Direto ao ponto: “Ok Computer” é o disco fundamental na
trajetória e discografia do Radiohead.
É o rito de passagem de uma banda de relativo sucesso e boas composições para a
banda mais influente e importante do mundo desde então. É o disco que inicia o
culto ao quinteto e dá uma imensa carta branca nas mãos de Thom Yorke e seus companheiros para fazer o que bem entenderem com
a indústria. Porque, por mais que “Pablo
Honey” tivesse uma grande música ”Creep”
e “The Bends” fosse um apanhado de
lindas canções dolorosamente melódicas, a banda até então não tinha ousado e
colocado uma assinatura própria em seu som. E, óbvio, foi a evolução de “Ok Computer” que conquistou a devoção
de milhões de fãs e alçou a banda ao posto de salvação do rock, transformando
Yorke (a contra-gosto) em líder e porta-voz de uma geração.
Sonoramente o disco faz uma
releitura tanto do psicodelismo quanto do progressivo, limando os excessos de
cada gênero e acrescentando as doses de melancolia tão presentes nos discos
anteriores da banda. Mas, ao contrário dos antecessores, mais calcados na
harmonia das músicas como um todo, “Ok
Computer” apresenta uma preocupação imensa com os detalhes, com os timbres,
com as texturas, com os pequenos riffs e solos que pontuam cada verso e
estrofe. Suas músicas são mais do que apenas uma base melódica. Elas são como
peças de um quebra-cabeça sonoro cuidadosamente estruturado. Seja nos momentos
mais densos, como “Exit Music (For A
Film)”, “Lucky” e “Climbing Up The Walls”, nos momentos
mais vibrantes de “Airbag” e “Paranoid Android”, no britpop de “Electioneering”, ou no lirismo de
“Let Down” e “No Surprises”, a banda vai acrescentando um a um os acordes, as
notas, as mudanças, os climas, sem se preocupar com as fórmulas básicas da
música pop. Basta dizer que é um disco quase sem refrões.
Olhado com a distância do
tempo, “Ok Computer” se apresenta
como o retrato de toda uma geração. É como uma ópera-rock que versa sobre a
vida moderna, uma crônica em preto e branco do século 21 e principalmente do
pós-11 de setembro (não à toa, Thom
Yorke sempre foi tratado como visionário). Traz no amargor e na voz sofrida
do vocalista a carga de uma era em que as pessoas cada vez mais se isolam de
tudo e criam barreiras ao seu redor. É uma época em que a convivência fica cada
vez mais distante e impessoal. O egoísmo e a solidão estão presentes o tempo
inteiro nos versos cínicos do cantor. Se “The
Bends” era um disco basicamente sobre as relações humanas (majoritariamente
românticas), “Ok Computer” é um
disco sobre o conflito do homem consigo mesmo, um auto-retrato da angústia tão
característica do vocalista – e que o assolaria como nunca após o sucesso
estrondoso do álbum.
Como retrato de nossa era, “Ok Computer” diagnostica e radiografa
perfeitamente os tempos do “politicamente correto”. Primeiro em “Karma Police” e sua ameaça constante de
que “isso é o que você leva, quando mexe conosco”. Mas nada como “Fitter, Happier” para explicar a
monotonia e mesmice em que tantas pessoas tentam transformar o seu, o meu, o
nosso mundo. Esteja em forma, trabalhe bastante, não beba em excesso, coma de
forma correta, conviva melhor com as pessoas. Parece o discurso da abertura de
“Trainspotting”, um manual de regras
simples para a felicidade. De nada adianta, porém, pois esse alívio momentâneo
é destruído com força pelo pessimismo assolador de “No Surprises”, um dos melhores retratos do que uma vida com regras
pré-estabelecidas pode causar, e que foi traduzido de forma exuberante em seu
clipe, em que o vocalista é “afogado” em um aquário enquanto canta: “No alarms, no surprises”. É assim que
vale a pena viver, sem ter nenhum tipo de novidade?
No entanto, sem dúvida alguma,
a música que melhor expressa o disco como uma unidade é “Paranoid Android” – não por acaso a melhor música da banda. Começa
com Yorke tentando espantar seus fantasmas internos enquanto os riffs de
guitarra entrelaçados e a linha de baixo circular hipnotizam. O vocalista vai
destilando sua ironia e expurgando seus demônios enquanto a canção cresce, até
explodir no solo nervoso, rápido, urgente de Jonny Greenwood. De repente tudo acalma e um coro angelical começa
a clamar pela chuva, uma pretensa redenção, que chega aos poucos, mas muito
mais delicada do que em “Magnólia”.
Para terminar a possível lavagem da alma, nada melhor do que uma lógica
religiosa máxima transbordando cinismo. “Deus ama seus filhos, Deus ama seus
filhos”. É necessário repetir muito para acreditar e não ficar louco neste
mundo. “Ok Computer” é, enfim, desde
seu título, uma rendição aos tempos modernos. Não há como escapar do que se
tornou a nossa época.