Quem
passa pelo saudoso Beco da Lama, uma
rua estreita no centro da cidade - Natal RN - nem se lembra que alí se dorme no
chão bruto, se vende flores e produtos aromáticos para festejar o seu santo
preferido, de São Jorge a Yemanjá,
come-se à bessa, nos restaurantes que alí existem, toma-se uma caninha
"braba", daquelas que inveterado cospo e faz cara feia, joga-se no
bicho, pois em Natal não é proibido jogar (no bicho - cobra, macaco ou
avestruz) e tem tanta coisa que se falar aqui, não vai dar tempo.
Antigamente,
um rapaz, numa bodega da esquina, próximo a feira das frutas, tinha o seu ponto
predileto onde fazia para vender a tradicional "meladinha" que era
cachaça com mel. Ele só abria o ponto às 10h da manhã. Fechava às 2h da tarde
para abrir outra vez, às 4h. Alí, bebiam em um reservado, os secretários de
estado, escritores, advogados, jornalistas e até mesmo boêmio para não se dizer
outra palavra não menos cabida.
Eu
não sei se, depois da morte do homem, o bar continuou funcionando. Sei, apenas
que, aos sábados, por volta das 10h, outra vez o Beco da Lama se enche de gente. São jornalistas, poetas,
escritores, advogados ou mesmo quem ainda não é conhecido.
O
Beco, num pedacinho de nada, se enche de gente, cada um com a sua conversa e
todos falando a um tempo só. É, na verdade, um ponto de encontro dos
"velhos" e inveterados amigos - e até inimigos - que se juntam para
comemorar, com as suas falas o que tem de se comemorar: Nada!!!.
Tão
logo passe o dia, o Beco se esvazia. Em tempos remotos, tinha ali um "cabaré",
pois era assim que se chamava uma casa de alguns quartos para alugar a homens
que tomavam uma "dama" para ter um relacionamento conjugal. Essas
moças - quase sempre de 20 anos ou pouco mais - viviam alí à espera do seu
"homem" que por meia hora era o seu "dono". Depois desse
tempo, era lavar e enxugar. Outro "homem" talvez estivesse impaciente
para poder entrar e cumprir a mesma missão.
O
Beco da Lama é antigo. Vem dos
primórdios do tempo em que a cidade acabava alí. Lama era porque pelo beco
escorria lama ou de chuva ou de lavagem de roupa e de banho. A lama descia pelo
local até chegar a um terreno próximo do Mercado
da Cidade e alí ficava.
Natal
era uma cidade - naquela época - de poucas casas e naquele beco existiam
mocambos de palha fincados na areia. Um cachorro magro era a arma de cada um.
Quando o cão sarnento latia era sinal que vinha gente para um dos casebres,
sempre para falar da vida dos outros.
Um
certo dia, a Câmara Municipal
proibiu o povo daquele pedaço de terra continuar morando em suas palhoças.
Tinha que se fazer casebres de taipa. A cidade foi tomando pé do progresso, mas
o Beco continuou a ser chamado "da Lama", apesar de existir uma placa
dizendo que alí é a rua Dr. Francisco
Ivo, um homem que morou na Av. Rio
Branco, quase na esquina com a rua Cel.
Cascudo onde tem a Feira das Frutas.
A placa está na bodega de Nazzi,
homem que já morreu e que, em vida, fazia a tradicional "meladinha".
Hoje,
a rua é calçada e as casas são todas de comércio, salvo o quiosque que existe
no local onde as "damas" costumam fazer o seu "ponto". O Beco da Lama é pequeno, indo da rua Ulisses Caldas até a rua João Pessoa. Depois desse ponto, o beco
leva outro nome.
Hoje,
um grupo de blogueiros e não blogueiros fazem dali um ponto de encontro, um
reduto, para se dizer melhor, principalmente aos sábados, mas sem deixar os
outros dias passar em branco. Poucos sabem a história do Beco. Outros, sabem
até demais. Alguns teimam em chamar o beco de apenas Beco. Notívago, o Beco da Lama, sem nada para encher as
agruras do tempo, ele é um beco como outros existentes em toda a parte do
mundo.
Para
a alegria da nova geração, e de alguns da velha guarda, a Prefeitura de Natal
convidou 40 artistas do grafitti, sob a direção do renomado Dicesarlove, para encher as paredes do Bedo da Lama de arte urbana em seus
muros e paredes. Uma espécie de Beco do
Batman (SP) potiguar.
O
projeto faz parte de uma série de ações que a Prefeitura do Natal vem promovendo no Centro.
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