O
site da revista Rolling Stone
publicou uma entrevista inédita com Madonna
após feita durante os primeiros shows da Rebel
Heart Tour nos Estados Unidos e Canadá. Ela revelou curiosidades sobre o
processo criativo do novo show, de religião e sexo, como se vê numa próxima
turnê daqui 10 anos e que adoraria tomar chá com o Papa.
Confira:
Em que ponto durante a
gravação de Rebel Heart você começou a criar ideias para esta turnê?
O período de finalização do meu último
álbum foi de pânico e muita pressão por causa de todos aqueles vazamentos,
então eu só comecei a realmente pensar sobre o meu show ao vivo depois que o
disco foi lançado e comecei a gravar clipes e fazer shows promocionais.
Honestamente, eu realmente só sentei e comecei a pensar com detalhes sobre a
turnê no final de março passado. Isso é incomum para mim, porque costumo
começar a pensar sobre meus projetos com bastante antecedência.
Uma vez que você
finalmente começou a criar a turnê, quais objetivos você tinha em mente?
Meus objetivos são sempre os mesmos.
Eu quero levar as pessoas numa viagem. Gosto de explorar temas. Acredito que se
você vai se apresentar um grande espaço, como uma arena de esportes ou um
estádio, você precisa apresentar um tipo de entretenimento que estimule todos
os sentidos. Não acho que seja suficiente apenas estar no palco e cantar. Acho
que há momentos específicos para isso, mas ao mesmo tempo sou uma pessoa muito
visual. Eu fui treinada como dançarina, então esses tipos de estímulos são
realmente importantes para mim. Nos meus shows, pelo menos. Acredito que quando
o público vai a um show meu, eles entram em um mundo mágico e são transportados
por duas horas para outro tempo e lugar. Eles conectam seus cérebros à matriz
do meu cérebro criativo que, em geral, explora e expressa todas as coisas que
despertam meu interesse e me inspiram de alguma forma. Esse é sempre o meu
objetivo. Claro, isso muda entre um álbum e outro, uma turnê e outra,
dependendo do meu humor e dos temas que quero apresentar.
Quais são os temas principais
desta turnê?
A primeira mensagem é sobre força e
capacitação, e usamos a música Iconic na abertura. Ela fala sobre sermos
guerreiros e lutarmos por aquilo em que acreditamos, reconhecendo que todos têm
a capacidade de ser icônicos, cada um do seu jeito. É sobre ser um guerreiro e
brilhar. Além disso, estou honrada de ter a participação de Mike Tyson na
música e no vídeo, porque eu realmente me espelho nele e o admiro como uma
pessoa que passou pelos altos e baixos da vida, que atravessou fogueiras e enfrentou
a escuridão. Para mim, ele se transformou em um ser humano no qual devemos nos
espelhar e nos inspirar.
Esse seria o primeiro tema. Já Devil
Pray é uma canção sobre cair na ilusão de que álcool e maconha podem te dar
acesso a uma espécie de mundo superior, por assim dizer, ou que podem deixá-lo
mais perto de Deus. De fato, eles podem. Mas acho que, no fim das contas, é
tudo uma ilusão.
Como eu disse, eu não pulo de um tema
para outro, simplesmente. Temos que embarcar em uma jornada. Começamos como
guerreiros, e em seguida exploramos temas como sexo e religião, porque são
assuntos que, em nossa sociedade, estão sempre separados. Para mim, o sexo é
uma dádiva sagrada que nos foi dada para que possamos explorá-lo e brincar com
ele. Eu gosto de provocar as pessoas com os conceitos de sexo e com o ponto de
vista da religião sobre esse assunto. Isso é porque eu acredito que as pessoas
precisam ser desafiadas a pensar, mesmo que elas não concordem comigo. Tudo bem
elas não concordarem comigo. Mas eu não vou simplesmente fazer um show
canção-por-canção. Nós estaremos lá juntos por duas horas!
Que tal você me dizer
sobre seu processo para escolher quais músicas antigas colocar no set list?
Isso, com certeza, não deve ser fácil.
