Em 2021, com a estreia de "Duna", Denis Villeneuve mostrou ao mundo que adaptação é uma das coisas que ele faz de melhor. O "selo de qualidade" do cineasta, a bem da verdade, já estava mais que criado na indústria depois de "A Chegada" (2016) e "Blade Runner 2049". Mas foi no deserto de Arrakis que o diretor franco-canadense encontrou sua mina de ouro — ou especiaria. Foram seis oscars só no primeiro filme. Nesse segundo, ouso dizer que as chances nas premiações duplicam.
Se o primeiro longa-metragem fez um meticuloso trabalho de apresentação do universo criado por Frank Herbert, autor do livro no qual a agora trilogia de Villeneuve se baseia, o segundo chega como um filme transitório, preparando terreno para um terceiro título que já tem até nome — "O Messias de Duna" —, mas sem perder espaço ou relevância ao trazer a continuação da história de Paul Atreides (Timothée Chalamet). E resolve um dos problemas mais criticados da produção de 2021: o ritmo.
A trama gira em torno de Paul, o messias que inicia uma guerra santa para salvar o planeta desértico de Arrakis da exploração da especiaria, item valioso para viagens espaciais e poderoso entorpecente. Em busca de vingança pela exterminação da Casa Atreides, ele se une aos fremen, povo nativo do deserto, para reequilibrar as forças do universo.
O impacto não só veio com a fotografia esmagadora do deserto, que te engole ao mesmo tempo que fascina, mas com a junção dela a um som que atravessa o corpo e causa sensações que somente um elenco tão talentoso quanto o do filme poderia amplificar.
Mas será que vale a pena investir seu tempo nesse longa?
A obra que baseia ambos os filmes de "Duna" é um extenso e complexo "calhamaço" de 680 páginas. Em outras palavras, é um manuscrito longo que descreve um novo universo, o deserto Arrakis, a cultura e geopolítica de cada uma das Casas daquela galáxia e, principalmente, a história de Paul, que tem o dom de prever o futuro — ainda que em diferentes linhas de possibilidade. Mesmo diante dessa trama intrincada, Villeneuve fez um excelente trabalho no primeiro filme para apresentar esse cenário, mas em um ritmo que não agradou todo mundo: muita gente se queixou da lentidão dos acontecimentos na história.
O formato mais lento é bem característico dos filmes do diretor e também se relaciona com o próprio gênero da ficção-científica no cinema. Não é bem o formato "Blockbuster", então é normal que cause um estranhamento à primeira vista. Mas esse é um problema que, nesse segundo título, já pode ser dado como resolvido — até porque, diante do sucesso do primeiro longa, essa necessidade de cativar um público maior se faz muito necessária. O novo filme teve orçamento de US$ 122 milhões e seu antecessor faturou US$ 433,8 milhões.
Munido de um público que agora tem contexto, em "Duna: Parte 2", Villaneuve se aprofunda na relação dos personagens entre si e com o deserto. Nomenclaturas difíceis e paisagens muito contemplativas, de longa duração e com muito foco, ficaram no primeiro filme: a continuação é mais rica em cenas de ação, diálogos dinâmicos e momentos mais emocionantes — o que permite que suas 2h45 de duração passem imperceptíveis.
Vale dizer que apesar do enfoque nas relações, os aspectos mais culturais do filme não se perderam, tampouco receberam menos atenção. Eles estão todos ali e compõem o universo, embora estejam, sem sombra de dúvidas, mais equilibrados com todas as cenas épicas do filme. Também ficam mais fáceis de serem compreendidos, outro ponto que deixava muita gente confusa no longa de 2021.
Contudo, ao mesmo tempo em que é fácil torcer pelo casal, é aflitivo se apegar ao amor deles — algo que o roteiro trabalha muito bem. Não é spoiler dizer que, em condições tão desfavoráveis, diante de uma guerra inevitável e da ascensão de Paul como líder dos fremen, Chani assume uma posição angustiante.
Aqui vão as apreciações do brilhante trabalho de Zendaya no filme. Enquanto a atriz mergulha na interpretação de uma personagem mais "dura" e carrancuda, com fortes convicções e problemas de confiança, Chalamet tem desenvoltura para cativar interesse nas cenas em que se apresenta mais humilde, na mesma medida em que mantém postura para abocanhar os momentos em que é líder. O ator nova-iorquino, de 28 anos, confirma que é a escolha ideal para o papel. Zendaya, por outro lado, comprova sua maestria para desenvolver papéis de drama.
Somados a eles estão Javier Barden, Stellan Skarsgård e Rebecca Ferguson, atores já consolidados na indústria, que são peças-chave para o desenvolvimento deste segundo filme e não deixam nada a desejar. Também são apresentados Florence Pugh, que revela na fisionomia todas as reações e pensamentos da Princesa Irulan — personagem que, nos livros, acompanha os leitores desde o início da trama — e Austin Butler, que encara o desafio de trazer à vida o ambicioso e violento Feyhd-Rautha. São artistas que preenchem a tela com talento: E é só o que pode ser dito sem spoilers.
