A Sony Pictures vem tentando emplacar um universo expandido com os personagens conectados ao Homem-Aranha, mas estranhamente, ela não pode ou não quer usar outra versão do herói neles. Seja por imposição do Marvel Studios e sua relação com a versão de Tom Holland ou simplesmente porque querem emplacar um universo próprio, o fato que essa indefinição chega ao seu ponto mais baixo em Madema Teia, o mais recente título desse universo do Aranha sem o Aranha.
Aliás, a tentativa de criar um universo compartilhado aos moldes do MCU não é nova e vem desde O Espetacular Homem-Aranha 2, quando sugeriu apresentar o grupo de vilões Sexteto Sinistro. De lá para cá, praticamente tudo desandou, o estúdio emprestou Peter Parker para o Marvel Studios e, ainda assim, não desistiu da ideia desse grande universo. E o novo filme mostra que talvez seja a hora de desistir de insistir na ideia.
Madame Teia começa em 1973, quando a mãe de Cassandra Webb, Constance, procura no meio da Amazônia Peruana uma aranha que, segundo pesquisas, teria um veneno capaz de dar poderes a quem fosse picado — ou seja, a coisa toda já inicia da forma maus pueril possível.
Esses poderes fariam parte de uma lenda de um povo, Las Arañas, que protegeria a floresta com habilidades especiais. Para ajudá-la a buscar o aracnídeo, Constance contrata Ezekiel Sims, um sujeito com seus próprios planos nefastos.
Como você já deve imaginar, Ezekiel rouba a aranha e atira em Constance — que, vale a pena lembrar, fez tudo isso enquanto estava grávida de oito meses. Ela acaba sendo resgatada pelo Homem-Aranha peruano, provando que a tal lenda local é real e dá à luz Cassie, morrendo logo em seguida.
Porém, esse começo também dá o tom do que devemos esperar sobre o resto da trama de Madame Teia. Tudo é muito absurdo, os diálogos são constrangedores, a história se desenvolve de um jeito extremamente previsível, mas ao mesmo tempo, confuso. De início, você já sabe que é só ladeira abaixo. E é.
A pior parte de tudo é que, por baixo de todo esse caos, existe uma história que poderia ser explorada. A trama principal basicamente coloca Cassandra Webb em 2003, já com 30 anos, despertando poderes psíquicos ligados à aranha que salvou a sua vida durante seu nascimento.
Dentro dessa configuração, é possível imaginar que Cassie tenta salvar as três jovens, entrando em conflito com o vilão. É exatamente isso que acontece, mas então, você começa a notar que o filme sofreu influências externas, mudando o que aparentemente deveria ser.
Alguém meteu a mão nesse filme
O primeiro sinal de que Madame Teia não é o filme que Dakota Johnson filmou é o fato de 95% das falas do vilão Ezekiel, interpretado pelo ator francês Tahar Rahim (Napoleão), foram dubladas na pós-produção. A prática do ADR, que é basicamente regravar falas que não foram bem capturadas durante as filmagens, faz parte da produção de qualquer filme, mas o negócio é tão mal feito aqui que parece que falas inteiras foram alteradas.
O fato de o filme se passar em 2003 também não faz sentido dentro do universo que a Sony tenta construir no cinema. Pouco antes da estreia, os produtores logo afirmaram que Madame Teia se passa no seu próprio universo, o que deixa tudo ainda mais confuso. Ou eles simplesmente desistiram de criar conexões.
Assistindo ao longa e considerando vários rumores que circularam na internet durante a sua produção, é possível criar uma teoria. Madame Teia foi concebido como um filme que mostraria Cassandra Webb, interpretada por Dakota Johnson, descobrindo seus poderes enquanto trabalhava com Ben Parker, interpretado por Adam Scott, em 2003.
A cunhada de Ben, Mary, aparece na história e está grávida de um garoto. Ezekiel Sims tem uma visão que alguém com poderes aracnídeos será o seu fim, e começa a caçar pessoas que poderiam ter esses poderes no futuro, trombando em Julia, Mattie e Anya.
Cassandra vê os ataques antes de acontecer e salva as três. Em uma reviravolta, Ezekiel descobre que o possível responsável pela sua morte ainda não nasceu, indo atrás de Mary Parker, que é salva por Cassandra e as três garotas.
Peter Parker nasce em 2003 e cresce para se tornar o Homem-Aranha da Sony, com uma timeline que se alinha ao aparecimento da versão de Tom Holland. Tudo no filme faz mais sentido se for seguir essa ideia, inclusive com os rumores de que um Cabeça de Teia apareceria na história. Só que não é nada disso que nos foi entregue na versão final.
Isso talvez não tornasse Madame Teia um filme melhor, mas combinaria bem mais com a forma como as personagens são apresentadas e a história que ele tenta contar.
Notem que eu não falei do elenco, que faz o que pode com um roteiro cheio de furos e diálogos constrangedores. Adam Scott (Ruptura) como Ben Parker é uma escolha inspirada e ponto alto do filme, pois mesmo interpretando uma versão mais jovem do personagem, é possível ver ele tentando criar o sobrinho como uma boa pessoa.
Sydney Sweeney (Todos Menos Você) como Julia, a futura Mulher-Aranha, tenta o que pode com o material que lhe é dado, de uma adolescente frágil e abandonada que tenta crescer até se tornar a heroína do futuro, mas o roteiro não colabora muito com ela. O mesmo acontece com Celeste O'Connor (Ghostbusters: Mais Além) e Isabela Merced (Superman Legacy), que até conseguem passar a aura de adolescentes do início dos anos 2000 em todos os seus clichês.
Dakota Johnson (Cinquenta Tons de Cinza) me deixou confuso, já que, em algumas cenas, parece estar se divertindo com a galhofa que é a história e, em outras, é desconfortavelmente ruim ao tentar levar tudo muito a sério. É impossível não cair na risada quando ela recebe a versão do "Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades" vinda do Homem-Aranha peruano. Não tem como.
Um filme que é uma viagem no tempo
Madame Teia se passar em 2003 chega a ser irônico, já que foi nesse período em que estúdios de Hollywood começaram a ver novamente o potencial de adaptações de quadrinhos, quebrando a cara com algumas tentativas ruins.
Muitos já compararam o filme com longas como Elektra, estrelado pela Jennifer Garner e lançado nessa mesma época, e acho que não está muito longe disso. Madame Teia não chega no nível do "tão ruim que fica bom", mas também não é horrível que você não consiga assistir. Por incrível que pareça, ele não é entediante.
Você começa a esperar pelo próximo absurdo previsível sem se sentir muito ofendido por ele. Assistindo a ele, me senti novamente no começo dos anos 2000, com direito às músicas da época. Só faltou tocar Hoobastank em alguma cena.
Comparando com outras produções do universo estendido da Sony, ele ainda consegue ser mais divertido de assistir do que Morbius. Não que isso fosse muito difícil.
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