Poucas
bandas cruzaram a marca dos 30 anos de vida no universo pop sem perder a
direção ao longo do caminho.
A
caixa Os Paralamas do Sucesso 1983 -
2015 mostra que o grupo carioca - desde 1982 com Herbert Vianna (voz e guitarra), João Barone (bateria) e Bi
Ribeiro (baixo) em sua formação clássica e definitiva - pavimentou com
coerência sua estrada em trajetória beneficiada pelos ventos que sopraram a
favor do pop rock brasileiro no início dos anos 1980.
Com
duas inéditas compilações e 18 álbuns da banda, a caixa somente não embala a
discografia completa dos Paralamas - como alardeado na embalagem - porque optou-se
por excluir o recente Multishow ao vivo
- Os Paralamas do Sucesso 30 anos (Universal Music, 2013), por ora o último
título da obra fonográfica do trio. Mas está (quase) tudo lá: todos os 12
álbuns de estúdio, seis dos sete registros ao vivo de shows e duas coletâneas,
Raridades e Paralamas em espanhol, que cumprem sua função de iscas para fisgar
compradores para a caixa por conta da reunião de fonogramas até então
dispersos.
Para
quem já tem a lata Pólvora (EMI
Music, 1997), arremessada há 18 anos pela gravadora de origem inglesa que
editou todos os discos do trio até ser comprada pela Universal Music em ação
anunciada em 2011 e concretizada em 2012, a aquisição da caixa deixa de ser
fundamental.
Até
porque as atuais reedições dos discos mais antigos preservam a remasterização
feita nos estúdios Abbey Road, na Inglaterra, para a referida lata. Como a
direção de arte (de Marcelo Pereira)
e o design (de Augusto Erthal e André Lima) padronizam as atuais
reedições em cinzenta embalagem digipack (com a devida inclusão dos encartes
originais), o grande trunfo da caixa acaba sendo as duas compilações, sobretudo
a coletânea em espanhol por apresentar duas gravações inéditas, produzidas por Liminha, entre versões em castelhano
dos maiores sucessos do trio.
A
mais surpreendente é Hablando a Tu Corazon
pelo fato de o arranjo evocar um clima de bossa tropical. De autoria somente do
compositor argentino Charly García,
a música foi lançada pelo roqueiro em 1986 em álbum dividido com seu
conterrâneo Pedro Aznar (o que
induziu Maurício Valladares ao erro
de creditar o tema como uma parceria de García com Aznar no texto que escreveu
para apresentar a caixa aos formadores de opinião).
A
outra gravação também repõe os Paralamas em território argentino. Trata-se de
abordagem, na cadência do reggae, de Que
Me Pisen (Diego Arnedo, German Gustavo Daffunchio e Lucas Prodan),
outra música de 1986, colhida no repertório do desativado grupo argentino Sumo (1981 - 1988), ícone do punk
portenho. Já a coletânea nacional de gravações avulsas agrega incursões da
banda pelo universo da MPB, como o registro de País Tropical (Jorge Ben Jor,
1969) - feito em 1993 para campanha publicitária - e como a gravação de Nada Será Como Antes (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1982) realizada para tributo
ao compositor fluminense Ronaldo Bastos
editado em 1989. Quanto aos álbuns em si, todos resistem bem ao tempo, com
exceção do titubeante Cinema Mudo
(EMI-Odeon, 1983), álbum de estreia em que a banda ainda soou como um clone
tropical do trio inglês The Police.
A
identidade artística começou a ser delineada no pop O Passo do Lui (EMI-Odeon, 1984) e foi reforçada no antológico Selvagem? (EMI-Odeon, 1986), álbum
visionário em que os Paralamas ergueram a ponte África-Jamaica-Brasil, indo
além das fronteiras delimitadas do pop rock universal. Daí em diante, o grupo
seguiu sua rota, alternando álbuns solares - Bora Bora (EMI-Odeon, 1988), 9
Luas (EMI Music, 1996), Brasil Afora
(EMI Music, 2009) - com discos sombrios como o enjeitado (pelos brasileiros) Severino (EMI Music, 1994), álbum que
reforçou a conexão do trio carioca com o universo pop argentino.
Título
mais melancólico da discografia dos Paralamas
do Sucesso, Longo Caminho (EMI
Music, 2002) foi a raspa do tacho após parada forçada por conta do acidente de
2001 que deixou Herbert Vianna
paraplégico. Desde então, a banda seguiu seu longo caminho com mais força nos
palcos - com a pegada afiada que salta aos ouvidos em todos os álbuns ao vivo -
do que nos discos. Mas a jornada continua também nos estúdios. Um álbum de
inéditas já começa a se desenhar no horizonte desse trio que nunca perdeu a
direção na condução de sua carreira, por mais que tenha encontrado fortes
obstáculos pessoais e mercadológicos na estrada da vida.