Representante da Bélgica no Oscar 2023, Close chegou com boas chances na categoria de filme internacional, a julgar pela sua carreira desde Cannes. As aspas da imprensa tendem a exaltar do corroteirista e diretor Lukas Dhont seu “olhar sensível”, na história de dois meninos de 13 anos que veem, nos primeiros dias do colegial, sua estreita amizade testada pelo julgamento dos colegas de sala.
É o segundo longa-metragem de Dhont, que parece trilhar um caminho parecido daquele que consagrou Céline Sciamma: partir não apenas das narrativas de coming-of-age (subgênero do drama que cada vez mais serve de porta de entrada para cineastas no circuito de festivais) mas usá-las para falar de fluidez de gênero e pulsões incompreendidas da adolescência. Sciamma fez com Tomboy em 2011 um dos filmes que parecem servir de paradigma para toda uma geração de diretores e Lukas Dhont não escapa dessa influência.
A questão é que, antes de tudo, o tal “olhar sensível” pode ser - e com frequência é o que acontece - uma tática de impessoalidade. Ela parte da escolha de um tema “nobre” (neste caso, o debate sobre preconceito e inadequação diante da possibilidade da homossexualidade precoce) e passa por um cinema de simbolismos também carregado de nobreza (a trama se ambienta na Bélgica rural e as cenas da colheita de flores na fazenda se prestam a metaforizar as belezas e as inocências que se nutrem e se esmagam pela vida).
Lukas Dhont encena o dia a dia na fazenda, nas casas e na escola com a sensibilidade que se espera do cinema naturalista franco-belga de festivais, herdado de Sciamma, que por sua vez herdara dos irmãos Dardenne: câmera na mão para registrar o trivial da rotina, planos mais longos para filmar os atritos dos corpos sem interromper a ação arbitrariamente, close-ups bem próximos e mais fixos para tentar capturar na intimidade do semblante infantil toda uma compreensão do mundo que se desvela. Há nesse olhar um modo de operação que reconhecemos como “apurado” mas isso não o impede de ser também derivativo.
Uma maneira de impedir Close de ser apenas derivativo ou impessoal no seu “olhar sensível” seria colocar mais estofo na dramaturgia, e é justamente esse chamamento que se coloca diante do filme a partir do momento em que a virada trágica (sem spoilers aqui) reordena as questões para um dos protagonistas: ele deixa de absorver a realidade inocentemente e passa a reconhecer seu lugar moral no mundo, o que por extensão lhe encerra a inocência.
Esse processo violento de descoberta se sustenta razoavelmente bem em Close por conta da escalação do elenco adolescente, o grande trunfo do filme. Tanto Eden Dambrine quanto Gustav De Waele se oferecem para os close-ups num equilíbrio perfeito entre a desafetação (seus gestos e suas reações parecem sempre os mais autênticos) e a tipificação (ambos carregam consigo e demonstram visivelmente traços e jeitos que entendemos como femininos e masculinos). Um filme às vezes acontece só nos rostos dos seus atores - é um dos milagres do cinema - e afinal parece ser o que Lukas Dhont almeja aqui.
Às vezes, porém, não é o suficiente. Close depende demais de que essa tentativa seja bem-sucedida, porque no fim das contas sua dramaturgia não tem mesmo muito a oferecer depois da reviravolta. Na verdade, enquanto aguardamos o despertar do menino para a moralidade (o que acontece num confronto final preparado à força), o que a câmera de Dhont consegue fazer é apenas sobrevoar em círculos e rapinar o personagem, ainda que com as melhores intenções. O clichê do “olhar sensível” pode nos dizer que Close é uma narrativa que parte do pecado ou do castigo para chegar na compreensão e no perdão, mas o que vemos - nesse exercício que é muito mais impessoal mesmo do que comprometido - talvez não vá muito além da penitência, do prazer secreto de exercer algum controle formal sobre o sentimento de culpa alheio.
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