“Insubmissos, Não
Curvados, Não Quebrados.”
A
criação literária depende muito da imaginação, só que essa imaginação é
agregada a diversos fatores presentes na vida do autor. Desde diálogos e
relacionamentos, à moral e pensamentos. Portanto, não é “apenas” um simples
contar de história, totalmente estruturada de forma coerente e com personagens
chamativos, é também um diálogo entre dentro e fora da obra, de acordo com a
experiência de quem a escreve.
A
obra de fantasia de George R. R. Martin (tem como não amar?) se passa em
Westeros. Reino fictício, dividido em sete reinos: o Reino do Norte (STARK), o
Reino do Vale e do Céu (ARRYN), Reino dos Rios (TULLY), tridente e as Ilhas de
Ferro (GREYJOY), Reino das Terras do Oeste (LANNISTER), Reino de Pedra do
Dragão (BARATHEON, Stannis), Reino de Ponta Tempestade (BARATHEON, Renly), o
Reino de Dorne (MARTELL) e as Campinas (TYRELL), que passou a fazer parte do
Reino de Westeros dois séculos após a conquista, devido ao casamento do
príncipe Rhaegar com a Princesa Elia de Dorne. E, no fim de tudo, Robert
Baratheon como Rei de todos os Sete.
Westeros
passa por uma paz de 17 anos. Mas, para chegar nessa “calmaria”, precisaram
tomar o reino das mãos dos Targaryen (Rei Aerys II – Rei Louco). O fim do
antigo regime representa a ideia de ruptura de período e outro, onde essa
ruptura quebra normalidade de acontecimentos costumeiros e prevê um período
melhor a partir do novo sistema – tal como a revolução francesa pretendia (de
acordo com os interesses de quem a realizou a troca de regime, no caso a
burguesia).
Assim
como na vida real, Westeros é teista, de modo que os deuses cultuados
“oficialmente” são sete. Porém, essa religião, assim como as mais difundidas
para nós hoje, tem um cunho mais monoteísta. Cada deus tem serventia para algum
processo e rito diferente do outro, mas que segundo a tradição, eles são um só,
criador e protetor [o interessante é que eles não se intrometem nos assuntos
dos homens, guerra, fome etc]. Uma mistura entre cristianismo e mitologia, a
diferença é que, na mitologia, os deuses “tomavam” partido perante as guerras.
Isso é claro, baseado na bandeira que o exército levantava. Porém, também
relaciona com a fé cristã medieval, onde os Ândalos, quando chegam em Westeros
e impunham sua religião, perseguem os filhos da floresta e destroem os
Represeiros e Árvores coração dos filhos da floresta, por não ser a religião
tida como “correta” a partir de agora naquelas terra. Tal como a inquisição
fazia.
Sem
contar que: sete são os deuses, sete são os reinos, sete são os cavaleiros da
guarda real, sete é tido como um número da sorte fora da ficção. Essa fé, como
religião oficial, está intimamente ligada com toda a moral, ética, costumes e
receios dos personagens da série. Porém, o universo ficcional de George R. R.
Martin, ainda conta, além dos sete com os “deuses antigos”, o “deus da luz” e
“deus da escuridão” e, por fim, o deus afogado. Essas três outras religiões
representam três diferentes visões de mundo que identificamos fora da
literatura, onde, os deuses antigos são as forças da natureza, sobrenaturais e
que estão por toda parte. O deus da luz e o deus da escuridão, representando a
luta eterna entre o bem e o mal, a crença no senhor da luz mostra um embate
enorme, de forma maniqueísta entre o bem supremo e o mal supremo. O deus
afogado é, digamos que interpretativo, pois fora o lema da Casa Greyjoy (o que
está morto não pode morrer), não apresenta índole.
Nos
Sete Reinos dizia-se que a Muralha marcava o fim do mundo. Isso também é
verdade para eles. Tudo dependia do lado em que se estava. (JON SNOW – A
Tormenta das Espadas)
A
muralha é tida explicitamente como a divisão de dois mundos completamente
distintos: o selvagem e o civilizado. Fazendo um paralelo de dentro pra fora. O
mundo civilizado seria a imposição da cultura, tendo em vista que o mundo
selvagem, tido como errado pelo civilizado, ainda sim é questionado durante a
obra, com a questão: Afinal, quem são os selvagens? A muralha é a divisão das
classes, o povo livre contra os dobradores de joelhos, onde o povo livre é
democrático, mas ainda sim traz consigo um líder, já que é necessário alguém
que julgue. Porém, os “dobradores de joelho” tem disciplina, coisa que os
“selvagens” não tem, e em alguns pontos do texto, isso é tido basicamente como
fator crucial para a sobrevivência, tanto na guerra como no cotidiano. Isso
indica que o método de controle de moral e obediência é apresentado como mais
eficaz em auxilio da vida no reino.
Na
série de TV, na primeira temporada (não me perguntem o Ep.) Tyrion afirma que:
Não se sabe quem é de fato o selvagem, tanto faz o lado da muralha, a única
sorte dele é que nasceu deste. No caso, isso também indicaria que o modelo de
vida, com certo conforto e, algum consumo, é assumido como melhor. Porém,
melhor para Tyrion, que tem um pai que “caga ouro”. Continuando na relação de
dentro e fora da obra, essa afirmação, além de indicar o padrão de vida considerado
adequado, também indica a hierarquia social, já que os camponeses na obra,
quase sempre são apresentados de forme miserável.
Se
pudermos ver as religiões, hierarquias e considerações de classe de Westeros
como fundamentos para um diálogo, como âmbitos interpretativos, com
significâncias e reproduções culturais, formaremos um diálogo imenso entre obra
e realidade, e não só aqui, mas em qualquer obra, ou qualquer filme. Claro que
não é possível que eu, esse coitado que sou, faça uma análise assim sobre toda
a obra de George. Afinal, só li quatro livros e os detalhes, ou demônios como
chama George, são imensos. Portanto tratei daqueles que considero mais
interessantes perante os personagens que mais gosto. A análise é breve, mas
serve para dar um gostinho do complexo mundo criado por Martín e a relação com
o nosso. Quem sabe, num futuro, não aconteça uma série mais detalhada
“A
maior parte de nós não é tão forte. O que é a honra comparada com o amor de uma
mulher? (…) Vento e palavras. Vento e palavras. Somos apenas humanos e os
deuses nos moldaram para o amor. Esta é a nossa grande glória e a nossa grande
tragédia”. ( A Guerra dos Tronos – pág. 467).
Por Gabriel
Barbosa
Para o site Literatortura
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