Depois
de praticamente seis anos desde seu lançamento, acredito ser mais do que óbvio
criticar ou elogiar a nostalgia de Stranger Things. Nós já sabemos do
cenário oitentista do período, as diversas homenagens a antigos clássicos do
Cinema, e os vários acenos carismáticos a uma era distinta e ainda
incrivelmente fascinante de revisitar através da arte. Mas tudo isso é
ambientação, é uma vibe e um túnel do tempo espetacularmente bem produzido. Por
trás da embalagem, o tutano da série é – e sempre foi – sobre personagens.
Entre monstros e portais, cada conflito narrativo é pensado de forma íntima e,
de muitas maneiras, são alegorias para situações realistas e dramas humanos:
perder um filho é uma guerra interdimensional; ser órfão é Área 51; ser
“diferente”, seja nerd, seja parte de uma minoria, é enfrentar os valentões e
os Demogorgons de cada dia.
A
premissa do quarto ano é similar ao que foi feito nos anos anteriores:
estabelecer novas dinâmicas e outro status quo com os protagonistas, agora com
parte do grupo em outra cidade, enquanto os residentes de Hawkins se dividem
entre tribos. No centro do seriado temos, então, as questões adolescentes com
nosso elenco principal. Entre pitadas de romance e doses de companheirismo, o
carisma e o bom desenvolvimento dos personagens carregam o roteiro problemático
dos Irmãos Duffer, mas falarei disso mais à frente. Por enquanto, quero
focar na parte que os criadores continuam mandando bem: o amadurecimento dos jovens.
É notável como a dramaturgia da produção tem crescido e se aprofundado junto
dos protagonistas, tocando em conteúdos delicados nesta quarta temporada. O
bullying e os flertes românticos ainda fazem parte da história, mas também
temos temáticas como luto, culpa e suicídio sendo bem articuladas pelo texto.
Para
tanto foco em narrativas pessoais, é cruelmente poético que o vilão da vez seja
Vecna (Jamie Campbell Bower), um monstro que invade as mentes de
adolescentes vulneráveis, com a trama onírica e o antagonista de pesadelos
sendo claramente inspirado em Freddy Krueger. A maioria de seus embates
vêm contra Max, de longe a personagem melhor desenvolvida da temporada, com o
roteiro trazendo a morte de Billy como estopim dos dramas da garotinha que protagoniza
alguns dos momentos mais memoráveis, emocionantes e cinematográficos do seriado
– toda aquele ato do sétimo episódio é um primor, passando pela direção de arte
do mundo de Vecna, a utilização marcante de canções e temas musicais (como o
toque do relógio) e realmente toda a construção da direção e a encenação da
luta.
Também
gosto bastante do arco da Eleven (Millie Bobby Brown). Trazer flashbacks
e retornar com Brenner (Matthew Modine) não me pareceram escolhas
atrativas de início, mas o roteiro soube lidar com cuidado e sentimento essa
parte do passado, e, melhor ainda, com um senso de progressão para a
super-heroína de Hawkins, inclusive conectando de maneira perspicaz o drama de
Eleven com o de Max (a cena que ela admite seus pensamentos para o Vecna).
Tenho algumas ressalvas de como o segmento consegue ser didático e tenta
explicar demais a mitologia do Mundo Invertido e de como tudo aconteceu
(precisávamos saber disso?), mas é um dos blocos mais interessantes da
temporada. Outro ponto positivo dos Duffer continua sendo a introdução de novos
personagens, como o divertidíssimo Eddie (Joseph Quinn) e o espirituoso
Argyle (Eduardo Franco).
No
entanto, nem tudo são flores. Eu realmente gostaria que os criadores tivessem a
mesma criatividade para condução de tramas que eles têm para a criação e
desenvolvimento de personagens. Primeiro que esse molde narrativo dos grupos
separados se convergindo no último episódio está repetitivo e conveniente
demais. Segundo que todo o núcleo do Hopper (David Harbour) e da prisão
russa não funciona em qualquer nível, seja a diminuição do sacrifício do
delegado no final do ano anterior, seja a maneira forçada e inorgânica que o
roteiro tenta conectar os personagens adultos com a aventura. Tudo aqui é
desleixado, desnecessário e contribui para um problema crescente de Stranger
Things: inchaço.
Eu
aprecio o fato da série continuar aumentando o escopo, e, como havia dito, amei
algumas das novas figuras, mas a história do quarto ano parece que vai explodir
a qualquer momento. São personagens demais, explicações de ficção científica
demais e núcleos demais. Como consequência, temos Will (Noah Schnapp)
sendo ignorado pela segunda temporada consecutiva, enquanto Lucas (Caleb
McLaughlin) continua contribuindo em pequenas doses – nem Mike (Finn
Wolfhard) foi bem aproveitado pelo roteiro. É o proverbial “às vezes
menos é mais”, algo sintetizado pela duração exagerada dos episódios
finais, com uma montagem que não consegue lidar com seus cinco desfechos
diferentes – em alguns momentos, tudo parecia uma versão mal pensada e mal
editada de O Retorno do Rei.
Em
meio a seus problemas, porém, Stranger Things continua encontrando força
mais nos indivíduos e menos na jornada. A fórmula dos Irmãos Duffer
funciona e entretém justamente porque eles amam seus personagens, nos fazem
amar seus personagens e gostam de permanecer o máximo possível em seus
conflitos e emoções. Ajuda bastante quando há consequências brutais como no
último episódio – só espero que, dessa vez, os criadores tornem o impacto
permanente. E, bem, também não machuca que a escala do seriado só tem
aumentado, com a produção dando um show visual cada vez maior, seja
esteticamente, seja cinematograficamente. Por mais extenso que seja a
finalização da quarta temporada, uma coisa não podemos negar: foi o ano mais
épico (e macabro) da série; mas, como sempre, mantendo o lado humano que torna
a obra tão empática e divertida de acompanhar.