Antes de mais nada, um
aviso: este é um texto bastante pessoal. Não estaria sendo sincero comigo mesma
nem com o filme se escrevesse algo estritamente técnico. A experiência de um
espectador (e o crítico é, antes de tudo, um espectador) é sempre mergulhada em
suas vivências, caso contrário não existiria o que chamamos de identificação.
Quando recebi a indicação
de Por Lugares Incríveis para
escrever, o link da Netflix veio
acompanhado da sinopse em inglês, que, em tradução livre, dizia: “Dois adolescentes que enfrentam lutas
pessoais formam um vínculo poderoso quando embarcam em uma jornada catártica
que narra as maravilhas de Indiana”. Particularmente, não gosto de
sinopses, porque acredito que elas não fazem jus ao filme. Tentar reduzir uma
obra de tantos minutos em pouquíssimos caracteres é uma missão tão complexa
quanto delicada. Em alguns casos, uma sinopse ruim apenas afasta espectadores
em potencial, mas, neste caso, é imperativo fazer um convite para que uma ideia
transmitida viralize.
Felizmente, a versão
brasileira do site de streaming foi muito mais sensível: “Em seu pior momento, ele mostra a ela o caminho para luz. Uma jornada
transformadora de liberdade, beleza e descobertas”. Por Lugares Incríveis é o tipo de filme que extrapola a ideia de
contar uma história, é uma produção que pretende ter um papel social e, ainda
além, convoca o espectador para fazer o mesmo.
Atenção! A partir daqui a
crítica pode conter spoilers.
Proposta
Apesar de a sinopse em
inglês ter me deixado receosa de que Por
Lugares Incríveis seria apenas mais um romance adolescente do qual eu não
esqueceria pelo fato de ter escrito sobre ele, a presença de Elle Fanning e Justice Smith como par romântico me fez questionar o preconceito
recém-criado.
A primeira sequência
apresenta, como de costume, os protagonistas, mas vai além! Há um elefante na
sala, ou seja, há algo urgente e muito importante que não podemos ver e que
demanda coragem e prudência para falar sobre: transtornos mentais são reais e
muito mais comuns do que geralmente gostamos de admitir. Muitas obras tocam no
assunto, mas nem todas fazem isso de uma forma segura, haja vista a repercussão
da série 13 Reasons Why.
Jennifer
Niven, escritora do livro no qual Por Lugares Incríveis foi baseado, assina o roteiro ao lado Liz Hannah e o resultado é muito mais
do que um simples romance. Essa não é uma história de amor no sentido de
acompanhar os altos e baixos de uma relação amorosa, mas sim sobre o que
significa de fato relacionar-se com alguém, seja romanticamente ou não.
A história contada em Por Lugares Incríveis não
necessariamente precisaria ser um romance, mas utilizar a paixão acaba sendo
uma forma de aproximar personagens de uma maneira intensa e rápida. As outras
relações (de onde pode vir o apoio para as pessoas que têm transtornos mentais)
não são excluídas do roteiro: família, amigos, contatos sociais e auxílio
profissional estão presentes e todos eles têm em igual intensidade a potência
de serem construtivos ou destrutivos, sendo a família de Finch (Justice Smith) o principal exemplo
disso: enquanto a irmã representa uma relação familiar positiva, o pai é a
própria origem do trauma.
Desenvolvimento
Finch é a personificação
de uma necessidade humana: um laço verdadeiro. O convite à reflexão é imediato:
das pessoas ao seu redor, quantas estão dispostas a compartilhar sua vida nos
seus piores momentos? Claro que qualquer pessoa com um mínimo de empatia faria
o possível para evitar que alguém pulasse da ponte. Ficar com essa pessoa até
que ela se recupere, no entanto, demanda muito mais do que um único ato de
compaixão.
Qualquer relação mais
profunda demanda compromisso e responsabilidade. Importar-se com alguém é muito
mais do que perguntar se a pessoa está bem. É preciso entender que transtornos mentais
não só são reais, como podem ser fatais. Somente dizer que tudo vai ficar bem,
ainda que seja uma verdade na maioria dos casos, tem o mesmo poder de efeito
que um chá de camomila diante de uma tuberculose.
Ainda que lembre o
indigesto Um Amor Para Recordar (Adam Shankman, 2002), Por Lugares Incríveis percorre o
caminho do conto de fadas por um viés diferente. Enquanto muitos romances criam
histórias irreais, de grandes gestos de amor que são difíceis ou, às vezes,
impossíveis de serem reproduzidos na vida real, criando frustrações intensas na
vida de muitos espectadores, o filme da Netflix
tem uma lição a ensinar: em cada relação verdadeira há uma potência de
conto de fadas.
Finch não é o príncipe
encantado de Violet (Elle Fanning),
mas sim a pessoa que teve a disposição de mostrar a ela que é possível ver o
mundo de outros modos e nada disso é mostrado de uma forma clichê. Assim como
em Divertida Mente (Pete Docter, 2015), o roteiro mostra
que a tristeza é parte essencial do ser humano e, quando há qualquer espécie de
desequilíbrio emocional, a relação com o outro é essencial para que nos
recuperemos. O filme usa a ficção como muito mais do que um lembrete, é um
alerta de que somos animais sociais. Afinal, como pensar o eu sem pensar no
outro?
Por
Lugares Incríveis não é um filme perfeito (é quase cômico
todo o merchandising de papelaria inserido até mesmo em diálogos). Por outro
lado, é importante lembrar que um filme não precisa ser uma obra-prima
inestimável para tocar os espectadores, porque arte não é meramente técnica.
Não é preciso ser rebuscado para gerar mudanças.