Difícil, quase impossível. Segundo o diretor, as reações do público após a projeção não são muito diversas: ou se ama, ou se odeia. Mas a grande maioria, na verdade, sai da sala sem saber reagir direito ao que acabou de ver. E, aos poucos, aqueles que conseguirem superar essa barreira e se sentirem aptos a desenvolveram um raciocínio mais profundo a respeito e, a partir disso, criar um conceito sobre, é muito provável que a conclusão leve a uma total admiração e a um encantamento por este mundo bizarro e singular, ainda que repugnante e perturbador. Caso contrário, o distanciamento irá se impor, uma vez que aqueles que optarem por rejeitar o que não entendem, apenas demonstrarão uma falta de empenho necessário para tal compreensão.
Lourenço (Selton Mello, irrepreensível) é um negociante que ganha a vida pagando muito pouco por objetos usados que lhe são oferecidos diariamente por quem está enfrentando necessidades. Supostamente, deve revender estas aquisições por um valor superior, mas o filme não se preocupa com isso. O que interessa é mostrar o desprezo que o personagem tem por quem o procura, em como leva este trabalho diário. Esse descaso se reflete em muitos outros aspectos da vida, como no namoro (“Eu não te amo. Nunca te amei. Eu não amo ninguém”, diz ao abandonar a noiva) e no trato com os funcionários. Mas um lampejo de mudança surge quando encontra ela. A Bunda. Sim, é uma Bunda com B maiúsculo. Porque não é qualquer bunda, mas sim uma que o encanta a tal ponto de criar uma dependência, o obrigando a ir diariamente àquela lanchonete imunda e pedir o mesmo xis intragável apenas para visualizar o traseiro da garçonete. Mais uma vez. Nem que seja a última.
O filme gira em torno do protagonista e adota a ótica deste ver o mundo. Tanto que nem um outro personagem é batizado: é só o “segurança” (papel, aliás, do próprio Lourenço Mutarelli, autor do livro em que o filme se baseia), a “viciada”, o “PM”, o “mendigo”, o “entregador de pizza” ou o “encanador”. Já o comentado “cheiro do ralo” é um problema no encanamento do banheiro do escritório, mas que acaba se transferindo para o protagonista. “O cheiro é teu”, diz um cliente após levar uma recusa. "Não, é do encanamento”, ainda tenta argumentar, para levar como resposta: “não, é teu mesmo. É toda a podridão que você vem acumulando há anos que está vindo para fora!”.
Habilmente levado às telas pelo mais do que competente Heitor Dhalia, O Cheiro do Ralo supera o bom impacto inicial deste novo cineasta, que estreou há poucos anos com o igualmente interessante Nina (2004), uma versão modernizada do clássico Crime e Castigo para as ruas de uma São Paulo moderna e deprimente. Este novo trabalho, por outro lado, intriga e leva o espectador a um novo universo, sujo, feio e angustiante, porém hipnótico e fantástico. Premiado no Festival do Rio (Prêmio Especial do Júri e Melhor Ator) e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (Melhor Filme segundo o Júri Oficial e de acordo com a Crítica), é um longa para ser apreciado com cuidado e atenção. Todo o esforço neste sentido será amplamente recompensado.
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