“Eu persegui um DJ chamado Mark Kamin durante um ano em uma boate de Nova York chamada Danceteria. Era o início dos anos 80. Numa noite de sábado, ele finalmente concordou em tocar uma demo minha de uma canção chamada ‘Everybody’. A boate estava lotada e um olheiro da Sire Records estava lá, Michael Rosenblatt. Ele ouviu a música e me perguntou se poderia me levar para conhecer seu chefe, Seymour Stein”, lembrou Madonna, recentemente, em seu perfil no Instagram.
Esse encontro a levaria a lançar, há exatos quarenta anos, o primeiro disco da carreira. Ao pegar o LP em mãos, o ouvinte dava de cara com uma garota pouco experiente e sem grandes vocais, mas que tinha olhos marcantes e ostentava um nome pouco comum, de santa. Dentro de pouquíssimo tempo, as 8 faixas lançadas no projeto seriam responsáveis por catapultá-la a um patamar jamais igualado no que diz respeito a fama, polêmicas e relevância cultural.
Foi no fim dos anos 1970, quando Nova York vivia a dualidade de ser uma cidade violenta e, ao mesmo tempo, um ponto de encontro de artistas em formação, que Madonna Louise Ciccone decidiu abandonar o curso de Dança na Universidade do Michigan. Filha mais velha de uma família franco-italiana, a jovem partiu em busca do próprio sonho, alimentando a lenda urbana de que chegou à metrópole com apenas alguns poucos trocados no bolso.
Depois de trabalhar posando como modelo de desenho nu, garçonete e ainda fracassar em bandas de rock, onde se empenhou inspirada por figuras como Patti Smith e Debbie Harry, líder do Blondie, a novata entendeu que talvez seu lugar estivesse nas discotecas, e não nos pubs. O entorno, em plena ebulição artística, política e cultural, era o terreno perfeito para criar.
O empresário Seymour Stein, que assinou seu contrato com a então Sire Records, estava no hospital por causa de uma doença cardíaca – o que torna ainda mais atrativa a jornada da heroína. Com uma vontade imensa de fazer sua carreira acontecer, ela propôs ir até seu quarto e conseguir a assinatura.
“Quando o conheci, Seymour estava deitado em uma cama de hospital vestindo cueca samba-canção e uma regata. Ele estava com uma cânula enfiada no nariz e uma bomba de infusão de soro fisiológico no braço. Ele estava sorrindo como o Gato Risonho. Eu cheguei lá carregando meu boombox gigante, pronta para tocar minha fita cassete imediatamente”, relembra.
“Ele sorriu quando me viu e perguntou se eu era parente da Virgem Maria. Eu sabia que iríamos nos dar bem. Toquei a música para ele algumas vezes e meu contrato com sua gravadora foi assinado naquele mesmo dia. Este momento mudou o curso da minha vida para sempre e foi o início da minha jornada como artista musical”.
Longe do imediatismo proposto pelas plataformas de streaming, faixas como “Everybody” (que não chegou sequer a alcançar a parada Billboard 100), “Lucky Star” e “Burning Up” foram lentamente se tornando hits. A “Madonnamania” chegou primeiro às pistas e por meio do “boca a boca”, antes de embarcar de vez na distribuição dos milhões de bolachões de 7′ e 12′ polegadas.
Canais como a MTV, que a essa altura engatinhavam, tiveram um papel fundamental na difusão de seus videoclipes – um formato defendido pela diva e igualmente novo, que dava ao artista pela primeira vez a possibilidade de contar histórias e conferir às suas faixas uma outra dimensão. Foi o caso de “Borderline”, recentemente remasterizado. Até o fim daquela década, quando lançaria o imponente “Like a Prayer” (1989), Madonna já seria uma referência no assunto.
Mesmo sendo uma mulher branca, Madonna se identificava muito mais com artistas considerados “outsiders”, pontos fora da curva pertencentes às comunidades de negros, hispânicos e LGBTs dos Estados Unidos.
Kamins, que era um homem negro, produziu “Everybody”, mas passou a bola a pedido da gravadora a Reggie Lucas, um expert em jazz e rhythm and blues e que já tinha trabalhado com Roberta Flack e Miles Davis. Além dele, que produziu as 7 primeiras faixas, surgiria ainda uma figura importantíssima no percurso, o DJ Jellybean Benitez, também namorado da artista.
Seria ele o produtor de “Holiday”, canção que quase ficou de fora da seleção final e chegou a ser oferecida às “Supremes” remanescentes, Florence Ballard e Mary Wilson. Com uma letra simples e bastante objetiva, esse hino sobre o desejo de viver um dia livre se tornaria um símbolo dos anos 1980.
A crítica se dividiu, chegando a dizer que o disco soava como se a intérprete fosse “uma Minnie Mouse sob efeito de gás hélio”. Mas uma vez no mundo, o impacto seria sentido nos mais variados aspectos, incluindo a moda. Copiada por milhões de adolescentes, a estética da primeira era foi marcada por pulseiras exageradas, crucifixos, cintos finos com tachinhas, calças de cintura alta e uma porção de lenços.
O clique escolhido para a capa, feito por Gary Heary, surgiu em uma sessão fotográfica despretensiosa, contratada apenas porque ambos moravam próximos.
De cara, a nova estrela mostrou a que veio. Nas apresentações em que fez na TV, inclusive acompanhada do irmão, Christopher, ela dançava de um jeito magnético. Em uma de suas falas mais emblemáticas, ao ser questionada sobre o que queria dali para a frente, não se permitiu sequer pensar na resposta. “Dominar o mundo”, disse.
Era o início de uma jornada que revolucionou tudo, reinventando o pop da forma com que conhecemos hoje. Alguém ainda tem dúvidas de que ela conseguiu?
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