Um
incêndio transforma a Boate Kiss em um verdadeiro inferno. Os jovens que
estavam lá não voltam para casa, e os pais começam uma busca pela cidade.
10
anos se passaram desde o terceiro pior acidente em casa noturna da história,
que resultou no óbito de 242 pessoas, além de inúmeros feridos de forma física
e emocionalmente. Baseado no livro “Todo Dia a Mesma Noite: A História não
Contada da Boate Kiss” (2018), da jornalista e escritora Daniela Arbex,
Todo Dia a Mesma Noite é uma minissérie que respeita a memória das
vítimas, sensibilizando com a luta dos parentes que clamam pela justiça em um
país corrompido, com intuito de intensificar ainda mais as denúncias contra os
verdadeiros responsáveis pelo caso que, há 1 década, vem trucidando todos
aqueles que foram afetados tanto direta quanto indiretamente.
A
produção, que conta com a competente e minuciosa direção geral de Julia
Rezende, através de um roteiro preciso assinado por Gustavo Lipsztein,
revela a precariedade da justiça brasileira, abraçada a corrupção e a
impunidade. Denúncias muito mais que bem vindas e empregadas firmemente ao
longo dos 5 episódios da minissérie. Em cada capítulo, graças a coesão da
escrita bem estruturada e convincente de Lipsztein, além da empatia que já
sentimos pelas vítimas e sobreviventes do incêndio da Boate Kiss, nos
deparamos com um verdadeiro soco no estômago, recheado de indignação e revolta.
Os
dois primeiros episódios de “Todo Dia a Mesma Noite”, denominados “A
Noite” e “O Luto”, talvez sejam os mais impactantes de toda a série,
por reconstruir de forma detalhada a tragédia que ceifou a vida de 242 e
mostrar como o luto afetou as famílias das vítimas, de forma sensível, que
esbanja uma sincera delicadeza artística. A sequência do início do incêndio no teto
da boate, que culminou na liberação do gás tóxico responsável pela maioria dos
óbitos, é bem detalhada, contando com efeitos visuais práticos e
computadorizados em perfeito equilíbrio, além de uma direção precisa e
movimentos de câmera que prezam pela sensação claustrofóbica do momento,
chegando a gerar uma extrema agonia.
Os
episódios seguintes, “A Culpa”, “O Processo” e “Sem Fim”,
são responsáveis por reconstituir as injustiças sofridas pelos pais das vítimas
que se mobilizaram para garantir a punição dos verdadeiros responsáveis pela
catástrofe, descobrindo esquemas envolvendo a Prefeitura e o Ministério
Público de Santa Maria. A indignação pelo silêncio da justiça brasileira
quanto ao caso torna-se um aperto no coração, além de gerar gritos de dor e
revolta incapazes de serem ouvidos.
A
série também ostentando uma direção de fotografia que valoriza as belas
paisagens de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, com planos
abertos, luzes naturais e tonalidades mais frias, remetendo ao luto. No cenário
urbano, os planos são mais fechados, permanecendo os tons mais azulados. A
direção e arte reconstrói sutilmente os cenários da cidade no início de 2013 e
a trilha sonora, poderosa e sempre presente, também é um diferencial para o
exímio trabalho técnico da produção.
O
núcleo dos pais das vítimas da tragédia, em “Todo Dia a Mesma Noite”,
conta com grandes nomes, como Debora Lamm, Thelmo Fernandes, Paulo
Gorgulho, Bianca Byington, Leonardo Medeiros, Raquel Karro
e Bel Kowarick. Todo o destaque vai para as atuações poderosas de
Fernandes e Gorgulho, que interpretam Pedro e Ricardo, respectivamente. Já Paola
Antonini, Nicolas Vargas, Manu Morelli, Luan Vieira, Miguel
Roncato e Sandro Aliprandini interpretam os jovens vítimas do
incêndio, tendo pouco tempo de tela, mas, ainda assim, passando toda inocência
e sonhos de uma juventude tão promissora.
A
única crítica para a nova produção da Netflix é o modo caricato de
mostrar os gaúchos na série, que são, na maioria, interpretados por atores de
outros Estados. Há grandes artistas no Rio Grande do Sul e sotaques
forçados, mesmo estando disfarçados de boas atuações (como é o caso daqui),
podem gerar estranhamento.
Vale
destacar que, em hipótese alguma, a Netflix utiliza da dor dos
familiares para gerar entretenimento, em Todo Dia a Mesma Noite. O
intuito da produção é exatamente ampliar as denúncias contra os acusados pela
tragédia e fazer com que o Brasil e o mundo não esqueça do que aconteceu
naquele dia 27 de janeiro de 2013.
Corajoso,
triste, revoltante e extremamente necessário, Todo Dia a Mesma Noite é
uma ode poderosa contra o silenciamento.
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