tempo, Sharon Stone e Sofía Vergara e para seduzir a doce Vanessa Paradis, uma viúva judia ortodoxa que encontra no gigolô um terapeuta para a sua solidão.  Ainda assim, Turturro foi ousado ao retratar a prostituição de forma positiva. Quis mostrar que a importância desses profissionais vai muito além do sexo. Porém, bons roteiros precisam de mais do que boas intenções.

NOTA: 70