sábado, 3 de novembro de 2018

Crítica: Aos Teus Olhos

Assim que lerem a sinopse de Aos Teus Olhos, ganhador de melhor filme do público no Festival do Rio, cinéfilos lembrarão imediatamente do drama dinamarquês A Caça, de Thomas Vinterberg. Após assistir ao longa da diretora Carolina Jabor, porém, não há como confundir as duas obras.

Baseado na peça O Princípio de Arquimedes, que este ano fez sua estreia no Brasil, o longa acompanha o ruir da vida de Rubens (Daniel de Oliveira) quando este, professor de natação, é acusado de molestar um de seus alunos, Alex. Os rumores acabam caindo antes de tudo na internet, acirrando ânimos. Os pais do menino (Stella Rabello e Marco Ricca, As Duas Irenes) ambos lidam diferentemente com a situação, enquanto a proprietária da escola Ana (Malu Galli) encontra-se em uma encruzilhada quanto à inocência ou culpa de Rubens. A trama é simples e não traz respostas fáceis, o que preserva a maior qualidade de Aos Teus Olhos: a ambiguidade.

Diferente do protagonista claramente bonzinho que Mads Mikkelsen encarnava em A Caça, Rubens em si é construído de maneira inesperada como um homem de falhas profundas. Fruto da cultura de pedofilia, no privado fala de jovens alunas de maneira inadequada, sem ter ideia da cova que está cavando para seu futuro próximo. No entanto, em frente aos alunos, é um sujeito atencioso, carinhoso e dedicado a estimular o aprendizado dos pequenos. Essa dicotomia é um fator chave para o imenso desconforto que Aos Teus Olhos quer causar no espectador.


Por isso mesmo, Daniel de Oliveira tem um papel difícil em mãos, e felizmente o ator está à altura do material. Sua aparência cada vez mais abatida é construída com nuances, começando no charme superficial e caminhando para um semblante de profunda dor. Malu Galli também demonstra maturidade com uma personagem que geralmente fica apagada em filmes com essa temática, aparentando a angústia de alguém que está presa entre defender seu empregado ou defender seu negócio. Ricca e Rabello, por fim, aproveitam o máximo de seu tempo em tela, consideravelmente menor que o de Oliveira e Galli.

A condução de Carolina Jabor envelopa então o material maduro, adaptado ao cinema por Lucas Paraizo, e as ótimas interpretações em um pacote conciso, sem pesar a mão no drama e ainda assim encontrando espaço para marcar um estilo visual sofisticado, que se dá não só pelos enquadramentos mas também uma paleta de cores fria e uma trilha sonora minimalista.
Apesar de não investigar sua própria história mais a fundo, evitando encaminhar o espectador a conclusões claras, Aos Teus Olhos é o tipo de drama adulto que nosso cinema precisa. Se seu sucesso com o público no Rio for indicação, o filme pode, merecidamente, encontrar uma audiência disposta a entender e discutir seus múltiplos temas, tanto aqui no Brasil quanto lá fora. O título em inglês, inclusive, é óbvio, porém diz tudo: Liquid Truth. O longa, por sua vez, é sólido.

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