A chuva que caía a tardinha, num repente de saudade,
Lavou-me, levou-me, e lá se vou eu pro meu Sertão,
Ser tão sertanejo, bravio e guerreiro feito xique-xique,
Chique como sou, com minha roupa florida, colorida,
Quero sentar você no meu colo, querida, e sorrir de montão...
Porque minha alma é mais do que a chuva que falta;
Porque minha falta é mais rala que a relva...
Ah se vou pro meu Sertão!
Ser tão menino, bater o sino da capela, dizer amém,
Oh Manuela me dê a mão!
Quero cheirar o jasmim do campo, sorrir o pranto,
Soltar perfume e pipa, correr atrás da bila;
Na procissão, oh meu irmão, seguir o santo;
Quero ser santo, quero tanto certo canto, quero cantar.
Vou seguir a gaivota que passa baixinho; vou levar a boiada,
Aboiando meu sonho por entre o pasto verdoso;
Vou caloroso, no meu sol de extenso brilho,
Pegar a gaivota que passa cruzando o horizonte;
Vou fazer do céu a fonte e seguir o eco de aboio no meu grito;
Sigo solto na pressa, numa prece faço das nuvens quermesse;
Olho pro céu, pro tempo, aqui mesmo pra dentro, que chove,
Fecho o olho, sinto no olhar a lágrima que corre, e corro,
Vou voltar pro meu Sertão!
Quero ver vovó barrer o terreiro, quero a bassoura,
Quero sentir o coração ligeiro, sorrindo a toa,
Quero a água da biqueira, quero o queijo, a manteiga,
E feijão com farinha, misturado com sorriso e com fome;
Escutar o gato miando, com o rabo espanando e o olhar espiando,
Quero o sal da charque seca, a sede, depois o barulho da rede,
Um rádio a pilha tocando e vovó roncando baixinho...
Tanto quanto quero carinho, quero colo, e lembrança,
Cafuné; da goiabeira a goiaba, um pé; do beija-flor um beijo;
Da chuva, um banho d’água docinha, fria, franzina, gorando em mim;
Ligeiro, eu e a água, a sede do tempo e do corpo;
Quero irigir meus pelos, lavar meus cabelos, a mente e a alma,
Deixar correr no corpo a calma da chuva breve, passageira,
E passar, passear, correr por qualquer lugar que a água corra.
Oh, meu Deus! Eu só quero o canto, o canto do pássaro,
O canto que trina e o canto que habita,
O som do vento e do tempo; a liberdade, as asas, a casa,
A leveza; a riqueza de ser tão, ser tão menino, ser tão ligeiro...
Ser do Sertão que sou, ser sertanejo, ser um boiadeiro, aboiador.
Quero a esperança do sonho que voa feito ave; a paz que pousa,
Quero ser tão sertanejo, oh meu Deus, quanto já sou;
Quero ser a voz solta do aboiador e o choro fino do menino;
Quero cantar e pensar que sou passarinho,
Morar nas asas de um sonho imenso e voador;
Ah meu Senhor, quero voar direto pro meu ninho;
Ah como eu quero voltar pro meu Sertão!