quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Livro do disco 'LadoB LadoA' mostra como Rappa retratou cisões do Rio


Dos três inéditos títulos nacionais da primeira fornada de O livro do disco, série da editora carioca Cobogó em que álbuns emblemáticos da música brasileira são dissecados sob prima musical e, ou social, o volume dedicado ao terceiro álbum do grupo carioca O Rappa é o mais interessante porque o autor do livro, o historiador e professor de Literatura e Letras Frederico Coelho, entendeu que é impossível analisar a fundo o melhor disco d'O Rappa sem contextualizar a criação de LadoB LadoA, de 1999 na cena sócio-política da cidade do Rio de Janeiro (RJ) no fim do século XX.

Sem recorrer à linguagem acadêmica, o que poderia distanciar o livro do público que consumiu o material, Coelho é certeiro ao caracterizar o melhor álbum do grupo como um reflexo das cisões que partiam ainda mais a cidade do Rio de Janeiro naquele ano de 1999.

Cisões que dividiam a cidade não somente entre morro e asfalto, mas também em classes nem sempre oficializadas e em facções dentro das favelas dominadas e amedrontadas pelo tráfico de drogas.

Em seu último disco como baterista e principal compositor do grupo, Marcelo Yuka deu voz, em suas letras, à parcela da população marginalizada. Sem pisar em terreno panfletário, Yuka partia em defesa da população oprimida nas vilas, filas e favelas, e nas duras cotidianas da política, assunto de Tribunal de Rua”, música que abre LadoB LadoA com groove formatado trazendo toques de dub, scratches e um violão diplomado na escola básica de Jorge Ben Jor.


Antes de analisar a fundo cada uma das doze faixas do disco, apontando com propriedade o deslocamento de Favela” no conceito geral de LadoB LadoA, o autor expõe o contexto social em que o disco foi criado e também a evolução da obra fonográfica do grupo em trajetória que culminou com a obra-prima de 1999.

Antes de chegar a LadoB LadoA, a banda estreou com um álbum cru, O Rappa, em 1994), e teve seu som lapidado pelo produtor Liminha no segundo disco, Rappa Mundi, de 1996, no qual a abertura de uma janela pop iluminou o cancioneiro do grupo com luz mais solar, de certa forma apagada pelas sombras de LadoB LadoA, disco dos hits Minha alma (A Paz Que Eu Não Quero)”, Me Deixa” e O Que Sobrou do Céu”.

Em qualquer tom, O Rappa fez som com linguagem carioca. Ouvia-se na sua música o groove e a língua das ruas. Coelho acerta ao enfatizar n'O livro do disco que, em essência, LadoB LadoA é o disco do oprimido que, ao levantar a voz sem a permissão de seu opressor, mudou a cara e o som do Rio.