Biografias
são complicadas. Quase sempre fazem uso de uma fórmula estrutural para relatar
a história de vida, ou ao menos uma parcela, de alguma figura pré-existente no
mundo. Algumas conseguem inclusive fazer um desserviço ao seu homenageado,
podendo se tornar didáticas e pouco inspiradas, geralmente narrando eventos até
mesmo muito conhecidos do grande público.
Aqui
no PontoZzero tivemos muitas biografias, e as mais interessantes são
justamente as que almejam quebrar este formato de alguma maneira. A melhor,
provavelmente, atende pelo nome Eu, Tonya e relata a vida, desde a
infância, da jovem Tonya Harding, patinadora que chegou a disputar as
olimpíadas, até o grande escândalo que marcaria verdadeiramente sua história.
Na
infância problemática, quando Harding é interpretada pela carismática atriz
mirim Mckenna Grace (também digna de atenção), sua personalidade começou
a ser moldada. A maior interferência nesta fase se deu pelos maus-tratos da mãe
exigente, e para todos os efeitos, desequilibrada, uma performance bem
chamativa da humorista Allison Janney, que deixa aflorar sua veia
sarcástica ao máximo, retirando muito do humor negro da obra, e merecendo ser
lembrada na época de prêmios.
Outro
grande chamariz aqui é o desempenho de Margot Robbie, jovem atriz
australiana, de 27 anos, que com apenas dois trabalhos (O Lobo de Wall
Street e Esquadrão Suicida) foi capaz de tomar Hollywood de assalto.
Eu, Tonya guarda sua melhor atuação até o momento, abrindo espaço para
Robbie mostrar tudo o que sabe, num show só seu, onde todos os outros estão
atrás (outro fato inédito em sua carreira). A atriz é posta à prova, num
xeque-mate decisório e que felizmente guarda ponto para a atriz. Ela mostra que
é um talento, deixando a promessa no passado.
Como
Harding, Margot Robbie vive diversas fases da narrativa, desde uma
adolescente de 15 anos, até uma mulher de mais de 40 anos, amargurada pela
série de equívocos de decisões que constituíram sua vida. O interessante é
notar as nuances com as quais a atriz constrói cada momento. O destaque fica
para a jovem Harding, terreno no qual o filme concentra-se. Robbie faz rir,
transmite culpa, pena, sofrimento, tristeza, num verdadeiro tour de force. Meus
momentos favoritos são quando exala felicidade extrema ao mostrar que era de
fato uma patinadora talentosa, ao ganhar competições (Robbie é puro brilho), e
na decisão da sentença do juiz, quando seus crimes a tiraram parte da vida – que
performance!
Eu,
Tonya pega de surpresa. É uma
biografia criativa e diferente da maioria, utilizando como um dos maiores
trunfos a quebra da quarta parede, onde os personagens não apenas falam com a
câmera como se fosse um mockumentary (documentário falso), mas também
interrompem a ação – como nas brigas entre o casal – para adereçar diretamente
o público na plateia. Mistura cinema de crime, investigação policial, suspense
e drama sobre abuso doméstico, a obra discute feminismo, e ainda consegue arrumar
espaço para ser um dos filmes mais verdadeiramente hilários do ano. E neste
quesito o mérito vai para o roteiro de Steven Rogers e para a direção de
Craig Gillespie (A Garota Ideal).
Sei
que a disputa é sempre muito dura e apertada, e que provavelmente o lançamento
de Eu, Tonya para 2018 o tire totalmente de jogada, mas quero deixar
aqui minha campanha para a indicação de Margot Robbie a prêmios na
próxima temporada.
Ah,
e que trilha sonora! Num ano em que tivemos Guardiões da Galáxia Vol 2 e
Atômica, Eu, Tonya chega como terceiro exemplar destra trilogia
involuntária, registrando mais alguns sucessos da década de 1980,
minuciosamente entranhados em sua narrativa.
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