Assim
que lerem a sinopse de Aos Teus Olhos, ganhador de melhor filme do público no
Festival do Rio, cinéfilos lembrarão imediatamente do drama dinamarquês A Caça,
de Thomas Vinterberg. Após assistir ao longa da diretora Carolina Jabor, porém,
não há como confundir as duas obras.
Baseado
na peça O Princípio de Arquimedes, que este ano fez sua estreia no Brasil, o
longa acompanha o ruir da vida de Rubens (Daniel de Oliveira) quando este,
professor de natação, é acusado de molestar um de seus alunos, Alex. Os rumores
acabam caindo antes de tudo na internet, acirrando ânimos. Os pais do menino
(Stella Rabello e Marco Ricca, As Duas Irenes) ambos lidam diferentemente com a
situação, enquanto a proprietária da escola Ana (Malu Galli) encontra-se em uma
encruzilhada quanto à inocência ou culpa de Rubens. A trama é simples e não
traz respostas fáceis, o que preserva a maior qualidade de Aos Teus Olhos: a
ambiguidade.
Diferente
do protagonista claramente bonzinho que Mads Mikkelsen encarnava em A Caça,
Rubens em si é construído de maneira inesperada como um homem de falhas
profundas. Fruto da cultura de pedofilia, no privado fala de jovens alunas de
maneira inadequada, sem ter ideia da cova que está cavando para seu futuro
próximo. No entanto, em frente aos alunos, é um sujeito atencioso, carinhoso e
dedicado a estimular o aprendizado dos pequenos. Essa dicotomia é um fator
chave para o imenso desconforto que Aos Teus Olhos quer causar no espectador.
Por
isso mesmo, Daniel de Oliveira tem um papel difícil em mãos, e felizmente o
ator está à altura do material. Sua aparência cada vez mais abatida é
construída com nuances, começando no charme superficial e caminhando para um
semblante de profunda dor. Malu Galli também demonstra maturidade com uma
personagem que geralmente fica apagada em filmes com essa temática, aparentando
a angústia de alguém que está presa entre defender seu empregado ou defender
seu negócio. Ricca e Rabello, por fim, aproveitam o máximo de seu tempo em
tela, consideravelmente menor que o de Oliveira e Galli.
A
condução de Carolina Jabor envelopa então o material maduro, adaptado ao cinema
por Lucas Paraizo, e as ótimas interpretações em um pacote conciso, sem pesar a
mão no drama e ainda assim encontrando espaço para marcar um estilo visual
sofisticado, que se dá não só pelos enquadramentos mas também uma paleta de
cores fria e uma trilha sonora minimalista.
Apesar
de não investigar sua própria história mais a fundo, evitando encaminhar o
espectador a conclusões claras, Aos Teus Olhos é o tipo de drama adulto que
nosso cinema precisa. Se seu sucesso com o público no Rio for indicação, o
filme pode, merecidamente, encontrar uma audiência disposta a entender e
discutir seus múltiplos temas, tanto aqui no Brasil quanto lá fora. O título em
inglês, inclusive, é óbvio, porém diz tudo: Liquid Truth. O longa, por sua vez,
é sólido.
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