quinta-feira, 31 de março de 2011

‘A (in) visível fronteira entre realidade e arte’... Por Gilberto F. Costa

Gilberto F. Costa é professor efetivo do Departamento de Educação da UFRN e atualmente ministra a disciplina Fundamentos Sócio-filosóficos da Educação nos cursos de Química, Educação Física e Geografia.
É pesquisador na área de Humanas e tem especial interessa nas questões sociais, especialmente no que se refere aos problemas da educação brasileira.
Residente em Natal há 07 anos desenvolveu um enorme carinho por essa terra e a ela tem procurado dar sua contribuição ajudando a formar futuros profissionais.
Nesse ensaio ele revela um pouco de sua sensibilidade quando, captando uma cena vivida por duas pessoas de classes sociais bem distintas, consegue dá a mesma uma excelente conotação artística para mostrar o quanto ela pode ser significativa para um atento observador. Uma cena que pode passar despercebida por muitas pessoas, mas Gilberto consegue compará-la a um daqueles momentos que somente uma criação artística pode nos provocar.

‘A (in) visível fronteira entre realidade e arte’
Quando fui convidado por Dardinelhes a escrever para seu site, decidi, para minha própria surpresa, que escreveria sobre arte. Quanta audácia, pois poderei deixar decepcionados alguns artistas de plantão que, ao me ouvir falar assim, imaginam um texto convencional, dentro dos padrões mais recorrentes quando se trata do tema. Tentarei falar de arte sim, minimamente, mas do meu modo, buscando, ousadamente, estabelecer relações entre uma experiência vivida e as sensações/reflexões que essa experiência provocou em mim, usando a Arte como instrumento de comparação.
Ontem à noite, após ministrar minhas aulas na UFRN, volto para casa e no percurso, passei por uma das movimentadas passarelas para pedestres aqui em Natal. Eram aproximadamente 21h e, como de costume, dezenas de pessoas andavam apressadamente esbarroando-se umas às outras, provavelmente quase todas movidas pelo mesmo objetivo: voltar para casa. Encontrava-me nesse universo. Percebo que, geralmente, as pessoas fazem aquele percurso de um modo quase automático, já que muitas vezes a pressa e a rotina não lhes permitem olhar ao redor, a não ser quando, algumas vezes, se dão conta de que estão diante de um belo cenário urbano: a paisagem noturna de Natal.
Bom, o fato é que quando já chegava quase ao final da passarela, algo me chamou a atenção e por um momento parei para admirar a cena que se projetava à minha frente: em um dos cantos, sentado sob pedaços de papelões e, com outros dois pedaços protegendo seu corpo contra os ferros de segurança da passarela, ali se encontrava uma criança de aproximadamente 10 anos de idade; ela estava sozinha sem ninguém de sua família por perto, exposta ao frio e ao relento da noite. Sob suas pernas havia um pano sujo e certamente fedido, seu cabelo encontrava-se totalmente desgrenhado, no rosto o aspecto era de quem estava com fome e seu corpo mostrava claramente a necessidade de um banho. Ao lado da criança estava um jovem que, a meu ver, deveria ter uns 22 anos. Ele era um jovem branco e pela forma como se comportava e se vestia possivelmente tratava-se de alguém filho de pais de classe média. Acocorado para poder igualar-se à altura da criança que estava sentada, percebi que ele estava altamente concentrado em tentar compreender o que a criança falava, pois além de estar na condição que acima mencionei, ela apresentava notórios problemas de dicção. Naquele momento somente a voz da criança era ouvida. O rapaz assumia a condição de um atento e cuidadoso ouvinte. Ouvi-la e entendê-la parecia ser um exercício de extrema paciência e atenção.
É possível que o leitor aqui se pergunte: sim, mas o que há de extraordinário nisso?
Há algo de extraordinário nisso, sim! Naquele canto sujo e feio, existia um quadro que não estamos acostumados a ver. Para além do que a visão me permitia ver - um jovem e uma criança “conversando” - a cena me possibilitou vivenciar uma sensação como a que sentimos quando estamos diante de uma bela e rara produção artística. Eu me encontrava diante de uma cena real, dessas que se extraem do cotidiano, portanto dessas que emocionam, que mexem com nossas vaidades e egoísmos.
Ali eu estava vendo o contraste, o incomum, o diferente, os opostos; juntos num mesmo quadro e tendo como pano de fundo algo especialmente importante: a fusão, embora temporária e superficial, dos dois lados do abismo que os tornam tão socialmente distintos. Estava naquele canto, sujo e feio, um quadro em que os elementos que lhe davam vida não costumam coexistir daquela forma, sendo assim, não podem ser parte de uma mesma obra. A não ser na imaginação criativa dos artistas. 
Mas o que isso tem a ver com Arte? Explico.
A Arte é uma forma refinada da expressão do pensamento que pode se manifestar através da dança, da poesia, da música, do teatro, da literatura, da pintura. Ela se sobressai como representação máxima dos desejos, dos sonhos, dos sentimentos, dos mistérios individuais, das necessidades coletivas, dos prazeres. Representa assim, um conjunto de elementos que o mundo concreto não consegue materializar. Dessa forma ela não é homogênea, não é padronizada e, portanto tem infinitas formas de ser representada. Como ela representa um mundo subjetivo, na maioria das vezes provoca forte impacto em quem a admira. E esse impacto, da mesma forma que a representação, não é igual de indivíduo para indivíduo. 
Olhando numa outra perspectiva, a Arte tornou-se, equivocadamente, algo não apenas produzido, mas também consumido por um seleto grupo de afortunados e de intelectuais considerados capazes de perceber o que chamamos de sensibilidade estética, ou vivência artística. Essa sensibilidade é resultado da capacidade que a obra artística tem de fazer o expectador transcender para além do seu mundo objetivo. Seu status é o de ser - a arte - uma das poucas criações humanas que consegue, ao mesmo tempo, ser elo e ruptura. Nesse aspecto, mas não somente nesse, ela tende a tornar único o mundo real com o mundo subjetivo do admirador, rompendo, portanto, com a “normalidade” do vivido. O êxtase provocado na vivência do prazer artístico é o resultado desse encontro que somente o indivíduo é capaz de sentir.
Assim, a cena que presenciei é percebida aqui como semelhante a uma obra de arte. Expressão de um mundo não conhecido por nós. De um mundo que está apenas no discurso das muitas instituições que pregam igualdade e, no entanto só as agravam. De um mundo que está em bonitas imagens montadas e encontradas no Google, mas que nunca as vemos em nossas realidades. Cenas raras encontradas somente em mundos fictícios, como nas telas dos cinemas e nos livros, costumam chocar. Cenas de um mundo fictício quando encontradas na nossa realidade podem despertar a sensibilidade humana provocando o êxtase que, no mundo artístico, só é sentido pela vivência estética – momento do encontro de dois grandes mundos totalmente subjetivos, individuais e distintos, mas essencialmente necessários: o mundo do autor representado na obra e o mundo do admirador identificado na mesma obra.  
Ousadamente acredito que a Arte, pela sensibilidade que desperta, pode ser, entre outros instrumentos, um dos mais especiais na construção de realidades onde os opostos e os contrários sejam juntos, protagonistas de quadros reais necessariamente mais belos, como o que visualizei naquela passarela. Quanto ao autor do quadro temos a opção de escolher entre o anonimato, nesse caso, inexistente soa melhor, ou então deixarmos que a sua criação fique por conta da nossa própria imaginação.
Por Gilberto F. Costa