Isso é muito, muito difícil. Basicamente,
eu estudo todo meu catálogo de canções, que é bastante extenso e, uma vez que
eu tenho uma ideia dos temas que quero explorar, divido o show em quatro blocos
e tento encontrar maneiras de entrelaçar as minhas músicas antigas com as
novas. Em geral, elas têm a ver com os temas. Por esse motivo, tentamos várias
canções e muitas delas não funcionam. Então, tentamos coisas que eu nunca
imaginaria que funcionariam, mas que funcionam. É um processo muito, muito
longo. Para mim, este é o maior desafio: casar o velho com o novo. Porque,
obviamente, escrevi aquelas canções há muito tempo, e tenho que reinventá-las
de forma que elas signifiquem algo para mim agora em contraponto ao que elas
significaram para a mulher que eu era há 30 anos.
Eu sempre admirei isso
nos seus shows. Seria tão fácil você simplesmente tocar seus 15 maiores hits e
manter os arranjos originais, mas você nunca tomou esse caminho mais fácil.
Não. E eu simplesmente não poderia
fazer isso, de qualquer maneira. Eu não conseguiria fazer isso.
Você poderia explicar
por quê?
Porque eu mudei, e as sonoridades
mudaram. O som de um sintetizador ou de um 808 [drum machine] … Tudo mudou
muito. Se você colocar a canção antiga original ao lado de algo novo, ela soará
simplista e fraca. Você sabe o que eu quero dizer? Elas simplesmente não podem
viver juntas.
True Blue foi realmente
um grande momento do show, por você tê-la desconstruído daquele jeito.
Sim. Eu adoro cantar True Blue e La
Vie En Rose. Eu me divirto com elas, porque há algo de ingênuo e doce ao cantar
uma música com um ukulele.
Você é novata nesse
instrumento?
Oh, Deus, sim [risos]. Eu sou péssima
com o ukulele, basicamente. As progressões de acordes são completamente
diferentes das de um violão, por isso não é algo que eu possa tocar
naturalmente, sem pensar. Então tenho que me desafiar constantemente. É um
desafio para mim toda noite, porque um “G“ em um ukulele não se parece com um
“G” em um violão. É um pouco complicado. Tem que prestar atenção.
Diga-me como você se
prepara fisicamente para a turnê. Você fará mais de 80 shows nos próximos
meses. Isso exige, no mínimo, bastante preparo físico.
Sim. Isso é verdade, mas tenho que
admitir que não tive tanto tempo para treinar e me preparar fisicamente para
esta turnê como tive no passado com outras turnês. Isso é porque eu tenho
quatro filhos, e eles ocupam muito do meu tempo. Então, eu tenho que escolher
entre malhar e passar tempo com eles, e, ao mesmo tempo, preparar o meu show.
Eu tenho que encontrar o equilíbrio entre me preparar fisicamente o suficiente
para não ficar sem fôlego no palco, mas também não me esgotar fisicamente, e
também estar com meus filhos. A lista é longa e interminável…
Existe algo sobre o
processo criativo de um show ao vivo que você não encontra ao fazer um filme ou
gravar um álbum?
Bem, não há nada como um show ao vivo,
obviamente. Viver no limite, exposta, sem nunca saber o que vai acontecer, é
uma situação perigosa. Você comete erros, e tem que lidar imediatemente com
aqueles erros. Você sabe, cada público é diferente. Eu amo quando o público
está vivo e brinca comigo, como foi no Brooklyn. As pessoas entendem meu senso
de humor e posso interagir com elas, tanto musicalmente quanto apenas
conversando.
Quando você faz o mesmo show noite
após noite, você tem que concentrar toda sua energia e se preparar para ser
esta força da natureza que toma conta de uma arena inteira. Isso dá muito
trabalho. E em seguida você tem que descompressar toda essa energia, o que
também dá muito trabalho. Então, nada se compara a isso.
