Com
um subtexto rico e um elenco muito competente – destaque para a revelação Timothée Chalamet –, o filme tem como
pilares a indescritível ligação emocional do casal Elio e Oliver e a estética,
em perspectiva sensual. Tecnicamente deslumbrante, sua grande lição é não ter
medo de amar.
Indescritível:
é esse o único adjetivo capaz de qualificar com precisão a magnitude da conexão
afetiva que o casal Elio e Oliver alcança em “Me Chame Pelo Seu Nome”, filme sensacional que presenteia o
audiente que considera justa toda forma de amor – o espectador romântico (em
sentido leigo).
O
protagonista do longa é Elio (Timothée Chalamet, “O Natal dos Coopers”), de apenas dezessete anos, americano
descendente de italianos e franceses, que passa mais um verão com seus pais,
agora em 1983, no norte da Itália. Sua rotina é pacata com leituras e músicas,
mudando drasticamente com a chegada de Oliver (Armie Hammer, “Animais
Noturnos”), acadêmico que veio para auxiliar a pesquisa do pai de Elio e
que desperta sentimentos no jovem.
Seria
reducionista enxergar o longa como um romance gay: primeiro, porque ele não
assume um viés panfletário; segundo, porque a sexualidade não é tratada de
maneira simplista. O que prevalece é o sentimento entre Elio e Oliver enquanto
indivíduos, não perante a sociedade. Não se trata de um amor de entrega fácil,
pelo contrário, inicia-se com incômodo, tendo momentos de atrito e tardando a
consumar-se – sem olvidar uma torturante dúvida. Tudo dentro de uma
considerável previsibilidade sobre o que vai acontecer, mas não sobre como vai
acontecer. Por exemplo, há uma cena bastante simbólica em que Oliver joga vôlei
e interage fisicamente por alguns segundos com Elio. Há algo ali muito mais do
que é visível, como linguagem corporal e subtexto.
O
que há de essencial nessa película é justamente a ligação emocional que o casal
encontra, típica da ficção, no estilo “Romeu
e Julieta”, “Elizabeth e Darcy”
e “Therese e Carol”. Existe muito
mais que um amor proibido (ou, talvez, inadequado), mas também a dúvida sobre
os próprios sentimentos e sobre o sentimento do outro. O fato de serem dois
homens é assunto menor (e tratado, no geral, com naturalidade) diante da
avalanche de um amor tão puro e verdadeiro – salvo em um monólogo do pai de
Elio, Professor Perlman (Michael
Stuhlbarg, “A Chegada”), momento
brilhante do texto, muito bem conduzido pelo ator, e que reflete a erudição da
poliglota família do rapaz, muito à frente de seu tempo (mais progressistas que
muitas famílias atuais).
Todo
o elenco é competente, mas é o protagonista quem toma para si os holofotes com
louvor. Chalamet é a revelação da temporada, manifestando ardor atuando como
Elio tanto nos momentos mais introspectivos, quanto nos mais dramáticos. É
palpável a tensão da personagem quando incomodada, como igualmente ocorre
quando está triste, o que é repassado ao público. Já seu parceiro de cena
provavelmente não foi escolhido por seu talento artístico, mas por sua beleza,
um dos pilares do filme: ainda que não seja um ator formidável, Hammer se
enquadra bem no ideal estético masculino hodierno. Ocorre que o pai de Elio
estuda esculturas da Antiguidade clássica (sensuais, na opinião de Oliver),
cujos corpos musculosos e curvilíneos são semelhantes, justamente, ao do ator.
Caminhando
nesse sentido, o diretor Luca Guadagnino
é fiel ao cinema italiano, à sua filmografia e às premissas da obra. Grandes
cineastas italianos abordaram sem pudor o sexo e a sexualidade, como Fellini e
Pasolini, enquanto o próprio Guadagnino dá tons sensuais às suas produções,
como fez em “Um Sonho de Amor”. Aqui
não foi diferente, havendo uma forte carga erótica no clima romântico,
tratando-se, em síntese, de mais um romance com muita sensualidade, sem se
tornar exagerado como fez Fellini com “Satyricon”.
A nudez não é apelativa – não custa lembrar que o cinema europeu não segue a
lógica do cinema hollywoodiano –, pois está dentro de um contexto. A direção
acaba sendo uma ode à beleza, englobando a boniteza masculina e o encanto
natural, através de lindos cenários que mostram as estonteantes paisagens
italianas (jardins, lagos, monumentos, pequenos centros urbanos etc.) e uma
primorosa edição de som (bicicleta, passarinhos, um pêssego espremido etc.). O
figurino também é impecável, mantendo-se fiel à época em que se passa a
história, privilegiando cores veranis, normalmente colocando Elio de camiseta
(mais informal) e Oliver de camisa (mais formal), mas ambos com shorts bem
curtos (bem acima da altura dos joelhos). Enfim, tecnicamente, a película é
deslumbrante.
O
rico subtexto de “Me Chame Pelo Seu Nome”
passeia pela filosofia de Heráclito
(responsável pela ideia segundo a qual é impossível que um homem entre no mesmo
rio duas vezes) e de Sócrates (“só sei que nada sei”), tendo como
excerto mais valoroso aquele retirado de “L’Heptaméron”,
escrito por Marguerite de Navarre: é
melhor morrer ou falar? De todas as lições do filme, a maior delas é não ter
medo de amar.
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