Barbie é um filme debochado. Uma obra criativa, surreal, colorida e espalhafatosamente debochada. Greta Gerwig mostra como tem aprimorado suas principais qualidades como diretora e construiu aqui, em pouco mais de 100 minutos, uma espécie de manual com tópicos básicos de como dar voz a mulheres contra a hipocrisia de uma sociedade patriarcal sustentada pelo consumo.
E como “básico” entenda que realmente são as coisas mais óbvias sobre o assunto. Ideias e, principalmente, sentimentos que dificilmente conseguem se fazer entendidos. O diferencial para que Barbie não seja um filme chato e previsível, então, veio da criatividade com a qual expõe contradições do patriarcado, tornando-se uma crítica bem-humorada dos valores deturpados que teimam em ser tratados como normais.
Antes de qualquer coisa, Barbie é um filme de fantasia e comédia com uma estrutura similar a grandes clássicos da Sessão da Tarde. Gerwig, que assina o roteiro ao lado de Noah Baumbach (História de um Casamento), apresenta um universo próprio, com regras bem estabelecidas e rapidamente explicadas. É fácil entender o que faz sentido ali na Barbielândia, mesmo que não faça sentido aqui na vida real.
A história acompanha a Barbie Estereotípica, que vive em um lugar perfeito, na companhia de amigas perfeitas (as outras Barbies), fazendo coisas divertidas e imersa na certeza de que a sua invenção fez bem para meninas no mundo real. No entanto, começam a acontecer mudanças de comportamento que a levam a uma inevitável crise existencial.
Para superar toda essa confusão, ela embarca em uma jornada incrível de descobertas sobre si, sobre o mundo ao qual pertence e, acima de tudo, sobre o mundo onde foi criada para servir de exemplo e faturar milhões.
Crítica nada sutil
Apesar de não apostar muito na sutileza para cutucar o status quo, Barbie se aprofunda no comentário social e político por meio da sagacidade dos diálogos e atuações irônicas, propositalmente exageradas.
A crítica é o coração desse filme, utilizando doses consideráveis de metalinguagem para manifestar-se contra o sistema no qual está inserido. O posicionamento quanto à Mattel é até surpreendente, batendo firme nas supostas boas intenções ao lançar a boneca como um brinquedo que inspiraria crianças de todo o mundo, mas que se tornou o reflexo de um padrão de beleza inalcançável e o motivo do colapso da autoestima de várias gerações.
Apenas um Ken
Enquanto conversa diretamente com meninas e mulheres por meio de referências nostálgicas ligadas à boneca, despertando sensações comuns – sejam positivas ou negativas -, Barbie pisa no calo de homens em muitos níveis.
As críticas logicamente alcançam aqueles que são misóginos, homofóbicos, conservadores e retrógrados, mas também os queridos progressistas que se colocam em posição de aliados, mas acabam apenas buscando um tipo diferente de protagonismo.
O fato de todos os Kens serem estúpidos não busca atingir homens de uma forma literal, mas, ao deixar muitos deles irritados com o retrato genérico, cumpre perfeitamente seu objetivo. Ryan Gosling tem uma atuação fisicamente muito expressiva e parece ter entendido perfeitamente o que estava representando ali. Se o espectador tiver uma masculinidade um pouco frágil que seja, provavelmente vai ficar ofendido em algum momento do filme. E, adivinha, é exatamente essa a piada.
Entre amigas
O filme é uma grande conversa de bar entre amigas. Greta Gerwig se diz incrédula depois que a Warner aprovou o roteiro escrito por ela e Baumbach, mas o resultado foi incrivelmente natural.
Margot Robbie é a melhor encarnação possível para a Barbie clássica e podemos agradecer a ela por ter adquirido os direitos de adaptação da personagem por meio da sua produtora, a LuckyChap Entertainment, e produzido o filme junto da Warner.
Um dos aspectos mais importantes que dá para retirar de Barbie é que não dá para definir as mulheres pelos seus papéis pré-estabelecidos por alguém em algum momento da história. Também não é correto defini-las pelas suas mazelas, pelo seu sofrimento. Inclusive, se puder não definir as mulheres sob nenhuma perspectiva, para qualquer fim ou com qualquer boa intenção envolvida, seria ainda melhor.
Assista ao filme com amigas, namoradas, esposas, filhas, sobrinhas. Leia, ouça e assista influenciadoras mulheres sobre o filme. Há uma perspectiva diferente que Greta Gerwig e Margot Robbie disseram existir diversas vezes e, no fim das contas, vai mesmo atingir o público feminino de uma forma diferente.
Esse não é um impeditivo que restrinja a audiência às mulheres, mas quem não gostar dessa perspectiva já não fazia parte do público-alvo que assistiria ao filme de qualquer jeito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário