Bowie, a biografia, de Wendy Leigh
publicado pelo selo Best Seller do Grupo Editorial Record, aqui no Brasil, se
propõe a contar a vida de David Bowie,
nascido David Jones até a sua
inesperada morte em janeiro deste ano.
É
mais uma das inúmeras biografias do rock star britânico que revolucionou o
mundo com o seu comportamento libertário e permissivo em uma época em que
devemos nos lembrar, não só o movimento hippie era um fato como a própria
liberdade sexual feminina se tornava uma pauta mundial, muito embora isso não
apareça como fatores do mundo em que Bowie tenha experimentado, de acordo com
essa biografia.
Aliás,
antes de começar a falar especificamente dessa biografia, gostaria de fazer um
comentário sobre essa coisa chamada narrativa de vida. Biografar é uma maneira
de criar narrativas, estabelecer uma sequência causal entre fatos, encontros e
ações e dizem muito a respeito não apenas do que acontece, seja por meio de
declarações ou notícias da época, que em si mesmas já são considerações e
perspectivas que produzem essas coisas, mas também da memória (coisa muito
fugaz) dos que são entrevistados e da própria interpretação do biógrafo.
E por que eu estou dizendo isso?
Porque
essa biografia de David Bowie parece
se concentrar muito, como escutei por aí de algumas pessoas que já a leram, nos
aspectos sexuais do astro, e é claro que ela realmente o faz, mas isso ocorre
porque a maioria das pessoas parecem se predispor a falar apenas dos
relacionamentos que tiveram com o cantor.
A
maioria dos relatos que vamos encontrando são justamente de como Bowie era
charmoso, sensual, bem-dotado e bom de cama. Claro que a própria biógrafa tem
um papel importante nisso, já que é ela quem vai costurando a história do
artista, mas ainda assim não se pode negar que todas essas afirmações existiam
em abundância.
O
próprio Bowie sempre se utilizou das polêmicas em relação a sua orientação
sexual e aos papéis de gênero que exercia, e acredito que eram muito mais por
uma questão de se por em destaque mesmo do que por ser daquela forma. Ele era
um ator que vestia a personagem transgressiva nesse aspecto.
Digo
isso não pelo que Wendy Leigh quer
nos mostrar, porque ela parece sempre reiterar que David era, de certa forma,
um aproveitador dos melhores, um egoísta que parecia pensar somente em si e em
como alcançar o estrelato.
O
fato que me leva a crer isso é que Bowie vai deixando muito rapidamente com o
passar dos anos a questão de transitar entre o masculino e o feminino, coisa
que era muito presente em seu início de carreira.
Outro
é que, embora ele tenha se afirmado bissexual, depois homossexual e voltado a
ser bissexual e no fim dito ser heterossexual, ele sempre se envolveu
amorosamente com mulheres. O homossexual aparece como uma espécie de outra
forma de ter prazer para ele, que sempre pareceu ser bastante focado em seu
desejo pelo sexo oposto. Muito diferente, por exemplo, do também britânico Freddy Mercury, que também praticava um
certo liberalismo, mas que se envolveu amorosamente com alguns dos homens com
os quais se deitava.
Era
quase como se fosse um pequeno fetiche de David, o de ser adorado por todos.
Outro me pareceu também ser as mulheres negras, que de acordo com o livro teria
sido sempre a preferência do cantor.
A
questão de cor também passa pela forma como as pessoas descrevem a beleza de
David, sempre com uma pele tão branca, tão perfeitamente branca.
E
assim eu vou percebendo uma construção de uma personagem que pode parecer
extremamente revolucionária e libertária, mas que no fim não acaba me
convencendo muito disso.
O
que só me lembra da questão de que há sempre em torno dos artistas uma lenda
criada que sempre vai se tornando mais polida e mais distante de uma visão
totalmente crítica e acurada do seu comportamento.
Se
essa minha interpretação é algo que foi direcionado pela narrativa construída
por Wendy Leigh? Não tenho dúvidas
de que sim, mesmo que ela não tenha tido essa intenção conscientemente, afinal,
a partir das cores que ela me presenteou eu pintei a minha imagem de David Bowie e que não é tanto a dessa
pessoa super libertária e isenta de um comportamento que não é livre de
problemas, por mais avant garde que seja.
Mas
isso são leituras que eu faço de David
Bowie que me é apresentado, não da agradável leitura que é essa biografia
escrita por Leigh em suas 320 e poucas páginas e que valem muito a pena serem
lidas, seja para conhecer a trajetória do mito enquanto homem como para ter uma
visão mais crítica do homem David Bowie.