Entre
um passado histórico como precursora das adaptações de quadrinhos e uma
tortuosa trajetória recente nos cinemas, a DC
tem sofrido para imortalizar seus heróis e produções na mesma proporção que
suas revistinhas conseguiram. Dona de alguns dos melhores personagens já
construídos no universo das Hqs, ela patinou por longos invernos no
entretenimento, fez história com a trilogia de O Cavaleiro das Trevas e viu sua mitologia ser ofuscada por filmes
desconexos e repletos de furos. Mas assim como as estações se renovam, assim
também fez a Warner, finalmente
rompendo com o silêncio de fãs aflitos, em um filme que traz não apenas a
alvorada de um de seus mais populares heróis, mas que ainda inaugura o
nascimento de um novo e ensolarado tempo para o estúdio. E quem diria que Aquaman seria a resposta para todos os
seus problemas.
Ridicularizado
ao longo de décadas por se comunicar com os seres marinhos e por ter um
uniforme um tanto alegórico demais, o Rei de Antlântida sempre teve seus fiéis
leitores, à medida que também era brutalmente subjugado por outros como sendo o
elo mais fraco de Liga da Justiça.
Invertendo a história, Aquaman agora
passa para o outro lado da balança, se tornando o marco zero de uma nova era
nas adaptações de quadrinhos da DC.
Com seu background bem representado nos cinemas, o herói ganhou um viés
extremamente mitológico, que apresenta o personagem por uma ótica heroica
diferente. Pelos traços robustos de Jason
Momoa, Arthur Cury ganhou fios longos em tom castanho, mesclado por um
loiro praiano nas pontas. Com costas largas e face bem geométrica, ele perde a
delicadeza dos traços finos do material original, mas mantém o essencialmente
fundamental para que o vínculo com os quadrinhos ainda seja genuíno.
E
pelos olhos de James Wan, Aquaman se torna um espetáculo visual
de belas pinturas, em uma fotografia riquíssima que explora a luz natural com
precisão, renova os olhos do público com transições impressionantes de cenas e
entrega um design de produção magnífico. Detalhista, os vários cenários trazem
a assinatura do diretor, que migrou do terror para o blockbuster de quadrinhos
com naturalidade e maestria. Em meio a takes que exploram a beleza de lugares
como Roma e praias desertas, o filme traz aquela sobriedade fascinante, fazendo
com que todo seu conceito visual se torne uma extensão do próprio roteiro,
elaborado com pulso firme e sem meias palavras preguiçosas por Will Beall e David Leslie Johnson.
Divertida,
a adaptação é um prato cheio de referências da cultura POP, algumas que os fãs
mais recentes não perceberão - principalmente aqueles que não cresceram com Karatê Kid. Trazendo frases de efeito
instigantes e inspiradoras, Aquaman
faz uso de uma fórmula comum no gênero e não há absolutamente nada de errado
nisso. Sabendo onde exatamente entrar com sacadinhas e alívios cômicos, o filme
está longe de ser uma piada forçada ou de mau gosto, sendo na verdade um
deleite surpreendente. Equilibrando a ação, o espírito encorajador e a comédia
com habilidade, o filme permite aos seus personagens se conhecerem de maneiras
distintas, revelando nuances nas suas respectivas construções, tornando-os
ricos diante da audiência. Muito mais do que mocinhos ou vilões, Aquaman traz percepções reais de seus
protagonistas, o que nos permite gerar empatia até mesmo com o tirano Mestre do
Oceano, vivido por Patrick Wilson.
A
sinergia entre Amber Heard e Momoa é
outro ponto forte da produção. Tão díspares, os personagens acabam se
completando e temos a princesa Mera seguindo os passos da Mulher-Maravilha,
como alguém bem resolvida e determinada quanto aos seus princípios. Obstinada,
ela é um exemplo ideal de uma boa parceria no universo dos heróis, se
apresentando como uma heroína que soma tanto ao personagem homônimo, que é
impossível o desenrolar da narrativa sem ela. Esse sincronismo se estende de
maneira complementar com os demais personagens e temos uma Nicole Kidman estonteante, em figurinos soberbos. Willem Dafoe é o mentor que exala
sabedoria, dono de uma empatia e carisma cativantes.
E
como uma extensão do design de produção, o figurino é quase uma ópera aquática,
com peças que mesclam tecidos reais com efeitos especiais, que trazem os
elementos do fundo do mar como parte conceitual. Vestidos com caudas que
parecem polvos e adornos que simbolizam águas vivas são alguns dos pequenos
encantos que encontramos em Aquaman.
Cuidadosamente colorido, o filme ainda é extremamente realista em termos da
captação de movimentos dentro da água, bem como em sua mixagem de som, que traz
à vida o impacto das lutas feitas imersas no fundo do mar. As cenas de ação são
insanas, com a câmera percorrendo rápidas transições de cenários e capturando
lutas coreografadas com maestria.
Trazendo
Momoa com o uniforme original dos quadrinhos, rapidamente nos apaixonados pelo
herói underdog do alto escalão da DC,
nos perguntando porque raios a Warner pensou que seria melhor ignorar a
vestimenta. Construída como se fosse ouro, o dourado e o verde se unem em uma
peça hipnotizante, que marca também uma ruptura essencial na vida do
personagem, agregando ainda mais simbolismos para a narrativa. Completamente
representativo, o surgimento do figurino é um dos momentos mais lindos do
filme, que faz brilhar os olhos de quem passou o ano inteiro sofrendo pelo
filme que Aquaman talvez poderia ter
sido.
Acertando
mais do que nunca, Aquaman é um
banquete inesgotável para os fãs dos quadrinhos, sendo tudo aquilo e muito mais
do que você espera de um filme do gênero. Trazendo ainda elementos do terror
para não passar vontade, a produção de James
Wan coroa Jason Momoa como o
herói que nós queríamos e como a DC precisava para iniciar uma nova fase em seu
universo. Mal posso esperar pelo que vem por aí.
NOTA: 10
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