Diana Nyad, nadadora de longa distância que ganhou notoriedade ao, em 1974, ganhar a competição do Golfo de Nápoles com um recorde feminino (8h11m – 35 km), ao, em 1975, nadar ao redor da Ilha de Manhattan (45 km) e, em 1979, nadar das Bahamas até a Flórida (164 km), tentou, em 1978, aos 28 anos, cruzar o oceano entre Havana, Cuba e Key West, Flórida, uma travessia de 180 km, com a ajuda de uma gaiola de tubarão, mas, depois de 42 horas de esforço, foi retirada da água pela equipe médica. O longa-metragem Nyad, coproduzido e distribuído pelo Netflix, é a ficcionalização da história real da nadadora tentando novamente essa travessia nada menos do que 33 anos depois, aos 61 anos e, ainda por cima, sem a proteção da gaiola.
Com direção do casal Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi, especializado em documentários sobre esportes radicais com os ótimos e premiados Free Solo e The Rescue no currículo, em sua primeira obra ficcional, Nyad é uma fascinante história real que deve quase toda sua força e valor à dupla central de atrizes, Annette Bening como a nadadora do título e Jodie Foster como sua amiga de longa data e treinadora Bonnie Stoll. E não quero com isso desmerecer a direção de Chin e Vasarhelvi, mas sim, ao contrário, saudá-la por justamente entender a importância de se focar nessas excelentes atrizes sexagenárias que continuam mostrando sua capacidade dramática, dando-lhes tempo para maturar suas personagens e a relação amorosa, mas conflitante entre elas.
O roteiro da estreante em longas Julia Cox é simples e usa a estrutura clássica dos “filmes de esporte” que Hollywood sabe fazer tão bem ao destilar a impossibilidade e a quase literal loucura do que Nyad pretende fazer, reunindo traços de obsessão, teimosia e demonstração daquela qualidade admirável, mas por vezes perigosa, que é a fusão de se recusar a admitir derrota e de nunca desistir de seus sonhos. Cox sabe criar flashbacks em momentos chave da projeção para dar estofo ao passado da protagonista, dando-se até o luxo de criar suspense nessa construção, o que aumenta ainda mais a importância do que tenta fazer, mas, assim como o trabalho de direção, a roteirista confia em Bening e Foster para darem vida a diálogos que, saindo de atrizes menos experientes, não passariam de clichês do gênero.
E as atrizes simplesmente dominam todas as cenas em que aparecem, o que é basicamente o filme todo, com Bening, ainda por cima, demonstrando um vigor e forma físicas impressionantes, sem vergonha alguma – como ela não deveria ter mesmo, mas que a sociedade em geral e Hollywood em particular em tese a força a ter – de quase que literalmente desnudar sua idade diante das câmeras, algo que, em grau menor, Foster também faz. Ou seja, além de todas as mensagens edificantes que ficam bem claras no filme, há também, em segundo plano, a discussão sobre o envelhecimento de atrizes hollywoodianas, um tabu que, ainda bem, vem sendo consistentemente derrubado por obras como Grace and Frankie e, agora, Nyad.
Mas não seria justo de minha parte ignorar a presença e a atuação de Rhys Ifans no elenco de apoio como o cuidadoso e genial navegador John Bartlett que cria as rotas marítimas para Nyad. Com aquela simpatia que lhe é peculiar – quando ele quer, claro -, o ator estabelece com muita facilidade um rapport tanto com Bening quanto com Foster, só que em níveis claramente diferentes, como se seu personagem olhasse para Nyad com uma espécie de admiração absoluta e para Foster como uma igual, em seu cuidado e seriedade com o trabalho que lhe é confiado. Os três são muito naturais mesmo em situações extremas, como a feroz discussão que Nyad e Bartlett têm ou quando o céu literalmente cai sobre a cabeça deles em uma das tentativas de travessia, com a delicada trilha sonora composta por Alexandre Desplat pontuando esses importantes momentos com grande destreza e, melhor ainda, sem parecer intrusiva, algo que, claro, foi escolha da direção durante a sincronização sonora em pós-produção.
A grande verdade, porém, é que Nyad não seria Nyad sem o espetacular trabalho da equipe de maquiagem. Assim como eu sempre costumo afirmar que a melhor computação gráfica é aquela que não conseguimos dizer com certeza que é computação gráfica, a melhor maquiagem, para mim, normalmente é aquela que duvidamos ser maquiagem. Reputo bem menos fascinante transformar, por exemplo, Brendan Fraser em um obeso mórbido em A Baleia, do que Bening depois de dezenas de horas na água, com os efeitos do sol, do sal e de criaturas marinhas em sua pele. No primeiro caso, por melhor que seja o trabalho, o espectador sabe que é maquiagem, o que costuma quebrar um pouco a imersão e, no outro, a imersão é absoluta a ponto de ser perfeitamente crível imaginar que a atriz realmente passou dias na inclemente água salgada do Atlântico.
Nyad só realmente não funciona quando a direção tenta criar suspense e perigo na travessia que saem abertamente do esgotamento físico da nadadora. E não é o caso de os perigos não terem efetivamente acontecido – não sei se aconteceram -, mas sim a maneira quase episódica como eles aparecem, especialmente a sequência envolvendo tubarões que é algo amplamente esperado na linha da Arma de Tchekhov, mas que ganha uma execução paupérrima e contraproducente em uma obra que não precisava disso. Seja como for, não há como não apreciar a direção de Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi, além do roteiro de Julia Cox que funcionam quase que exclusivamente como palcos para Annette Bening e Jodie Foster brilharem em uma história que por si só é imediatamente atraente.
Nyad (Idem – EUA, 03 de novembro de 2023)
Direção: Jimmy Chin, Elizabeth Chai Vasarhelyi
Roteiro: Julia Cox (baseado em livro e vida de Diana Nyad)
Elenco: Annette Bening, Jodie Foster, Rhys Ifans, Karly Rothenberg, Jeena Yi, Luke Cosgrove, Eric T. Miller, Garland Scott, Belle Darling, Pearl Darling, Anna Harriette Pittman, Johnny Solo, Eric T. Miller
Duração: 121 min.
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