Dos três inéditos títulos
nacionais da primeira fornada de O livro do disco, série da editora
carioca Cobogó em que álbuns emblemáticos da música brasileira são dissecados
sob prima musical e, ou social, o volume dedicado ao terceiro álbum do grupo
carioca O Rappa é o mais
interessante porque o autor do livro, o historiador e professor de Literatura e
Letras Frederico Coelho, entendeu
que é impossível analisar a fundo o melhor disco d'O Rappa sem contextualizar a criação de LadoB LadoA, de 1999 na cena sócio-política da cidade
do Rio de Janeiro (RJ) no fim do século XX.
Sem recorrer à linguagem
acadêmica, o que poderia distanciar o livro do público que consumiu o material,
Coelho é certeiro ao caracterizar o melhor álbum do grupo como um reflexo das
cisões que partiam ainda mais a cidade do Rio de Janeiro naquele ano de 1999.
Cisões que dividiam a cidade não
somente entre morro e asfalto, mas também em classes nem sempre oficializadas e
em facções dentro das favelas dominadas e amedrontadas pelo tráfico de drogas.
Em seu último disco como baterista
e principal compositor do grupo, Marcelo
Yuka deu voz, em suas letras, à parcela da população marginalizada. Sem
pisar em terreno panfletário, Yuka partia em defesa da população oprimida nas
vilas, filas e favelas, e nas duras cotidianas
da política, assunto de “Tribunal
de Rua”, música que abre LadoB LadoA com groove formatado trazendo toques de dub, scratches e
um violão diplomado na escola básica de Jorge
Ben Jor.
Antes de analisar a fundo cada uma
das doze faixas do disco, apontando com propriedade o deslocamento de “Favela” no
conceito geral de LadoB LadoA, o autor expõe o contexto social em que o disco
foi criado e também a evolução da obra fonográfica do grupo em trajetória que
culminou com a obra-prima de 1999.
Antes de chegar a LadoB LadoA, a banda estreou
com um álbum cru, O Rappa, em 1994),
e teve seu som lapidado pelo produtor Liminha
no segundo disco, Rappa Mundi, de 1996, no qual a abertura de uma janela pop
iluminou o cancioneiro do grupo com luz mais solar, de certa forma apagada
pelas sombras de LadoB LadoA, disco dos hits “Minha
alma (A Paz Que Eu Não Quero)”, “Me Deixa” e “O Que Sobrou do Céu”.
Em qualquer tom, O Rappa fez som com linguagem carioca.
Ouvia-se na sua música o groove e
a língua das ruas. Coelho acerta ao enfatizar n'O livro do disco que, em essência, LadoB LadoA é o disco do oprimido que, ao levantar a voz sem a
permissão de seu opressor, mudou a cara e o som do Rio.