Para mim, quando você está no palco,
não há como trapacear. Simplesmente não há como enganar. Quando você está no
estúdio, você pode fazer outras tomadas, você pode consertar as coisas, você
pode voltar atrás e sintonizar seus vocais. Quando você está fazendo um filme,
você pode recorrer à edição, você pode consertar as coisas durante a
pós-produção. Ou seja, não é ao vivo. Já um show é um mundo totalmente
diferente.
Você se vê fazendo
turnês daqui a 10, 15 anos?
Eu nem sequer penso assim com tanta
antecedência, mas se pudesse me ver viajando pelo mundo com uma turnê e me
conectando com o público no futuro, tenho certeza de que seria algo bem
diferente dos musicais extravagantes que faço agora.
Você acha que poderia gostar
de um show mais enxuto, só com você e uma pequena banda, sem toda a produção?
Eu gosto bastante da ideia de ficar
simplesmente sentada em um banquinho com uma garrafa de vinho e um violão e
incorporar meu “stand-up comedy” na apresentação. Gosto de falar com o público,
contar histórias. Eu acho que poderia fazer um espetáculo interessante, para
dizer a verdade. Eu gosto bastante da ideia de fazer algo simples.
Esta é a sua sexta turnê
nos anos 2000. Parte do desafio deve ser encontrar maneiras de se superar,
visto que você já fez tantas coisas diferentes.
Eu não penso nisso como um desafio de
“me superar”. É como fazer um filme, e, em seguida, um outro filme. Você não
precisa se superar. É apenas uma história diferente que você tem que contar. Eu
trabalho com um monte de cineastas e figurinistas e coreógrafos e bailarinos,
por isso as turnês sempre serão diferentes.
Esta equipe de
dançarinos é surpreendente. Parecia que eles eram capazes de fazer qualquer
coisa.
Sim, eles são maravilhoso, super
talentosos e originais. Eu sempre digo aos meus bailarinos que eles são atores,
eles não são dançarinos, e que muito vai ser esperado deles. Eu sempre digo a
palavra “intenção”. Eu não balanço meus braços simplesmente por balançar. “Por
que você está fazendo isso? O que você está tentando dizer?” Acho que é isso
que faz com que meus shows sejam diferentes dos demais.
É uma coincidência
engraçada que você e o Papa estão passando pelas mesmas cidades esta semana.
[Risos] É divertido, sim. Estou
torcendo para que a gente se esbarre.
Você falou bastante
sobre ele no show. Você é uma fã?
Eu tenho um longo relacionamento com o
Papa, com o Vaticano, com a Igreja Católica, com a minha excomunhão. Você sabe,
eu fui criada católica e não importa o caminho espiritual que eu siga, eu
sempre sinto algum tipo de conexão inexplicável com o catolicismo. É o tipo de
coisa que se revela em todo o meu trabalho, como você deve ter notado.
Você está feliz com a
direção para a qual este Papa está levando a igreja?
Vou dizer o óbvio e afirmar que ele
parece ser um indivíduo de mente bem mais aberta, que parece estar se
distanciando dos dogmas da Igreja Católica que foram definidos desde os tempos
de Constantino. Então, eu acho que isso é bom. É bom olhar para o mundo lá fora
e perceber que nós mudamos e que no fim das contas a mensagem de Jesus é amar o
próximo como a si mesmo, o que significa não julgar o próximo. E, para fazer
isso, você tem que ser uma pessoa de mente aberta e aceitar as pessoas têm
estilos de vida que você considera não convencionais. Então, eu acho que isso é
bom, sim. Além disso, eu acredito que ele é o tipo de Papa com quem você
poderia sentar e tomar uma xícara de chá e que você poderia fazer uma piada
sobre algo e ele iria rir sobre isso.
É engraçado lembrar da
Blond Ambition Tour, quando o Papa tentou impedir que você fizesse seu show em
Roma.
Sim, ele tentou mesmo. Mas os tempos
mudaram tanto, de tantas maneiras, e não apenas o Papa.
Você acha que ele iria
gostar do seu show?
Eu acho que sim, porque no fim das
contas a mensagem do meu show é sobre o amor e essa também é a mensagem dele.