Por Cláudia Magalhães
Clara está no tempo dos amores mal curados, onde o gozo é controlado por um anjo ou demônio, e este ou aquele, deitado a seu lado, com a mão esquerda torna febril e trêmula a sua fenda e com a direita injeta em sua mente doces recordações do passado, paralisando-a por completo.
É meia-noite. Há horas, ela permanece imóvel em sua cama, lugar onde dormiu por seis anos com um amor que, por ingratidão e egoísmo, há uma semana não está mais ali. Algo difícil demais para se compreender e que torna loucos os que andam pela terra.
Ela leva a sua mão em forma de concha até o sexo, pois é assim que rezamos para o amor, e sonhando com os míseros segundos em que tocaria as estrelas, tenta acariciar sua lua úmida até ela tornar-se, novamente, seca, fazendo girar mais rápido o mundo, mas as lembranças do passado estrangulam seus dedos, enchendo-os de verrugas e vergonha.
A enorme vontade de tê-lo, de possuí-lo, a faz perder o juízo. Vou a Paris. Vou em busca de Vinícius!, pensa. Segundos depois, ela enfrenta descalça as ruas desertas e o frio da madrugada, usando apenas seu vestido longo, florido que, por vezes, usava como camisola. Seus gritos entram pelas frestas das portas e das janelas quebrando o silêncio que comanda a decência. Quando um ou outro a pergunta, O que aconteceu, mulher?, ela responde, Vou a paris. Vou em busca de Vinícius!, e segue andando pelas ruas do outro lado do mundo como se fosse a dona delas.
Pergunta a todos os que cruzam seu caminho por um homem alto, barbudo e grisalho e diante do silêncio ela responde, Ele está em Paris! Ele está me esperando em Paris! E segue falando da importância das mãos, pois nelas moram as vontades mais urgentes, falando da imensidão do mundo e do desejo que tinha com o homem amado de morar na Cidade dos Sonhos, para novamente, falar das mãos e do desejo, repetindo, incansavelmente, as mesmas palavras.
Tenta, por vezes, se calar e escutar as histórias sem pé nem cabeça dos homens, mas ela tem pressa em se livrar dos sofrimentos da vida e segue sem escolher o caminho e sem saber ao certo quem ela é, molhando os pés na lama acreditando que é o mar, vivendo de esmolas, bebendo cachaça ou conhaque, pedindo a benção a Deus que segurando-lhe o juízo não precisa fingir que lhe deu, até adormecer nos bancos das praças ou nas portas das igrejas e sonhar voando.
Uma hora depois que ela partiu, Vinícius, arrependido de mais uma vez tê-la abandonado, entra no apartamento. Vou pedir perdão e milhões vezes milhões de vezes direi que a amo e nunca mais a farei chorar!, pensa, procurando-a com o peito sufocado pela saudade, mas é tarde demais.
Ele a encontra no quarto com a alma liberta. Ora caminhando como uma rainha, ora curvando-se e implorando coisas ao vento. Minha carne foi criada do pó impuro. Meu cérebro, uma grande duna, com a memória e os desejos dos ventos, encheu com o mel do mundo e com os ferrões das abelhas o meu sangue, que de tanto morrer, gerou em meu peito um enorme coágulo chamado coração. Uso salto, quero meus pés com gosto de rua na direção dos abismos. Há muito tempo, o amor me ensinou a cair, agora quero aprender a voar, diz olhando para ele, mas nada vê.
A sua carne está acorrentada pelas vontades de sua alma, que cansada de sofrer liberta-se de si mesma, vai a todas as partes do mundo e confunde-se com outras. Desatenta e livre, muda de vontade de uma hora para outra, se reinventa a todo instante. Suas pernas encontram becos escuros, lama, sargaço, o mar e a imensidão das águas, enquanto sua cabeça de lua abraça o cruzeiro do sul, a Ursa maior, as três Marias, e não somente elas, mas toda a constelação.
Múltipla, infinda, ela é a dama, a mendiga, a poeta, a vítima, a algoz, a que ri e chora ao mesmo tempo. Ela é Clara, a sua Clara! Ele observa a mulher que ama, que partiu sem volta para a cidade dos sonhos, deixando em seu peito uma chuva que nunca vai parar e os seus olhos enchem-se de lágrimas.