14 comentários:

  1. Excelente texto Gilberto, compactuo com sua visão artistica e acrescento que: A arte se sente, não se explica, emociona, deslumbra e está acessível a todos é só se permitir. Descobrir a arte e um privilégio e viver a arte é um luxo da leveza da alma.

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  2. O que me parece, o objetivo desse ensaio é compreender a arte e sua subjetividade. Para isso, Gilberto, belissimamente, faz uma viagem pelas idéias intrínsecas da obra de todos os maiores ensaístas do século XX.

    Percebi influência do escritor francês Albert Camus, autor do romance ‘O Estrangeiro’, que contrapõem a arte com uma intensa atividade reflexiva e adorei isso.

    Gilberto, você está de parabéns. O ensaio é digno de publicação.

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  3. ACHEI UM LUXO ESSE ENSAIO. MAS NÃO QUERO SER PESSIMISTA, NEM MÃE DINÁ. O FATO É, ESSE GILBERTO ESTÁ SOFRENDO DE DEPRESSÃO. TEM Q SER TRATADO. O TEXTO DELE MOSTRA ISSO.

    DESCULPE ME, MAS A VERDADE TEM Q SER DITA. INTERNA O DOENTE.

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  4. Doente ou não, Gilberto escreve muito bem. Parabéns belo!

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  5. Muito bom o texto,parabéns!!

