Certas particularidades humanas nos fazem voltar ao
tempo. Um perfume marcante, um cenário inesquecível, uma foto exata de um dos
momentos mais felizes da sua vida. Uma voz única. Poucos artistas tiveram o
poder de marcar uma geração com uma voz tão peculiar e única quanto Gwen Stefani. Basta que eu escreva a
primeira linha de The Sweet Scape (“If I could scape…”) que você,
certamente, irá lembrar da música, do clipe dourado com o Akon e começará a cantar sozinho todos os versos, inclusive os ‘uh
uh iuh uh uh iuh’. Acertei?
O grande problema de se ter uma voz tão forte e uma
carreira tão marcante quanto a carreira solo da cantora é que esse selo de
qualidade vem sempre acompanhado de enormes expectativas. Artistas como Beyoncé, Adele, U2, Coldplay (nomes conceituados do mundo
da música) vivenciam bem esse ‘ônus artístico’. Michael Jackson ficou travado por anos por querer produzir algo a
nível de Thriller. Viveu e morreu
tentando bater um feito pessoal, tentando, em certa medida, superar as próprias
expectativas.
Tudo isso só é agravado quando o comeback ocorre
depois de 8 anos. É difícil entender, para a grande maioria do público, que
esses 8 anos de pausa não significaram 8 anos de produção. Gwen Stefani não esteve produzindo o seu retorno por 8 anos. Ela sequer
sabia se voltaria, um dia, a ser artista solo. A cantora, inclusive, já deixou
bem claro que o lance dela é o No Doubt,
banda que marcou o mundo com o hit ‘Don’t
Speak’.
Algumas entrevistas revelaram que a carreira solo acabou com seu
emocional, seu psicológico e a fez sofrer muito por algo que supostamente
deveria fazê-la feliz…quando você é parte de uma banda, existe um suporte
mútuo, pessoas com quem você divide seus anseios, suas dores, também suas
alegrias…ser cantor solo é arcar com todos os bônus e ônus que essa decisão
acarreta: é você, sozinho, sob os holofotes.
Bom, avancemos. ‘Baby Don’t Lie’ chega de surpresa e surpreende (positivamente). O
começo trollador nos remete a uma carreira marcada por brincadeiras, por hits
improváveis e por uma personalidade extremamente divertida, brincalhona e leve.
A música fala sobre um relacionamento que vive um momento de mentiras e
suspenses. O que tinha tudo para ser uma música densa e melancólica, remete, na
verdade, a uma espécie de ritual celta com fogueira, dança e uma espécie de
‘foda-se’ interno, nas entrelinhas. Tal sentimento é demonstrado por meio do
break, que musicalmente destoa da música, mas é responsável por uma inversão
semântica digna de aplausos e risadas aos ouvidos mais atentos (“estou chegando perto?/ estou ficando quente?”).
‘Baby Don’t
Lie’ é uma música que reflete a cantora que entoa seus versos: forte,
cativante e cheia de personalidade. Os vocais precisos e carregados de
gritinhos demonstram cuidado e produção impecáveis. A qualidade da música é
algo que estava em falta no mercado há tempos. Stefani voltou com seu toque
pessoal na medida certa: a música promete ser um dos hits do ano, se trabalhada
da forma como merece. Muito superior a L.A
Love (não dá nem pra comparar…), a veterana mostra que veio pôr as coisas
em seus devidos lugares, que não foi um dos principais nomes da música no
passado à toa. Seu novo single não deve nada à seu passado glorioso de L.A.M.B, algo declarado por fãs mais
exaltados.
A música é, de fato, pop (em algum momento ela não foi?), chiclete,
marcante, um pouco repetitiva, mas genérica jamais. Não há como comparar as
duas sonoridades, pois as propostas e os tempos são outros. Gwen acerta em
cheio um comeback aguardado por muitos e correspondido por tantos outros. Os
fãs decepcionados parecem presos ao passado e não percebem, que mesmo longe há
tanto tempo, a personalidade da intérprete e seu toque de Midas continuam ali,
intactos. Ouvir Baby Don’t Lie é como
trazer o passado ao presente, adaptado aos novos tempos. O lead single é a
razão pela qual a indústria fonográfica clamou tanto pelo comeback volta da
cantora: não é possível viver num mundo musical sem Gwen.