O deserto que te engole — e encanta
Já desde os trailers é perceptivo o quanto a fotografia de "Duna: Parte 2" é suntuosa. São vários os takes mais abertos, que aproveitam a magnitude de Arrakis. As cenas na areia foram gravadas no deserto da Jordânia e Abu Dhabi, o que abre margem para uma filmografia muito mais realista, distante dos CGIs exagerados. As dunas, verdadeiras montanhas de areia, recriam aquilo que Frank Herbert tanto se esforçou para transpassar em seu manuscrito: a força irrevogável do deserto.
O enquadramento mais distante dos personagens, que os mostra tão pequenos em relação a essas dunas, expressa muito bem o quanto a natureza pode ser esmagadora. Ali, tudo tem mais poder do que os humanos, seja pelos vermes de areia, seja pela sobrevivência em um local tão inóspito. E ao mesmo tempo, esse perigo eminente tem uma beleza viciante: o deserto assusta na mesma medida que emociona. É difícil tirar os olhos da tela e a vontade de querer passar mais tempo lá dentro sufoca os pulmões com ansiedade.
Épico que reverbera no peito
Por fim, se tem uma coisa que um bom filme de ficção-científica precisa, sem exceções, é causar impacto. Não existe nova realidade, universo ou probabilidade que se preze sem isso. A estratégia, nesse gênero, vem muito pelo conjunto da fotografia com a mixagem de som— ela mesma, aquela categoria que todo mundo ignora nas premiações do cinema.
Veja, é um fato que são muitos os componentes para tirar um roteiro do papel e transformá-lo em filme, e também é claro que a filmagem é uma das partes mais importantes do todo (senão, não se chamaria filme, né?). Mas muita gente dá pouca importância ao som, que tem esse poder (delicioso) de causar sensações. É aquele silêncio que antecede o susto em "Psicose", o conforto do preparo dos pratos em "Ratatouille", a ansiedade da explosão da bomba em "Oppenheimer", o desespero dos tiros de "Dunkirk" e por aí vai.
Em "Duna", o trabalho do som é um dos pontos mais importantes, porque é por meio dele que toda a sensação de magnitude — tanto dos personagens quanto do deserto — se forma e se apoia. É aquele ponto que reverbera no peito: o som atravessa o público e carrega, consigo, uma porção de sensações. O poder do deserto mora em seus barulhos e silêncios, nos vermes que fazem a cadeira do cinema tremer e o espectador se arrepiar.
Não à toa, o diretor ganhou o Oscar de mixagem de som no primeiro filme, de 2021, e deve ter a atenção da Academia também neste segundo longa. Minha única ressalva é que toda a atenção ao som engoliu um pouco do trabalho brilhante de Hans Zimmer, que foi premiado três anos atrás na categoria de melhor trilha sonora. Não acho que a música esteja perdida na trama, mas ela sem dúvidas recebeu mais atenções no filme de 2021.
Ainda seguindo nas partes que poderiam ser melhores, outro ponto que deixa a desejar é o desenvolvimento de Feyd-Rautha (Austin Butler). Novo à trama, apesar de bem interpretado, o personagem chega às telas com fama da psicopata, mas não convence tanto nas ações demonstradas. Em conjunto dele, na verdade, noto que os "vilões" da vez tiveram pouco destaque: senti falta de uma construção melhor dos personagens.
Tem diferença dos livros?
Como toda adaptação, é necessário fazer escolhas. Aqui não foi diferente: "Duna Parte 2" fez algumas escolhas narrativas diferentes da obra original, mas chega aos mesmo lugares. A parte boa de quem é um leitor fiel do livro de Herbet é que há bastante conteúdo para identificar, e uns bons easter eggs para aquecer o coração dos fãs.
Na visão da crítica que vos fala, que tem a ficção-científica no topo de seus gêneros favoritos do cinema, tenho uma teoria. Existem filmes sci-fy que te impactam, alguns te atravessam, muitos fazem grandes alertas, mas poucos (bem poucos, mesmo) são aqueles que te consomem. Desde o primeiro "Duna" me senti consumida pelo trabalho de Villeneuve. Nesse segundo filme, no entanto, de alguma forma, ele conseguiu também me soterrar na emoção — o que é uma boa analogia, já que a maior parte do filme se passa na areia. Então, sim, vale muito ver no cinema. De preferência na sala IMAX.
Quem está no elenco de "Duna: Parte 2"?
O elenco é composto por Timothée Chalamet, Zendaya, Austin Butler, Florence Pugh, Javier Barden, Christopher Walken, Josh Brolin, Rebecca Ferguson, Dave Bautista e Stellan Skarsgård.
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