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  6. Surreal, inteligente e um pouco desaguado. Amei.

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  7. Não entendo o por quê de tanta babação com esse Gilberto. O ensaio dele é super normal e frígido. Eca para esses babacas babões desses intelectuais que nunca sabem o que é viver de verdade.

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  8. PERFEITO SEU ENSAIO GIGI. QUERO MUITO CONHECER VOCÊ. TEMOS QUE SAIR QUALQUER DIA DESSES. PODE SER NA PRAIA DA REDINHA. LÁ TEM UMA BARRACA MUITO BOA PARA FICARMOS E COMERMOS ISCAS DE PEIXE. QUERO SER SEU APRENDIZ.

    EI, EU POSSO CURAR SUA DEPRESSÃO COM MINHA AMIZADE ETERNA.

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  9. Senhores, não sou muito de entrar abertamente em polêmicas pela web. Acredito não ser o fórum mais adequado, mas adorei o texto do professor Gilberto e me vi na obrigação de refletir um pouco sobre alguns comentários aqui postados. Antes de tudo, quero dizer que não sou um intelectual nem por titulação, nem tão pouco por aclamação de um público intelectual ou artístico. Mas sei reconhecer os méritos de cada um.

    Também não tenho o costume de criticar ninguém a partir de fragmentos descontextualizados e superficiais, mas, como alguns comentaristas aqui o fizeram, me reservarei o mesmo direito (se é que ele existe).
    Primeiro de tudo, não vi “babação” nenhuma, haja vista que comentários elogiosos desse nível são comuns nesse blog e em muitos outros. O que pode está acontecendo é a imaturidade intelectual de quem não sabe o que significa o reconhecimento (leia-se: titulação) oriundo da comunidade acadêmica. Ou talvez saiba. Pois, a audácia de refletir sobre temas como “viver de verdade”, bem como sobre o dia a dia de pessoas que nem sequer conhecem, só pode vir de quem tem extrema propriedade intelectual para isso.

    Quanto ao primeiro colega que se mostrou preocupado com a saúde do autor, acho louvável seu gesto de altruísmo. Assim, tentando devolve-lo a mesma gentileza, pergunto-lhe se ele já parou para questionar-se sobre o porquê de tanta agressividade e amargura em suas palavras? Porque esse impulso em julgar a saúde psíquica de alguém sem nem ao menos ter conversado com ela? Porque toda essa necessidade em expor o que vc julga como patológico, em um veículo de comunicação que em nada trata disso? Obviamente vc pode recorrer à liberdade de expressão, eu mesmo estou me valendo dela agora, mas o que eu lhe aconselharia era tentar marginalizar seus conceitos pré-concebidos e tentar apenas captar a experiência estética que foi narrada no belíssimo texto do autor, pois acredito que foi essa a intenção dele.

    Ao autor, digo que fico até "sem jeito” de comentar seu texto. Pois não me sinto gabaritado para comentar suas palavras. Mas gostaria de expressar que seu texto me fez pensar como diariamente somos testemunhas de momentos vistos como banais, mas que aos olhos de pessoas mais atentas podem significar momentos de extasia; como é possível extrair “beleza” de situações adversas; como a observação de contrastes como o que o senhor flagrou pode nos levar a transmutações similares à vivência artística. A sutileza de suas palavras me obrigou a um ótimo exercício intelectual e, assim, espero ter conseguido capturar a mensagem de atenção ao nosso dia a dia. Pois, com a devida escusa pelo “clicherismo”, me sobressaltou a mente o fato de só possuir uma vida e que cada momento que deixo de percebê-lo em sua plenitude é mais um que deixei de viver em toda sua potencialidade.

    Um grande abraço e espero a oportunidade de desfrutar de outros textos do senhor.

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  10. ESSE KYLE ETSÁ QUERENDO AUTO PROMOÇÃO NO BLOG. KKKKKKKKKKKKK

    FECHOU KYLE!!!!!

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  11. Gente, acho que o Diogo tem barraca de praia na Redinha e quer vender sua isca de peixe através desse blog, manda ver DIOGÃO.

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  12. Meu querido Gilberto, amei seu ensaio, apesar de muito acadêmico e extenso. Gostaria muito de ler mais alguma coisa sua, um pouco resumida, claro. Bjos e sucesso!

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  13. Vc foi preciso no que queria expor. Parabéns!! Quero ver mais textos seus por aqui.

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  14. Extenso, porém brilhante nas palavras. Parabéns Gil, você arrasa por onde passa.
    Abração!

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