sexta-feira, 17 de abril de 2015

Single 'Ilusão à Toa' frustra e contradiz a fase de plenitude artística de Gal Costa

Lançado no último dia 14 de abril de 2015, nas plataformas digitais, o single “Ilusão à Toa” é frustrante para quem vem acompanhando o atual (grande) momento artístico de Gal Costa.
Desde o revigorante álbum Recanto (Universal Music, 2011), produzido por Caetano Veloso com Moreno Veloso, a cantora recuperou a melhor forma, a gana e o status.

Os shows Recanto (2012/2014), Espelho D'água (2014) e Ela Disse-me Assim - Canções de Lupicínio Rodrigues (2015) confirmaram, em cena, o renascimento artístico de uma intérprete que atravessara os anos 2000 no piloto automático (embora nunca tenha deixado de ser a grande cantora que sempre foi).

O single “Ilusão à Toa” estanca esse movimento de ruptura com a estagnação. Embora produzido por Kassin e Moreno Veloso, pilotos do vindouro álbum Estratosférica, previsto para ser editado em maio via Sony Music, o single contradiz o momento de plenitude vivido por Gal Costa desde Recanto.

É uma gravação que poderia até figurar no comportado álbum Todas as Coisas e Eu (Indie Records, 2003), disco pautado por regravações reverentes de standards da MPB. Um dos mais belos títulos do cancioneiro do compositor carioca Johnny Alf (1929 - 2010), “Ilusão à Toa” - música lançada em 1961 com versos que aludem discreta e poeticamente a um amor gay trancado dentro do armário - decepciona porque vem numa linha contrária à adotada por Gal em seus recentes projetos.

Feita sem a banda arregimentada por Kassin e Moreno Veloso para o disco, a canção está sendo lançada como single porque a gravação foi feita sob encomenda para a trilha sonora da atual novela exibida pela TV Globo às 21h, Babilônia.

Submissa às escolhas da emissora, a gravadora decide promover uma música cuja gravação destoa da atmosfera rocker do álbum Estratosférica. Tudo porque “Ilusão à Toa” é a faixa da novela.

Com as rádios cada vez mais segmentadas e/ou fechadas para qualquer música produzida fora do estrato populista, ter uma música numa novela é a única garantia - em tese - de um possível sucesso nacional. Em nome de um sucesso que sempre vai depender da execução (ou não...) da música na trama, conceitos artísticos são postos em segundo plano em favor das leis do mercado.

É fato que os admiradores de Gal saberão separar o joio do trigo. Mas é lamentável que a primeira música do álbum Estratosférica a que o chamado grande público vai ter acesso é uma canção gravada fora do tom supostamente arrojado do disco. Com tal escolha, perde Gal, perde o disco, perde a Arte e perde, por fim, o próprio público.

Embora tenha optado por divulgar primeiramente a faixa-bônus “Ilusão à Toa”, por conta de sua inclusão na trilha sonora da novela Babilônia, a gravadora Sony Music pretende lançar em maio um single oficial do álbum Estratosférica, com direito a um clipe dessa música ainda não revelada.