segunda-feira, 16 de março de 2015

Caixa com os álbuns do Paralamas do Sucesso prova que a banda nunca perdeu a direção ao longo do caminho

Poucas bandas cruzaram a marca dos 30 anos de vida no universo pop sem perder a direção ao longo do caminho.

A caixa Os Paralamas do Sucesso 1983 - 2015 mostra que o grupo carioca - desde 1982 com Herbert Vianna (voz e guitarra), João Barone (bateria) e Bi Ribeiro (baixo) em sua formação clássica e definitiva - pavimentou com coerência sua estrada em trajetória beneficiada pelos ventos que sopraram a favor do pop rock brasileiro no início dos anos 1980.
Com duas inéditas compilações e 18 álbuns da banda, a caixa somente não embala a discografia completa dos Paralamas - como alardeado na embalagem - porque optou-se por excluir o recente Multishow ao vivo - Os Paralamas do Sucesso 30 anos (Universal Music, 2013), por ora o último título da obra fonográfica do trio. Mas está (quase) tudo lá: todos os 12 álbuns de estúdio, seis dos sete registros ao vivo de shows e duas coletâneas, Raridades e Paralamas em espanhol, que cumprem sua função de iscas para fisgar compradores para a caixa por conta da reunião de fonogramas até então dispersos.

Para quem já tem a lata Pólvora (EMI Music, 1997), arremessada há 18 anos pela gravadora de origem inglesa que editou todos os discos do trio até ser comprada pela Universal Music em ação anunciada em 2011 e concretizada em 2012, a aquisição da caixa deixa de ser fundamental.

Até porque as atuais reedições dos discos mais antigos preservam a remasterização feita nos estúdios Abbey Road, na Inglaterra, para a referida lata. Como a direção de arte (de Marcelo Pereira) e o design (de Augusto Erthal e André Lima) padronizam as atuais reedições em cinzenta embalagem digipack (com a devida inclusão dos encartes originais), o grande trunfo da caixa acaba sendo as duas compilações, sobretudo a coletânea em espanhol por apresentar duas gravações inéditas, produzidas por Liminha, entre versões em castelhano dos maiores sucessos do trio.

A mais surpreendente é Hablando a Tu Corazon pelo fato de o arranjo evocar um clima de bossa tropical. De autoria somente do compositor argentino Charly García, a música foi lançada pelo roqueiro em 1986 em álbum dividido com seu conterrâneo Pedro Aznar (o que induziu Maurício Valladares ao erro de creditar o tema como uma parceria de García com Aznar no texto que escreveu para apresentar a caixa aos formadores de opinião).

A outra gravação também repõe os Paralamas em território argentino. Trata-se de abordagem, na cadência do reggae, de Que Me Pisen (Diego Arnedo, German Gustavo Daffunchio e Lucas Prodan), outra música de 1986, colhida no repertório do desativado grupo argentino Sumo (1981 - 1988), ícone do punk portenho. Já a coletânea nacional de gravações avulsas agrega incursões da banda pelo universo da MPB, como o registro de País Tropical (Jorge Ben Jor, 1969) - feito em 1993 para campanha publicitária - e como a gravação de Nada Será Como Antes (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1982) realizada para tributo ao compositor fluminense Ronaldo Bastos editado em 1989. Quanto aos álbuns em si, todos resistem bem ao tempo, com exceção do titubeante Cinema Mudo (EMI-Odeon, 1983), álbum de estreia em que a banda ainda soou como um clone tropical do trio inglês The Police.

A identidade artística começou a ser delineada no pop O Passo do Lui (EMI-Odeon, 1984) e foi reforçada no antológico Selvagem? (EMI-Odeon, 1986), álbum visionário em que os Paralamas ergueram a ponte África-Jamaica-Brasil, indo além das fronteiras delimitadas do pop rock universal. Daí em diante, o grupo seguiu sua rota, alternando álbuns solares - Bora Bora (EMI-Odeon, 1988), 9 Luas (EMI Music, 1996), Brasil Afora (EMI Music, 2009) - com discos sombrios como o enjeitado (pelos brasileiros) Severino (EMI Music, 1994), álbum que reforçou a conexão do trio carioca com o universo pop argentino.

Título mais melancólico da discografia dos Paralamas do Sucesso, Longo Caminho (EMI Music, 2002) foi a raspa do tacho após parada forçada por conta do acidente de 2001 que deixou Herbert Vianna paraplégico. Desde então, a banda seguiu seu longo caminho com mais força nos palcos - com a pegada afiada que salta aos ouvidos em todos os álbuns ao vivo - do que nos discos. Mas a jornada continua também nos estúdios. Um álbum de inéditas já começa a se desenhar no horizonte desse trio que nunca perdeu a direção na condução de sua carreira, por mais que tenha encontrado fortes obstáculos pessoais e mercadológicos na estrada da vida.