A
reunião de estrelas da MPB, como Alcione,
Elba Ramalho, Fagner, Nana Caymmi e Zeca Pagodinho, vai inevitavelmente
atrair atenção além do universo católico para o 19º álbum do padre Fábio de Melo.
O
fato de o disco ter sido formatado pelo exigente produtor José Milton certamente contribuiu para que Deus No Esconderijo do Verso esteja chegando ao mercado fonográfico
via Sony Music com a luz adicional desses cantores quem põem em fé em José Milton.
Trata-se
de disco de repertório majoritariamente autoral. Cantor e compositor, Fábio de Melo assina 10 das 14
composições alinhadas no disco (apenas uma, “Desacontecimento”, com um parceiro, Cristóvão Bastos).
O
cancioneiro autoral de Fábio é trivial, sem traço de inventividade, mas eficaz
em sua simplicidade. O objetivo do padre é obviamente usar a música para fazer
pregação cristã e passar sua mensagem de fé. Mas nem por isso Fábio deixa de
acertar no tom de suas músicas. Cantada por Fábio com Nana Caymmi na abertura do CD, a música-título “Deus No Esconderijo do Verso” é bonita e
justifica a presença de uma intérprete da nobreza de Nana.
Cantora
que tem propagado publicamente sua fé católica, Elba Ramalho põe sua voz maturada em “Oculto e Revelado”, canção que ganha ar nordestino no toque da
sanfona de Adelson Viana. Há também
sutil evocação do sertão nordestino em “Perfeita
Contradição”, outra ótima amostra da habilidade de Fábio para criar músicas
melodiosas que se ajustam ao tom messiânico de seus versos. Raimundo Fagner é o convidado da faixa.
Com ótimo acabamento nos arranjos polidos, assinados por maestros como Cristóvão Bastos e Eduardo Souto Neto, o álbum reúne canções que - crenças individuais
à parte - soam agradáveis aos ouvidos mais sensíveis, caso de “O Ausente Sempre em Mim”, de letra
verborrágica.
Sem
falar que, fora da seara autoral, Fábio fez boas escolhas entre repertório já
gravado. Uma música como “Estrela Luminosa”
(Altay Veloso) - lançada por Alcione em seu pouco ouvido álbum Tempo de Guarnicê (BMG-Ariola, 1996) -
merece segunda chance de brilho.
Uma
das mais belas baladas do cancioneiro de Lenine,
composta com Dudu Falcão e lançada
em 1999, “Paciência” se ajusta com
perfeição ao espírito zen do álbum. Concluída com citação de “Travessia” (Milton Nascimento e Fernando
Brant, 1967), “O Vendedor de Sonhos”
(Milton Nascimento e Fernando Brant, 1987) também cai bem na
voz de Fábio, já que, na interpretação do religioso, o padre pode bem encarnar
o caixeiro-cantor que viaja levando boa música e, no caso, também a palavra de
Deus (de todo modo, a melhor gravação de “O
vendedor de Sonhos” continua sendo a feita por Simone no álbum Sou Eu,
de 1992).
Da
obra sagrada de Milton e Brant,
Fábio revive outra joia de delicadeza e poesia, “Pra Eu Parar de Me Doer”, canção lançada por Maria Bethânia em 1984. E há também os sambas - três - cantados por
Fábio com Alcione (Sobre Ganhar e Perder), Ninah Jo (Nós Num Mundo Só) e Zeca
Pagodinho (Amigo Onde Deus É).
Enfim, Deus No Esconderijo do Verso mostra
que disco religioso pode ser interessante para quem crê no poder da deusa
música.